Basquete brasileiro em tempos de Covid-19: como a NBB administra a crise sem pesadelos

Aparentemente, a situação do basquete masculino brasileiro é menos dramática que a do futebol. Não há casos de atrasos recorrentes de salários e a estrutura com custos compatíveis com as receitas faz com que as dificuldades sejam administráveis

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Esta já é a quinta coluna envolvendo a relação entre esporte e Covid-19. Antes da explosão da pandemia, eu trabalhava em dois outros temas que diziam respeito ao futebol, além de uma série de análises sobre esportes olímpicos, que culminariam com as Olimpíadas de Tóquio. Mas como diria Cazuza, “ficou tudo fora do lugar, café sem açúcar, dança sem par…”, e tratar o esporte da forma que ele existia pré-Covid19 é algo impensável neste momento.

No mundo do esporte profissional a grande dúvida é sobre quando as atividades retornarão. Que serão sem público isto é um dado do problema, cujo impacto é menos receitas, e a relevância depende do esporte e da equipe.

Entretanto, antes de qualquer retomada, é fundamental que haja análise e parecer favorável da área médico-sanitária. Não faz nenhum sentido colocar atletas e profissionais de outras áreas em risco. Depende da avaliação deles, que inclui a criação de uma série de protocolos técnicos que sejam capazes de evitar contaminações, o retorno do esporte. O show tem que continuar, mas precisa ser seguro para os artistas.

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Quando falamos em esporte temos o hábito de olhar apenas para o futebol. Mas há muito mais. Claro, lembramos mais dos esportes olímpicos quando estamos próximos aos Jogos Olímpicos, e daí viramos fãs e torcedores de judô, atletismo, levantamento de peso. Bobagem. A maioria só curte mesmo o momento, pois Jogos Olímpicos são um evento sensacional, com competições ao vivo por 2 semanas, vitórias, derrotas, histórias de superação. Mas após seu final, voltamos ao futebol nosso de cada dia.

Vale para este que vos escreve. Mesmo já tendo tratado de outros temas, o futebol consome a maior parte das atenções e colunas, afinal, é quem movimenta mais dinheiro entre todos os esportes. Foi pensando nisso que fui atrás de entender melhor o que se passa nos esportes olímpicos neste momento de Covid-19 e quais os impactos financeiros.

De cara, uma constatação: temos muito mais informações sobre os efeitos nos esportes e ligas americanas (NBA, MLB, NFL e NHL) que nos esportes olímpicos brasileiros. Há inúmeros relatórios e matérias medindo impacto na terra do Tio Sam, enquanto no Brasil não se encontra nada, ou muito pouco. Todos preocupados apenas quando retoma o Brasileirão e se seu clube vai conseguir pagar os salários de Maio, mas quase ninguém se interessou em saber como estão vivendo os atletas que disputam a NBB, liga masculina de basquete profissional.

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Então fui atrás, e daqui a pouco falo sobre isso.

Antes falamos das ligas americanas. Na composição das receitas totais das 4 principais ligas (NHL, NBA, NFL e MLB) a TV é uma componente importante, mas as receitas Comerciais e com Matchday (ingressos e gastos no dia da partida) são relevantes em algumas delas.

A NBA apresenta receitas comerciais acima das receitas com TV, especialmente por conta da sua estratégia de expansão internacional, onde vende produtos no mundo todo, baseado inclusive no fato de que 25% dos atletas da liga serem estrangeiros, segundo Mark Tatum, COO da NBA.

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Enquanto isso, NHL e MLB apresentam boa participação de Matchday, o que impulsiona a questão do “ao vivo”. Já na NFL o “ao vivo” vem mais forte nas receitas de TV. Já falei sobre isso numa coluna anterior, mas reforçamos que dos 100 programas de maior audiência da TV americana em 2019, 73 foram partidas da NFL, sendo que 88 foram transmissões esportivas ao vivo. Apenas 12 das 100 maiores audiências vieram de programas como séries e jornalismo.

Obviamente que a ausência de partidas é um problema para todas as ligas. Por enquanto a NBA apenas suspendeu a temporada, assim como a NHL. A NFL não teve início, mas se discute o futuro da próxima temporada, enquanto a MLB estuda alternativas para o início da temporada. Enquanto isso, todas as ligas trabalham com conteúdo online, lives, jogos antigos, ações de marketing para manter o relacionamento entre atletas, equipes e fãs. Ao mesmo tempo, as ligas que tiveram temporada interrompida negociam acordos com as redes de tv para manter pagamentos, o que inclui extensões de contratos e adição de outros direitos além das partidas.

Em termos de custos, a NBA está pagando integralmente os salários de Abril, mas os de Maio ainda estão em negociação. Se a temporada for cancelada ou tiver menos partidas, haverá redução nos valores a receber das TVs, e isso implica que contratualmente os atletas devem devolver parte dos salários recebidos, segundo matéria do Bleacher Report. Ainda há negociações entre todas as partes, como comentei acima, de forma a evitar esta situação mais drástica. As negociações na NBA são conjuntas e todos os stakeholders se entendem como parte do problema e da solução, assim como venho defendendo que se atue no caso do futebol brasileiro

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Vindo para o Brasil, consegui falar com Guilherme Buso, Diretor de Comunicação da Liga Nacional de Basquete, entidade responsável pela NBB (Novo Basquete Brasil) que é a competição profissional de basquete masculino brasileiro.
A competição, que teve sua primeira temporada em 2009, seguia a temporada 2019/20 rumo aos playoffs quando foi decidida a suspensão até melhor avaliação da situação.

Os desenvolvimentos, negociados constantemente entre liga, atletas, treinadores, árbitros e clubes indica uma primeira solução, que é encerrar a fase de classificação mantendo a posição atual de tabela. Ou seja, dos 16 clubes, 4 ficam de fora dos playoffs e os 12 primeiros partirão para a disputa tão logo tenhamos uma definição de continuidade.

Ninguém sabe quando, como e se será possível continuar a temporada, que terminaria em Junho. E a partir daqui falaremos sobre as questões econômicas do basquete profissional masculino brasileiro.

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São 16 as equipes que participam da competição. Podemos dividi-las em 3 grandes blocos: i) os Clubes de Futebol (Botafogo, Corinthians, Flamengo e São Paulo), ii) os Clubes Sociais (Minas Tênis, Paulistano e Pinheiros) e as Associações (Franca, Mogi das Cruzes, Unifacisa, Rio Claro, Bauru, Brasília, São Jose, Basquete Cearense e Pato Basquete). Esta divisão é importante para entendermos a realidade das receitas do esporte.

As receitas de TV não são relevantes, mesmo com partidas sendo transmitidas pela Band, ESPN, Fox Sports, DAZN, e por diversas redes sociais. O que importa na maioria dos clubes são os patrocínios. Para o basquete dos clubes de futebol o patrocínio muitas vezes entra no rateio geral, em outras palavras é o futebol quem financia indiretamente o basquete. Mas para os Clubes Sociais e as Associações o patrocínio é fundamental e paga a conta.

No caso das Associações, a Bilheteria contribuiu para a formação da receita total. Há casos de clubes que possuem inclusive modelos de Sócios Torcedores, que comparecem a toda a temporada.

Pensando nessas duas fontes de receitas, e desconsiderando que o encerramento da temporada é a pior das alternativas, o que o esporte precisa hoje é que as partidas voltem a serem transmitidas, para que os patrocinadores mantenham pagamentos. Alguns os suspenderam temporariamente, mas ainda nada que seja crítico. Naturalmente, se a situação se alongar além de Maio e Junho, o efeito pode ser duro nas contas dos clubes.

Jogar sem público impactaria bastante as Associações, mas seria administrável, porque a maior parte das receitas vem efetivamente dos patrocínios.

Como parte importante da estrutura logística é paga pela Liga, cabe aos clubes manter as equipes, e este é o grande custo. Para se ter uma ideia, os salários dos atletas de basquete no Brasil estão bem distantes dos praticados no futebol. Podemos dizer que há 3 blocos mais ou menos claros: i) os que ganham mais ficam na casa dos R$ 100 mil mensais, com um bloco ii) de atletas que recebem cerca de R$ 60 mil mensais, e um grupo de entrada iii) na cada dos R$ 15 mil mensais.

Fazendo uma simulação, uma equipe com 15 atletas deve custar cerca de cerca de R$ 700 mil mensais, ou cerca de R$ 7 milhões por temporada de 10 meses. Uma dificuldade dos atletas é que os contratos ainda são por temporada, e são raros aqueles com contratos de longo prazo.

Aparentemente, a situação do basquete masculino brasileiro é menos dramática que a do futebol. Não há casos de atrasos recorrentes de salários e a estrutura com custos compatíveis com as receitas faz com que as dificuldades originadas pela Covid-19 sejam administráveis, pelo menos por algum tempo. Nenhuma atividade aguentaria 3 ou 4 meses sem atividades, não seria o esporte o setor capaz de suportar tal dificuldade.

Com organização, pés-no-chão e uma estrutura compatível com o porte dos clubes o basquete mostra que é possível ultrapassar momentos de dificuldade com sustos, mas sem viver num pesadelo.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti