Maia testa força do governo com PEC e expõe divisão no centrão; governo muda estratégia e decide “pagar para ver”

Ao perceber dificuldades para desarmar "bomba fiscal", governo desiste de retirada de pauta e tenta constranger Rodrigo Maia

Marcos Mortari

Rodrigo Maia (Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados)
Rodrigo Maia (Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – Na reta final dos trabalhos antes do recesso parlamentar, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenta impor um teste de força ao governo federal mantendo na pauta do plenário uma proposta que aumenta repasses da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O assunto divide a base aliada e é visto como “pauta-bomba” pela equipe econômica.

A discussão vem contaminada pela disputa pelo comando da Casa nos próximos dois anos. Hoje, a corrida está concentrada entre o líder do “centrão” Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo Palácio do Planalto, e o grupo de Maia, que ainda não bateu o martelo sobre um representante – com os deputados Baleia Rossi (MDB-SP) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) figurando como favoritos.

A proposta (PEC 391/17) aumenta em 1 ponto percentual escalonado em 4 etapas o repasse de recursos para os prefeitos via o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Atualmente, de 49% da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), 22,5 pontos porcentuais são direcionados aos municípios por meio do FPM.

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O texto, já aprovado pelo Senado Federal em dois turnos e pela Câmara dos Deputados em um turno, prevê que a parcela aumente para 23,5 pontos porcentuais, subindo o repasse global de 49% para 50% da arrecadação. O aumento é em fases: 0,25% no primeiro e segundo anos; 0,5% no terceiro e 1% a partir do quarto ano. Em 12 anos, estima-se custo de R$ 43 bilhões.

Ontem (21), partidos da base governista promoveram obstrução contra a pauta. Em demonstração de força, Maia conseguiu articular apoio para superá-la e forçou o governo a trabalhar contra a proposta, que também é defendida por membros de bancadas alinhadas ao Poder Executivo.

O presidente da Câmara dos Deputados afirmou que caberá ao governo organizar sua base e retirar a proposta da pauta por meio do voto. “Eu concordo com as preocupações fiscais, mas há uma expectativa grande e eu preciso cumprir a minha palavra no último dia de sessões deliberativas”, disse.

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Maia afirmou que pautou a proposta a pedido do deputado Júlio Cesar (PSD-PI) e da Frente Parlamentar de Defesa dos Municípios, cumprindo acordo selado no ano passado, antes da pandemia do novo coronavírus.

“Para ser correto com o governo, como sempre fui e vou continuar sendo, eu vou fazer a seguinte concessão: vou tirar a PEC do dia de hoje, pauto no dia de amanhã, e o governo pode organizar a base para apresentar e aprovar a retirada de pauta. Assim, não tentam transferir para mim a responsabilidade que é de todos”, disse Rodrigo Maia.

O presidente da Câmara mencionou o desgaste causado após ter sido acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de ser o responsável pelo fim do 13º do Bolsa Família. E disse que foi feito acordo no ano passado para que o tema fosse votado em segundo turno em 2020, de modo que os repasses passassem a vigorar apenas em 2021.

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Líder do Novo na Casa, o deputado Paulo Ganime (RJ), chegou a pedir a retirada da PEC da votação, apontando para o agravamento do quadro fiscal do país. “O Orçamento da União está quebrado. Sabemos muito disso, inclusive aprovamos na semana passada a nossa LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], mostrando que o déficit do país só está aumentando”, disse.

Maia disse concordar com o parlamentar, mas que havia se comprometido a pautar a proposta. “Como eu dei minha palavra aos deputados, estou dando prazo, tempo suficiente para que o governo organize a base, porque é importante também que a sociedade compreenda como cada um de nós vota”, afirmou.

A inclusão do tema na pauta visa empurrar o governo ao desgaste de jogar contra uma proposição apoiada por muitos parlamentares aliados – e caso não consiga evitar a aprovação do texto, a uma derrota importante. Além disso, o fato de os esforços de obstrução terem sido vãos são uma demonstração de força de Maia no plenário e um claro recado a Arthur Lira.

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Durante a sessão de ontem, foi formada uma aliança dentre os partidos mais próximos a Maia – MDB, DEM, PSDB e Cidadania – e os opositores PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB. O movimento foi suficiente para derrubar a obstrução e aprovar projetos, chegando a 290 votos. O número, porém, é insuficiente para a aprovação de PECs, que exigem um mínimo de 308 votos.

Até o momento, a PEC 391/17 está mantida na pauta da segunda sessão deliberativa extraordinária do dia. Diante da dificuldade em fazer membros da base aliada votarem pela retirada de pauta ou contra a proposta em plenário, o governo mudou de estratégia e passou a tentar deixar o ônus da decisão para o presidente Rodrigo Maia.

Com a percepção de que se a proposição for votada será aprovada, o governo agora tenta constranger o presidente da Casa, apontando-o como responsável pela elevação de gastos com a aprovação de uma “pauta-bomba”. Maia, por sua vez, alega estar cumprindo um acordo firmado no ano passado e que cabe ao Palácio do Planalto articular contra.

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O movimento pode não evitar uma nova pressão sobre as contas públicas, mas retira o risco de o governo perder em votação de requerimento de retirada de pauta – o que indicaria baixo controle sobre a nova base de apoio na Casa às vésperas das eleições para a mesa diretora.

(com Agência Estado e Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.