Analistas veem IPCA em processo de desaceleração, mas num ritmo mais lento que em 2022

Preços de serviços ainda estão altos e núcleos observados pelo BC se mantêm em patamar elevado; fevereiro terá pressão de Educação

Roberto de Lira

(AndreyPopov/Getty Images)
(AndreyPopov/Getty Images)

Publicidade

A inflação medida pelo IPCA continua em processo de desaceleração, mas numa velocidade insuficiente para modificar a leitura mais conservadora do Banco Central para 2023, o que impede a antecipação do início de corte de juros, segundo a opinião majoritária dos analistas. A inflação oficial de janeiro divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE foi de 0,53%. Apesar do dado final ter ficado abaixo das previsões, a visão do mercado é que os núcleos mais observados pelo BC e os preços dos serviços ainda estão em patamar alto.

Para Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, embora o IPCA tenha mostrado desaceleração no mês (em dezembro, o índice foi de 0,62%) e em 12 meses (de 5,79% para 5,77%), a batalha contra a inflação não pode ser considerada como vencida.

“Se olharmos para a inflação de Serviços, ela aumentou em janeiro em 0,60%, ante o +0,44% de dezembro do ano passado, passando no acumulado de 12 meses de 7,58% para 7,80%. O preço dos serviços está em patamar elevado e é de grande preocupação para o Banco Central”, alertou.

Continua depois da publicidade

Mas ele disse ter visto alguns sinais positivos, com os preços de serviços subjacentes caindo no acumulado de 12 meses. A média dos núcleos de inflação também teve uma alta menor, de 0,52% em janeiro ante 0,66% em dezembro. No acumulado de 12 meses, destacou Sung, passou de 9,12% para 8,73%.

Para Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, outro ponto positivo a ser destacado no mês foi o índice de difusão – que mostra o porcentual de itens com que aumentaram de preços no mês. Ele caiu de 68,9% em dezembro para 63,1% em janeiro.

Esse foi um dos fatores que a economista disse terem levado a uma leitura mais positiva do IPCA de janeiro. Rafaela também citou a queda da inflação de bens, que já estava “anunciada” pelo IPA, mas que demorou a chegar até o consumidor final. O fato de a variação dos preços do vestuário ter ficado negativa, após meses de alta, foi juma prova disso.

Continua depois da publicidade

Para a frente, Rafaela disse ver um viés de baixa na inflação de bens, devido ao cenário externo mais positivo, especialmente nos preços internacionais. “A projeção para o IPCA de 2023 é de 5,5%, já incorporando a reoneração dos combustíveis”, estimou.

A economista chefe do Inter ainda vê as expectativas de inflação em alta devido às dúvidas sobre a política fiscal, como a ausência de uma âncora e planos do governo que apontam para alta dos gastos. Ele espera acenos concretos do governo federal, com a apresentação de uma proposta para o Congresso para que essa leitura possa ser modificada.

Para Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, a surpresa no mês foi concentrada em dois itens que são considerados mais voláteis: higiene pessoal e transporte por aplicativo. “Acho que a mensagem principal desse número é que a desinflação segue no Brasil. Mas ela alertou que esses número não trazem grande informação sobre tendência

Continua depois da publicidade

“A projeção (do IPCA) para 2023 está em 5,4%, sem contemplar a reoneração dos combustíveis, cujo impacto, se materializado, seria de aproximadamente 1 ponto porcentual nas projeções”, previu,

Tatiana Nogueira, economista da XP, viu nessa “surpresa” da higiene pessoal no mês uma possível reversão da alta de preços durante o Natal. Ela destacou ainda que a média dos núcleos desacelerou para 0,52%, ligeiramente abaixo da nossa estimativa da XP (0,49%), após avançar 0,66% no mês anterior.

Enquanto isso, os serviços subjacentes, medida acompanhada de perto pelo BCl, subiram 0,59%, em linha com a estimativa da XP (0,55%), desacelerando na média móvel trimestral anualizada dessazonalizada, de 5,31% para 5,09%.

Continua depois da publicidade

Velocidade baixa

Segundo Tatiana, no geral, o resultado de hoje abaixo do esperado não muda a visão de que a desinflação está em curso, mas que deve continuar mais lenta ao longo do ano, principalmente por conta das pressões sobre bens administrados e alguns serviços. “A composição do IPCA mostra leve viés de baixa para alimentação no domicílio e serviços pessoais. Por outro lado, alimentação fora de casa e carros surpreenderam positivamente”, afirmou.

Para fevereiro, a XP projeta um IPCA de 0,87%, puxado principalmente pelo reajuste da educação – a estimativa é de alta de 6,9% nos cursos regulares e de 3,5% nas outras mensalidades – e da reaceleração da inflação da gasolina. Por enquanto, está mantida a projeção de 5,7% para a inflação do ano.

Esse processo mais lento da desinflação no ano também está nas projeções da Galapagos Capital, segundo a economista chefe Tatiana Pinheiro. Ela lembrou que o IPCA estava “rodando” em torno de 12% quando foi adotada a política de cortes de tributos em itens como combustíveis e comunicação no ano passado. Assim, a inflação mudou para um patamar entre 5% e 6%, mas isso não se deu por conta de uma mudança na dinâmica dos preços, afirmou.

Continua depois da publicidade

Uma prova que a velocidade da desaceleração está lenta, segundo Tatiana é que a inflação média entre 2021 e boa parte de 2022 foi de 0,84%, caindo para 0,54% do quarto trimestre do ano passado. Agora, em janeiro, ficou em  0,53%.

O principal motivo é o comportamento dos preços dos serviços, setor que sofreu muito com a pandemia de 2020 e com os novos surtos de 2021. “Quando a economia reabriu, em 2022, começou um realinhamento de preços. A mobilidade voltou, as pessoas voltaram a consumir e houve uma pressão por repasses”, explicou a economista da Galapagos.

Ele disse que a inflação do setor saiu de 1% para a casa dos 8% anualizados e que esse processo de realinhamento ainda não acabou.

Sobre o resultado de janeiro, ela destacou especialmente a deflação dos preços no vestuário em janeiro (-0,27%), após meses de alta. Nesse grupo, a inflação média mensal em 2022 ficou em 1,4%.

A projeção da Galapagos para o IPCA de 2023 está mantida 5,3%, assim como a da queda na Selic para 12% ao final do ano, com os cortes se iniciando no quarto trimestre.

BC vigiliante

Laíz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, também observou que a desaceleração da inflação continuou em fevereiro, mas disse que é preciso continuar a bater na tecla que a média de núcleos que o BC observa ainda está alta. “Está casa do 0,51% e ainda é um núcleo bastante alto. E os serviços, principalmente os subjacentes, estão em 0,58% nesse mês”, ressaltou.

Ela também destacou que, na comparação anual, os dois itens apresentaram queda, mas estão em patamares muito altos, acima dos 8%. “Isso vai muito em linha com a fala do Bruno Serra (diretor de Política Monetária do BC) ontem que, apesar do headline da inflação estar voltando, com a inflação um pouco mais baixo, serviços e núcleos ainda preocupam”, lembrou.

O BNP Paribas espera que o IPCA em 2023 seja de 6,5%. Por isso, o banco não acredita que o BC vá conseguir  os juros tão cedo e nem que as expectativas de inflação voltem para patamares mais próximos da meta. Ou seja, cortes, só em 2024.

Na análise do Santander, assinada por Daniel Karp e Felipe Kotinda, a inflação de curto prazo segue melhorando na margem, embora ainda em patamares elevados. “O principal risco está relacionado com a desancoragem das expectativas de médio e longo prazo, devido à incerteza quanto ao rumo das reformas económicas estruturais”, comentaram.

Segundo o banco, a média dos núcleos teve uma pausa na desaceleração em janeiro porque alguns dos medidores foram impactados pelo reajuste de preços de telecomunicações. Coo esse grupo é contabilizado em serviços, a tendência principal de serviços também sofreu uma pausa em sua desaceleração.

Já o BTG Pactual, viu uma perda no ímpeto da inflação por conta da dissipação das altas em Bens Industriais (de + 1,19% em dezembro para 0,19% em janeiro), sendo que alta forte do mês anterior estava relacionada a uma recomposição dos preços após o fim dos descontos da Black Friday.

“Na direção oposta, a alta em combustíveis e Serviços Subjacentes contrabalancearam os efeitos da desaceleração em Bens Industriais e foram responsáveis por manter o índice em patamar positivo”, disse o banco.

Para 2023 o BTG vê um cenário ainda desafiador, a despeito da melhora na dinâmica inflacionária nas últimas leituras. “A recomposição dos impostos federais sobre combustíveis em março é o principal vetor altista dado seu significativo impacto em nossa projeção para o ano”, analisou.

Além disso, o banco entende que mudanças no arcabouço fiscal e, consequentemente, aumento dos prêmios de risco podem dificultar a convergência da inflação para o centro da meta no horizonte relevante de política monetária.

Olho no fiscal

A análise do Goldman Sachs vai na mesma linha, com a observação que a dinâmica da inflação subjacente continua desafiadora, com as pressões generalizadas em um cenário de mercado de trabalho apertado e a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e microeconômicas – incluindo uma considerável expansão fiscal e parafiscal em 2023 e nos próximos anos.

“Nesse cenário, houve uma retomada das expectativas de inflação para 2023 a 2025, impulsionada não apenas pela antecipação de uma postura fiscal e de crédito mais frouxa, mas também pelas críticas do governo ao nível das taxas de juros e ao conselho do banco central, sinalizando a inclinação para aumentar a meta de inflação”, comentou o banco de investimentos.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, analisou que o nível do IPCA de janeiro ainda não condiz com a trajetória convergência para meta de 3% e que os bons sinais de inflação subjacente vistos alguns meses atrás não se confirmaram.

“A inflação de serviços e núcleos seguem elevadas, sem sinais claros de alívio. As medidas de variação de preços no curto prazo, junto com a piora das expectativas, corroboram com o discurso do BC de que há menos espaço para cortes de juros em 2023. Ao que tudo indica, o processo de desinflação será lento ao longo do ano”, afirmou.

André Fernandes, Head de Renda Variável e sócio A7 Capital, destacou que, apesar de o indicador ter vindo um pouco melhor que as expectativas, isso ainda não está sendo refletido nos juros. “A ponta longa da curva segue abrindo. O juro futuro com vencimento em Janeiro/2029 está sendo cotado a 13,21%, uma alta de +0,69%, e o dólar que abriu em terreno negativo hoje já opera em alta de +0,27% cotado a R$ 5,21”.

Para ele, o ruído político em relação a política monetária e a pressão no presidente do Banco Central ainda dão o tom ao mercado, mesmo com um alívio no nosso indicador oficial de inflação.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, concorda que o indicador foi qualitativamente bom, com a inflação desacelerando e com choques de cadeia indicando normalização. Mas a projeção para os próximo meses é de uma inflação de serviços de educação mais alta em fevereiro, provavelmente os mais altos desde o começo da pandemia.