Renda fixa em 2021: como investir em ano com alta de juros, inflação e temor fiscal?

Ativos atrelados à inflação com vencimento de curto prazo são as principais apostas de especialistas para investir na classe este ano

Mariana Zonta d'Ávila

(Getty Images)
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SÃO PAULO – O ano mudou, mas algumas preocupações permanecem inalteradas. Com os investidores monitorando a pressão inflacionária, o risco fiscal e o esperado aumento da taxa Selic, investir na renda fixa brasileira em 2021 não será tarefa simples.

E com o noticiário sobre o coronavírus ainda presente e um ambiente de demanda por reformas ditando o rumo do mercado financeiro no Brasil, ativos atrelados à inflação são os preferidos de especialistas consultados pelo InfoMoney para o ano, de forma a evitar que os ganhos, que já estão limitados, sejam ainda menores pela alta dos preços.

Diante das incertezas com relação ao quadro doméstico, a tomada de risco precisa ser calculada, o que leva a preferência a recair principalmente sobre papéis com vencimentos no curto ou no médio prazo, seja nos títulos públicos ou em produtos de crédito privado.

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Confira as principais apostas de um alocador, um gestor de patrimônio e um assessor de investimentos para a classe de renda fixa neste ano:

Inflação é destaque

Em 12 meses até novembro, a inflação registrou alta de 4,31%, superando a meta estabelecida pelo governo para o ano, de 4%. E, de acordo com o mercado financeiro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve registrar alta da ordem de 3,34% em 2021, segundo o mais recente relatório Focus, do Banco Central.

Neste cenário, ter posições indexadas à inflação na carteira não só contribui para a diversificação usual do portfólio, como protege o poder de compra em um ambiente de maior incerteza por conta da retomada global e da política local.

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Na XP, a posição nos títulos Tesouro IPCA+ foi ampliada em dezembro de 15% para 20%, no fundo multimercado da casa “DNA Strategy”, dada a melhor defesa do portfólio diante das dúvidas com relação à aprovação de reformas estruturais. A preferência recai sobre papéis com prazo médio de cinco anos.

“Em um cenário sem reformas, é melhor encurtar os prazos, então cinco anos virariam dois, três anos. Com reformas, a duration [prazo médio mínimo dos investimentos] pode ser maior, como dez anos”, afirma Felipe Dexheimer, head de alocação de recursos da XP Asset Management.

David Kim, gestor da More Invest, também vê com bons olhos a posição em títulos públicos atrelados à inflação. “Esses papéis protegem o investidor do risco não desprezível de piora da trajetória de inflação. Vemos a Selic subindo no ano, o que pode deixar o índice mais alto nas metas do BC, mas o medo é de o IPCA espirrar, dar uma desancorada e esse ativo protegeria o portfólio”, afirma.

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Na avaliação da gestora de patrimônio, títulos muito longos, como 2050 e 2055, que pagam hoje juros reais na casa dos 4% ao ano, não oferecem uma relação entre risco e retorno atraente, dado o risco fiscal.

Dito isso, a preferência recai sobre títulos mais curtos, com vencimentos entre 2026 e 2028. No último pregão de 2020 na quarta-feira (30), o Tesouro IPCA+ 2026 disponível para compra no Tesouro Direto pagava uma taxa de 2,34% ao ano.

“Conforme o investidor abre mão de liquidez, ele tem que ter um retorno maior, uma vez que, quanto mais longo o prazo, mais o título pode se desvalorizar em um cenário adverso”, assinala Kim.

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Mauro Morelli, sócio do escritório Davos, gosta dos títulos ainda mais curtos, com vencimentos até 2026, também se protegendo das incertezas pela frente na parte fiscal.

Debêntures

Para além dos títulos públicos, o investidor que quiser colocar uma “pimentinha” na carteira deve optar por produtos de crédito privado, como as debêntures de infraestrutura, que contam com a isenção de Imposto de Renda para a pessoa física e tendem a oferecer um prêmio em relação ao Tesouro IPCA+ de mesmo prazo.

“Além da proteção contra a inflação, [no caso das indexadas ao IPCA], tem ótimas empresas com balanços robustos emitindo títulos”, diz Kim, da More Invest.

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O gestor destaca a preferência pelos papéis high grade (com crédito de maior qualidade) e rating “AAA” do setor de utilities, como geradoras e distribuidoras de energia, além de concessões rodoviárias. Entre as empresas apontadas estão Taesa e Transmissão Paulista, conhecidas pela previsibilidade de receita e pelo modelo de negócios defensivo, que têm pago, em média, IPCA mais 4,3%, assinala.

Costumam, contudo, ser títulos para o longo prazo, da ordem de 20 anos, alerta. E muitas vezes sem liquidez para negociação no mercado secundário.

Apesar de as plataformas permitirem hoje a compra direta de debêntures por pessoas físicas, Kim ressalta que uma das desvantagens é ter um portfólio muito concentrado. “O investidor pode comprar diretamente desde que analise, acompanhe e saiba dos riscos de crédito e de mercado. Mas eu prefiro investir via fundos, com gestores e equipes especializadas, já que, além de ganhar em diversificação, o investidor tem uma liquidez melhor.”

Ele destaca que enquanto o investidor pode ter que ficar preso em uma debênture por três ou quatro anos, às vezes até mais, em um fundo, pode encontrar possibilidade de saída em cerca de 30 dias. “O investidor ganha liquidez e proteção, mas perde rentabilidade, porque precisa pagar taxas de performance e de administração”, destaca.

Morelli, da Davos, também diz gostar de fundos de debêntures, dado que o produto tende a contar com uma análise mais robusta do balanço das empresas, mais difícil de ser feita pelo investidor pessoa física.

A desvantagem, contudo, é não ter o controle do prazo dos ativos, diz. “O investidor precisa ficar atento se a gestão está alinhada com seus objetivos, como de estar posicionado na parte curta da curva de juros”, afirma.

Na XP, Dexheimer conta que ainda gosta da isenção tributária das debêntures de infraestrutura – e tem preferência pelos papéis com duration de três a cinco anos –, mas que reduziu a fatia na carteira devido à queda nos prêmios oferecidos em relação ao auge da crise, de 2% ao ano acima da NTN-B de mesmo prazo para algo perto de 0,6% hoje.

Selic em alta

Se materializado o cenário projetado pelo mercado de juros futuros, isto é, com a Selic encerrando o próximo ano em 5%, Dexheimer afirma que quem estiver em uma alocação indexada ao CDI poderá se beneficiar, dado que o retorno vai aumentar de acordo com a taxa básica de juros.

“Para quem quer ficar em CDI, os fundos com maior parcela de crédito são uma boa opção para não ter perdas reais”, afirma.

Segundo Dexheimer, ainda que o prêmio em CDI tenha apresentado queda nas debêntures de infraestrutura, nos títulos bancários, ainda é possível encontrar taxas acima de 150% do CDI ao ano, como em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com prazos de dois anos e meio.

A avaliação é compartilhada por Morelli, da Davos, que assinala que a posição também deve ser de curto prazo, dado o risco fiscal.

O que evitar

Em queda desde 2017, a taxa Selic deve voltar a subir em 2021 e, neste cenário, estar posicionado em papéis prefixados pode ser muito arriscado, apontam analistas e gestores.

Como as taxas são pré-estabelecidas no momento da compra do título, com um aumento dos juros, o preço dos papéis teria desvalorização.

De acordo com o relatório Focus, do BC, a taxa básica de juros deve terminar 2021 em 3,13% ao ano, acima do piso de 2% estabelecido em agosto de 2020.

“Por mais que as taxas dos prefixados já embutam a alta dos juros, não gosto de ter esse ativo. Para apostar se [a Selic] vai subir meio ponto percentual ou um ponto, prefiro deixar para os fundos multimercados ou de renda fixa”, afirma Morelli, da Davos.

Diante de um cenário ainda incerto de aprovação de reformas, Dexheimer, da XP, também tem preferido ficar de fora dos papéis prefixados. A avaliação é de que uma piora do ambiente fiscal tende a respingar sobre a inflação, e ativos atrelados ao IPCA ofereceriam uma defesa mais natural, ao passo que os prefixados seriam prejudicados.

Com a aprovação de reformas, contudo, os prefixados podem vir a se tornar uma oportunidade, dado que a curva de juros futura embute um cenário negativo, de piora na relação entre o Executivo e o Congresso. Essa melhora nas projeções resultaria em um fechamento dos juros futuros e beneficiaria os títulos prefixados. Até que haja uma confirmação da agenda em Brasília, entretanto, o alocador da XP prefere evitar a posição.