Mais voláteis, fundos de maconha acompanham retomada das Bolsas

Eles ainda estão com desempenho negativo no ano, embora menor, com exceção da versão light da Vitreo, que é ajudada pelo Tesouro Selic

Anderson Figo

Pé de maconha
Pé de maconha

SÃO PAULO — Mais voláteis que o Ibovespa e o S&P 500, os fundos brasileiros “de maconha” estão acompanhando a retomada recente das Bolsas e tiveram uma melhora em seu desempenho nos últimos dois meses. Vendidos aqui no Brasil, esses fundos investem em ações de empresas em países como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, cuja principal matéria-prima de seus negócios é a Cannabis.

Fortemente prejudicados pela crise do coronavírus, uma vez que a disseminação da Covid-19 provocou o fechamento de fábricas e escritórios, afetando o desempenho das empresas no mundo inteiro, o principal índice da Bolsa brasileira e o índice das 500 maiores empresas dos EUA, o Ibovespa e o S&P 500, caíram 36,9% e 19,8% nos três primeiros meses de 2020. Em abril e maio, porém, eles engataram uma retomada e, até agora, reduziram as perdas no ano para 18,8% e 0,85%, respectivamente.

Enquanto isso, o Trend Cannabis FIM, da XP, mostra uma queda de 22,7% neste ano. O fundo chegou a ter perda de 54% no auge do estresse da crise, em meados de março. O Ibovespa caiu até 44% no mesmo período. Desde seu lançamento, em 13 de dezembro de 2019, o fundo da XP tem perda acumulada de 24,4% — isso porque houve uma retomada nos meses de abril (+6,18%) e maio (+12,85%), o que amenizou a baixa de 36,5% no primeiro trimestre.

O Trend Cannabis FIM é um fundo passivo, que acompanha a variação do ETF MG Alternative Harvest ou, como é mais conhecido, “MJ” (mesmo código na Bolsa de Valores de Nova York). O ETF é o maior e mais líquido ligado ao setor de Cannabis existente nos Estados Unidos.

Fazem parte do ETF empresas que possuem mais de 50% da receita atrelada a atividades relacionadas à indústria de Cannabis. Elas podem estar direta ou indiretamente relacionadas ao processo de cultivo legal, produção, marketing ou distribuição de produtos para fins medicinais ou não.

O rebalanceamento da carteira do ETF é feito a cada três meses. Atualmente, dois terços dos investimentos são em ações do setor farmacêutico e cerca de 20% no setor de tabaco — as companhias com maior peso no fundo são Aurora Cannabis, GW Pharmaceuticals e Cronos Group.

A taxa de administração do fundo da XP é de 0,5% ao ano e não há taxa de performance. O resgate é D+5 (ou seja, você recebe o dinheiro cinco dias corridos após a solicitação) e a aplicação mínima é de R$ 500,00.

“É um investimento muito volátil, não indicado para quem não tem perfil agressivo. Por isso, recomendamos que apenas uma pequena parte da carteira dos clientes que queiram ter exposição ao setor de Cannabis esteja nesse produto”, diz Samuel Oliveira, head de análise de fundos da XP.

“É uma indústria incipiente. No Brasil, é extremamente restrita qualquer iniciativa nesse setor, mesmo para fins farmacêuticos. Nos Estados Unidos, já está bem avançado”, continuou.

Segundo o head da XP, o grande potencializador do mercado de Cannabis atualmente é o avanço da regulação americana. Hoje, 33 estados americanos permitem o uso medicinal da Cannabis e 11 estados autorizam também o uso recreativo da planta.

Entre os 39 estados que não aprovaram o uso recreativo, 15 descriminalizaram o uso pessoal. Assim, ao todo, apenas 3 dos 50 estados americanos proíbem o uso de maconha, seja para fins recreativos ou medicinais.

“O que ajuda as ações das companhias do setor é o uso recreativo ou medicinal da Cannabis ser legalizado em mais estados. E, além disso, alguns detalhes podem fazer diferença. Um deles é o relacionamento dessas empresas com as instituições financeiras”, afirmou Oliveira.

Como os bancos têm regras muito rígidas de compliance, ou seja, precisam garantir que o dinheiro movimentado pelos seus correntistas não é fruto de tráfico ou outro crime, algumas empresas regionais que lidam com a Cannabis acabam enfrentando dificuldades com as instituições financeiras para ter contas bancárias e permitir pagamentos eletrônicos, por exemplo.

“Em muitos estabelecimentos que vendem produtos de Cannabis nos EUA, por exemplo, só é possível fazer a compra em dinheiro, mesmo sendo estabelecimentos legais. Isso chama atenção de assaltantes e pode limitar o acesso de clientes”, disse o head da XP.

“Tem uma lei nos EUA que está em tramitação no Senado e que pode remover algumas barreiras para que essas empresas tenham relacionamento com instituições financeiras. Mas ninguém sabe se ela vai passar ou não. Ainda precisaria da assinatura do presidente Trump, que está ligado ao partido conservador e estamos em um ano de eleições.”

“De qualquer forma, é um setor que tem atraído a atenção do mercado e de cada vez mais investidores pessoas físicas, que estão dispostas a suportar a alta volatilidade das cotações. O lockdown imposto pela crise do coronavírus ajudou os estabelecimentos de maconha nos EUA porque muitas regiões consideraram o serviço como essencial, permitindo o uso de delivery e pagamento por débito, o que aumentou as vendas”, completou Oliveira.

Proteção

O fundo de maconha da XP tem hedge (proteção cambial), assim o investidor fica exposto apenas à variação de preço do ETF MG Alternative Harvest, sem interferência da oscilação do dólar — que recentemente chegou a ultrapassar a barreira dos R$ 6.

Além da XP, a gestora Vitreo lançou no fim de outubro de 2019 um fundo para a compra de papéis ligados ao setor de Cannabis. O Vitreo Canabidiol FIA IE é aberto apenas a investidores qualificados — que têm mais de R$ 1 milhão em aplicações —, diferentemente do fundo da XP, disponível para investidores em geral.

A XP consegue disponibilizar o Trend Cannabis FIM para todos os investidores, mesmo os não qualificados, porque faz uma operação de swap (a rentabilidade do ETF MG Alternative Harvest pela variação do dólar), gerando assim a proteção cambial do produto. Ela não compra diretamente o “MJ”, mas o fundo consegue obter, dessa forma, 100% da variação do ETF já em reais.

Assim, o fundo da XP é classificado como multimercado e não se enquadra na regra da CVM (órgão regulador do mercado de capitais brasileiro) que prevê que os produtos com mais de 20% do patrimônio alocados diretamente em ativos no exterior só podem ser comprados por investidores qualificados — como é o caso do fundo da Vitreo.

O fundo da Vitreo não tem hedge, ou seja, o retorno é dado pela variação dos ativos que compõem o fundo e também do câmbio. Enquanto o fundo da XP tem exposição apenas ao “MJ”, o da Vitreo é composto por um mix de ETFs ligados ao setor de Cannabis (dois terços do total) e papéis de empresas específicas selecionadas pelo gestor do fundo (um terço).

A taxa de administração do fundo da Vitreo é de 0,9% ao ano (foi reduzida em 23 de dezembro de 2019, antes era de 1,5% ao ano). Além disso, há taxa de performance de 10% (antes era de 20%) sobre o que exceder o desempenho do S&P 500 Total Return — índice que embute os dividendos pagos pelas empresas e que geralmente tem performance em torno de 2% acima do S&P 500. A aplicação mínima do fundo da Vitreo é de R$ 5 mil.

Em novembro de 2019, a Vitreo também lançou uma versão “light” de seu fundo de maconha, chamado de Vitreo Canabidiol Light FIC FIM — dessa vez, aberto também para investidores não qualificados.

Ao todo, 20% do Fundo de Investimento em Cotas (FIC) são aplicados no fundo mãe Vitreo Canabidiol FIA IE, e 80% em Tesouro Selic. O Canabidiol Light tem investimento mínimo de R$ 5 mil e a taxa de administração é de 0,056% ao ano, sem taxa de performance.

Assim como o fundo da XP, os dois fundos de maconha da Vitreo passaram por uma retomada em abril e maio, depois de terem sofrido com a crise no primeiro trimestre deste ano.

Desde seu lançamento, em 28 de outubro de 2019, o Vitreo Canabidiol FIA IE acumula perda de 3,07%. Mas em 2020 o fundo da Vitreo tem alta de 12,4%, o que foi possível pelos bons desempenhos registrados em abril (+18,2%) e maio (+18,3%), compensando a perda de 17,5% no primeiro trimestre.

Já o Vitreo Canabidiol Light FIC FIM sobe 7,8% desde o seu lançamento, em 19 de novembro de 2019, ajudado principalmente pela exposição de 80% do patrimônio ao Tesouro Selic. Em 2020, a alta é de 7,3%. O fundo também teve um primeiro trimestre ruim, com queda de 2,4%, mas se recuperou em abril (+4,9%) e maio (+5,6%).

O gestor e sócio da Vitreo George Wachsmann, conhecido no mercado como Jojo, enfatizou que se trata de um mercado específico, que só é disponível lá fora. “O motivo para a alta do fundo da Vitreo que investe no mercado de Cannabis legalizado no exterior depois de março pode estar ligado ao fato de ser um mercado intimamente ligado à indústria farmacêutica ou a um aumento importante do consumo da planta desde a adoção da quarentena”, disse.

Jojo citou que há uma forte volatilidade nos fundos de maconha e que, portanto, a recomendação é para que seja um investimento de longo prazo, focado na entrada do dinheiro institucional americano nas ações do setor. “E ainda não há previsão exata para isso acontecer. Se você não está acostumado à volatilidade e se não gosta de, muito rapidamente, ver o seu fundo perdendo muito valor de mercado, não recomendamos a entrada.”

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.