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Por Marcelo Castro Barbosa, engenheiro mecatrônicos pela Poli-USP, pós-graduado em Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Mises Brasil, associado do IFL-SP, trabalhou no mercado financeiro e trabalha com tecnologia.
Entende-se por capital tudo aquilo que é empregado na produção de bens de consumo. Entende-se por economia o conjunto de ações individuais intencionais e empreendedoras empregadas num universo de recursos escassos e futuro incerto visando produção ou consumo, ciente de que tudo que é consumido precisou ser previamente produzido.
Assim, percebe-se que estudar a teoria do capital é praticamente o mesmo que estudar economia.
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O presente artigo pretende fazer uma análise político econômica do Brasil sobre a ótica do capital, ou por assim dizer, uma análise político capitalista do Brasil.
A reforma da previdência e o investimento
O primeiro aspecto importante da teoria do capital é a importância da preferência temporal na sua formação e manutenção. O conceito de produção envolve antes o conceito de investimento e de poupança: se cada bem de consumo precisou ser previamente produzido, cada bem de capital, usado na produção dos bens de consumo, precisou ser previamente poupado e investido.
Em verdade, poupança e investimento são conceitos econômicos equivalentes, que dizem respeito a abstenção do consumo imediato para um maior consumo no futuro. Isso quer dizer que quanto mais impaciente for um indivíduo, ou seja quanto maior for sua preferência temporal, mais ele vai favorecer a satisfação das suas necessidades imediatas (consumo) à satisfação das suas necessidades futuras (poupança/investimento/produção).
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A inversa também é verdadeira, tal que quanto mais paciente for um indivíduo, ou seja menor será sua preferência temporal, mais ele vai favorecer a poupança e menos o consumo.
Quando se olha para o problema #1 do Brasil hoje, a reforma da previdência, se olha basicamente para um problema de déficit público gigante projetado no futuro sem que haja uma solução possível para equilíbrio das contas públicas exceto um grande calote, chamado pelos economistas de reforma.
É isso mesmo: a reforma da previdência nada mais é que uma mudança de regras no meio do jogo – e.g. quem antes iria se aposentar com 60 vai agora se aposentar com 65, e assim por diante – para assim justificar não pagar aposentadoria para uma série de pessoas e portanto diminuir o gasto e o déficit público. Não acho que não deva ser feito, muito pelo contrário, acho importantíssimo.
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Mas é importante ver as coisas como elas são, e entender que o problema que vivemos hoje nasceu lá atrás quando se criou a previdência, pois sabia-se desde o início que esse negócio não parava de pé e que a conta um dia iria chegar. Pois bem, chegou.
Evolução das despesas correntes do governo federal: quatro rubricas (R$ bilhões)
Quando olhamos o gráfico das despesas do governo percebemos que previdência não só é a maior como a que mais cresce. De 1995 até 2017, os gastos previdenciários cresceram 13,7% ao ano, bem acima da inflação e do crescimento real do PIB, e espera-se que tal tendência continue daqui para frente dado que sua natureza é demográfica, ou seja, dado o envelhecimento da população.
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Mas como isso se relaciona com a teoria do capital?
O governo é uma “empresa” que teoricamente não quebra. Se os gastos públicos superam a arrecadação de impostos, o que seria visto como “prejuízo” para uma empresa normal mas apenas “desequilíbrio fiscal” para o governo, o mesmo pode buscar equilibrar suas finanças i) aumentando impostos ou ii) cortando gastos, mas também pode simplesmente ignorar esta questão e iii) emitir mais dívida pública em sua própria moeda – daqui portanto a teoria de “empresa que não quebra”.
Dado que a dívida é denominada numa moeda que o credor emite, como que ele pode quebrar? Foi inclusive esta segunda opção, tomar dívida, que predominou na política econômica recente no Brasil.
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Dívida total do governo federal
Déficit nominal do governo federal
De 2015 para cá, o governo federal gastou cerca de R$500 milhões de reais por ano a mais do que arrecadou (inclui todos os gastos, inclusive previdência e serviço da dívida), e manteve seu fluxo de caixa “equilibrado” com a emissão de mais e mais dívidas, o que explica o aumento da inclinação da curva no gráfico que mostra a dívida total do governo federal. Estamos falando hoje de R$5,5 tri.
Tal descontrole fiscal e incerteza futura tem efeitos nefastos na economia. Como explicamos acima, a propensão à poupança/investimento (ao invés do consumo) dos agentes econômicos depende de sua preferência temporal.
Quando se projeta um um rombo nas contas públicas no futuro, espera-se que o governo use uma das 3 formas citadas acima para resolver seu problema.
Dessa forma, aumenta-se o risco de confisco futuro pois aumenta-se o endividamento hoje, que nada mais é do que a taxação das gerações futuras, e cria-se a expectativa de um aumento da alíquota de impostos no futuro.
Porque investir agora para ter lucro no futuro, se quando o lucro chegar o governo vai confiscar mais ainda? Ou seja, há um aumento da preferência temporal: se o governo vai confiscar o meu dinheiro amanhã, melhor eu gastá-lo hoje. Mais consumo, menos poupança, e menos investimento. E é exatamente o que temos visto recentemente.
Evolução da formação bruta de capital fixo
De 2015 para cá, coincidindo com início do descontrole fiscal, o investimento bruto caiu e não demonstra sinais de retomada. E isso tudo apesar do impeachment da presidente Dilma, de várias medidas positivas do governo Temer, como a aprovação do teto dos gastos e passagem da reforma trabalhista, e da entrada do governo Bolsonaro.
Ou seja, trata-se de um problema de expectativas. Mudou muita coisa, mas a expectativa do futuro ainda está parecida: o empreendedor continua sem querer investir e a população continua sem querer poupar. Há naturalmente outros fatores que corroboram para tal cenário, como fenômenos monetários como a baixa forçada da taxa SELIC, mas o conceito macro é exatamente esse.
A desburocratização e o empreendedorismo
O segundo aspecto importante da teoria do capital é que sua estrutura só existe na imaginação do empreendedor. Vamos dizer que há um fogão, há trabalhadores, e há matéria-prima como ovo, pão e manteiga.
Enquanto cada um desses itens existe objetivamente, a “fábrica de ovos quentes de 3 minutos” só existe subjetivamente na cabeça do empreendedor que percebeu a demanda dos clientes e empregou capital, mão de obra e matéria prima para produção de ovos quentes.
No Brasil, para fazer a tal fábrica de ovos, além de empregar os fatores de produção acima descritos, o empreendedor precisaria contratar advogados para garantir cumprimento com a legislação de restaurantes, contratar um tributarista para ajudá-lo a pagar impostos, passar por fiscalizações da ANVISA, reconhecer firma e carimbar contratos sociais nos cartórios, colocar a plaquinha do “direito do consumidor” no caixa, e várias outras aberrações burocráticas que juntas compõem o famoso “custo Brasil”.
A burocracia naturalmente dificulta o empreendedorismo pois não só aumenta o custo, mas a burocracia também dificulta que o empreendedor perceba a necessidade de mercado e imagine a estrutura de capital necessária para suprir tal necessidade.
São exatamente esses pontos que propostas de uma agenda de desburocratização, como a de Hélio Beltrão, buscam resolver. Seu foco é no empreendedor, para que fique mais fácil empreender legalmente.
Entre as quatro medidas que compõe a proposta, uma delas é desintermediar cartórios permitindo que qualquer servidor público, partindo-se do princípio da boa fé, possa ser notório público no reconhecimento de firmas.
Outra medida está no conceito de auto-declaração, que permite que o empreendedor empreenda primeiro e depois obtenha a autorização do estado, ao invés de precisar da autorização primeiro do estado para que depois comece o empreendimento. Diferença sutis como estas diminuem a complexidade do aparato legal no qual estão inseridos todos os bens de capital, a mão de obra, e os recursos naturais que são empregados na produção de bens de consumo no brasil. Melhorando-se o componente social, transforma-se também a estrutura de capital.
Por fim, trata-se também de uma transformação na estrutura de capital. Um exemplo análogo ao da desburocratização seria a simplificação dos impostos. Não é apenas o custo dos impostos e custo das autenticações de firmas. É todo o atraso produtivo nas inúmeras idas e voltas, e a ineficiência produtiva dado o número de pessoas empregadas em etapas de produção que não precisaria existir.
Seria como imaginar uma sociedade com o mesmo número de pessoas e equipamentos, então efetivamente uma sociedade igual, só que com mais pessoas empregadas nas etapas produtivas do que nas etapas burocráticas. Seria uma transformação do capital com enorme aumento produtivo, mas certamente nenhum aumento de capital.
Conclusão
É grande a torcida para o sucesso do governo de Bolsonaro e sua equipe. Mas o sucesso depende em última instância da capacidade do governo estimular a formação e transformação da estrutura de capital do Brasil, conforme descrito acima.
Para aumentar a formação de capital deve-se focar na reforma da previdência e equilíbrio das contas públicas, que vai reduzir o risco de confisco futuro e permitir o retorno do investimento bruto.
Para se transformar o capital, estamos falando principalmente da desburocratização e quem sabe na simplificação tributária, que permitirá aos poucos uma melhor alocação dos recursos em etapas produtivas do que em etapas burocráticas da estrutura de capital.
Há um risco enorme em usar a palavra “estimular”, pois imediatamente vem à cabeça da maioria dos economistas o conceito de estímulos como expansão de crédito (baixa de juros e afrouxamento monetário) e a expansão fiscal (aumento de gastos do governo).
Mas no caso da expansão de crédito, como explica a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), a baixa de juros não gera prosperidade. Pelo contrário, apenas distorce o que seria uma taxa de juros natural (aquela que reflete a preferência temporal de mercado) ao forçar uma taxa de juros artificial (aquela que o Conselho Monetário quer e que o Banco Central executa com a SELIC), dando sinais conflitantes para a economia.
Ao consumidor, se incentiva a consumir mais e poupar menos, que acaba causando aumento de preços generalizado (ou inflação) com o aumento da oferta não acompanhado pela demanda. Ao investidor, se incentiva a investir mais em projetos de longuíssimo prazo, mesmo que não haja de fato poupança para fazê-lo, que acabam causando o malinvestimentos. Portanto, este caminho deve ser evitado.
Pelo contrário, deve-se interpretar a palavra “estímulo” pela via negativa, ou seja, o que se pode “não interferir” ou “deixar de interferir”.
É nesse contexto de diminuir a intervenção governamental na economia que falamos de reformar a previdência e desburocratizar a economia, tal que tais políticas públicas juntas podem não só aumentar mas melhorar (transformar) o capital e, logo, a economia brasileira.
Mas antes de terminar precisamos ressaltar alguns pontos: ao passo que as políticas econômicas aqui propostas terão enormes benefícios de longo prazo, teremos certamente custos no curto prazo.
Para isso, segue aqui alguns pontos da receita para superar uma crise propostos pelo professor de economia Anthony Mueller, para assim evitar que todo nosso esforço seja em vão: i) não impedir liquidação de ativos – transformação do capital quer dizer que algumas empresas vão quebrar, para que outras possam ser criadas; precisamos deixar isso acontecer; ii) não inflacionar – resistir às tentações de fazer estímulos contra-cíclicos na economia; iii) permitir que os preços se adaptem – alguns preços vão subir e outros vão descer; isso nada mais é que os sinais do mercado de sobre-demanda (preço alto) ou sobre-oferta (preço baixo) que ajudam o consumidor e empreendedor a realizarem o cálculo econômico e atividade empresarial diária; iv) diminuir impostos e gasto públicos; e por fim v) manter a calma – nada se resolve do dia pra noite, uma economia não será diferente.
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