Como a eleição de Biden fez ações de empresas de maconha subirem 340% e pode levar a ganhos ainda maiores

Após um 2020 bastante fraco por conta do impacto da pandemia nas empresas, o ano começa com um forte rali e expectativa de novas leis liberais nos EUA

Rodrigo Tolotti

Pé de maconha
Pé de maconha

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SÃO PAULO – O “boom” da indústria da maconha não é algo tão recente. Há três anos a Nasdaq ganhava sua primeira ação desse mercado e, desde então, dezenas de outras companhias seguiram o mesmo caminho, ganhando assim o interesse de investidores no mundo todo.

Mas após uma empolgação inicial, a cannabis passou por muita volatilidade na bolsa. Diante de muitas restrições legais, dificuldades para expandir e um cenário de excesso de empresas (em que nem todas iriam conseguir sobreviver), os papéis do setor não conseguiram uma performance tão consistente.

Em 2020, a pandemia do coronavírus impactou ainda mais o mercado, levando praticamente todas as companhias a caírem forte conforme o distanciamento social levou ao fechamento de lojas e atrapalhou o funcionamento de empresas e fábricas.

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Porém, no fim do ano passado uma notícia em especial pode ter marcado uma reviravolta importante para a maconha nos EUA: a vitória de Joe Biden na eleição para presidente. E desde o pleito, em 3 de novembro, as ações do setor têm registrado um desempenho muito acima do resto da bolsa.

Papéis de empresas como a Aurora Cannabis já subiram mais de 150% desde a eleição, enquanto a Aphria saltou cerca de 240% no período. A Tilray, por sua vez, ainda tem sido impulsionada também por um movimento de investidores no site Reddit (assim como aconteceu com a GameStop) e já superou quase 340% de ganhos em pouco mais de três meses.

E com tantas ações subindo forte, não seria diferente para os ETFs do setor. O THCX, que representa 30 ações de companhias de cannabis acumula valorização de 143% desde 3 de novembro, ao passo que o MG Alternative Harvest (conhecido como MJ), que é o ETF mais líquido desse setor, saltou 110%.

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Confira abaixo o desempenho dos principais ativos do setor desde a eleição de Biden e no acumulado de 2021:

Empresa Preço da ação em 12 de fevereiro Desempenho desde 3 de novembro Desempenho em 2021**
Aurora Cannabis US$ 12,48 +154,18% +50,18%
Tilray US$ 29,00 +338,07% +251,09%
Aphria US$ 16,94 +239,48% +144,80%
Canopy Growth US$ 40,31 +97,02% +63,60%
Curaleaf US$ 16,86 +40,83% +70,30%
Cronos US$ 12,27 +103,15% +76,80%
Green Thumb US$ 35,80 +110,09% +48,73%
Trulieve Cannabis US$ 47,85 +99,13% +51,33%
GW Pharmaceuticals US$ 213,93 +97,31% +85,37%
ETF THCX US$ 23,17 +143,13% +85,36%
ETF MG Alternative Harvest US$ 24,54 +110,64% +71,01%

*Cotações considerando o preço dos ativos negociados na Bolsa dos EUA
**Desempenho até o dia 12/02/21

Por que Biden anima o setor

Dentre as empresas que operam na bolsa hoje, nem todas atuam no mesmo segmento de cannabis. Enquanto algumas focam seu negócio na venda direta ao público para uso recreativo, outras estão mais inseridas no mercado farmacêutico e seu uso medicinal.

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E apesar de diversos estados americanos já aceitarem a maconha, ainda não existe uma lei federal de descriminalização, o que traz outros impactos diretos para essas companhias além do fato de não conseguir comercializar seus produtos em certas regiões.

“O grande ponto da indústria de cannabis é a regulação”, explica Samuel Oliveira, responsável pela equipe de análise de fundos da XP Investimentos, ressaltando que o principal fator de crescimento do mercado neste momento está na aprovação de leis que liberem seu uso.

Segundo ele, os EUA são muito importantes nesse processo por serem a maior economia do mundo. Por isso, outros países costumam aguardar e seguir o que é feito por lá. Assim, se o governo americano descriminalizar a cannabis, pode ser o início de um processo global mais forte.

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Oliveira explica ainda que existe uma importante questão que vai além do lado criminal, que é o financeiro. Isso porque mesmo as grandes empresas com autorização para funcionar não conseguem nem abrir uma conta em banco por conta das leis rigorosas.

Nos EUA, por não existir uma lei federal sobre a maconha, instituições financeiras temem sofrer punições caso sejam enquadradas em alguma situação ilegal envolvendo uma empresa do setor. “Na dúvida, os bancos não abrem conta para estas companhias. A realidade é que muitas empresas só conseguem fazer negócio em dinheiro”, afirma Oliveira.

Até o momento, 36 dos 50 estados do país aceitam o uso médico da substância, enquanto apenas 15 liberaram o uso recreativo. Boa parte desse movimento rumo ao maior acesso à cannabis ocorreu recentemente, e é um dos principais fatores de valorização das ações do setor, mas especialistas apontam que ainda há muito potencial a ser liberado.

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Por isso a vitória de Biden é tão importante, principalmente ocorrendo junto com a conquista da maioria no Senado pelos democratas. O novo presidente e sua vice, Kamala Harris, defendem uma ampla reforma nas leis americanas com objetivo de deixar de classificar a maconha na chamada “seção 1”, onde estão listadas outras drogas, como heroína.

Durante a campanha presidencial, Biden afirmou que buscaria a descriminalização da cannabis e a retirada de registros para pessoas com condenações anteriores pelo porte da planta. “Não acredito que alguém deva ir para a cadeia por uso de drogas”, chegou a dizer ele durante um evento.

O porta-voz da transição de Biden, Andrew Bates, confirmou a fala do democrata e ainda reforçou: “Biden não acredita que alguém deva ser preso simplesmente por fumar ou portar cannabis. Ele apoia a descriminalização e a eliminação automática de registros criminais anteriores por posse de cannabis, para que os afetados não tenham que aprender a fazer uma petição ou pagar um advogado”.

E se propostas nessa linha podem encontrar resistência de parlamentares mais conservadores no Congresso, agora que os democratas são maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, a expectativa é que o caminho possa ser mais fácil, apesar de não ser garantido.

Além de investidores e especialistas, os próprios executivos do setor não esconderam o otimismo com a vitória de Biden. “Acreditamos que a vitória de Biden é um passo importante no caminho para a permissibilidade federal da cannabis no mercado dos EUA por meio da descriminalização”, disse David Klein, CEO da Canopy no fim do ano passado.

“Os resultados das iniciativas eleitorais mostram claramente que o apoio à legalização da maconha para uso adulto se estende por fronteiras geográficas e partidárias e é apoiado pela maioria dos americanos. A maconha legal está se tornando a norma americana”, acrescentou. “Isso provavelmente aumentará a pressão sobre o Congresso para aprovar uma grande reforma federal sobre a maconha em um futuro muito próximo”.

Ações podem subir ainda mais?

Para o investidor, olhando as expressivas altas das ações das companhias de maconha, pode questionar se ainda há espaço para novas altas e se valeria a pena entrar agora no mercado.

A questão é que, mesmo com a valorização expressiva nos últimos três meses, o desempenho da maioria das empresas do setor em 2020 foi bem fraco, ou seja, os papéis estava bastante descontados antes do atual rali.

Antes mesmo do estouro da pandemia, os papéis já registravam fortes quedas na bolsa americana, mas foi com o início da crise que o setor registrou seu pior momento. Isso porque a necessidade de manter escritórios fechados, com um cenário em que a maior parte das companhias de cannabis não consegue acesso à crédito nos bancos, criou uma situação de grande risco.

Oliveira explica que, guardadas as devidas proporções, o investimento no setor de maconha é muito parecido com a ideia de se investir em criptoativos, como o Bitcoin.

Segundo ele, os dois mercados ainda são muito incipientes, não sendo um investimento recomendado para qualquer perfil de investidor. “Estamos falando de um investimento para longo prazo, uns cinco anos pelo menos. Se o seu horizonte for menor que três anos, não invista”, avalia.

No Brasil, a única forma de investimento no mercado de cannabis, por enquanto, é via fundos de investimento. Pela XP existe o Trend Cannabis FIM, um fundo passivo que acompanha a variação do ETF MG Alternative Harvest, o MJ (mesmo código na Bolsa de Valores de Nova York). O ETF é o maior e mais líquido ligado ao setor de Cannabis existente nos EUA.

Fazem parte do ETF empresas que possuem mais de 50% da receita atrelada a atividades relacionadas à indústria de Cannabis. Elas podem estar direta ou indiretamente relacionadas ao processo de cultivo legal, produção, marketing ou distribuição de produtos para fins medicinais ou não.

O rebalanceamento da carteira do ETF é feito a cada três meses. A taxa de administração do fundo da XP é de 0,5% ao ano e não há taxa de performance. O resgate é D+5 (ou seja, você recebe o dinheiro cinco dias corridos após a solicitação) e a aplicação mínima é de R$ 500,00.

O fundo de maconha da XP tem hedge (proteção cambial), assim o investidor fica exposto apenas à variação de preço do ETF MG Alternative Harvest, sem interferência da oscilação do dólar.

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Além da XP, a gestora Vitreo lançou em outubro de 2019 um fundo para a compra de papéis ligados ao setor de Cannabis. O Vitreo Canabidiol FIA IE é aberto apenas a investidores qualificados – que têm mais de R$ 1 milhão em aplicações – e é composto por um mix de ETFs ligados ao setor (dois terços do total) e papéis de empresas específicas selecionadas pelo gestor do fundo (um terço).

A taxa de administração do fundo da Vitreo é de 0,9% ao ano. Além disso, há taxa de performance de 10% sobre o que exceder o desempenho do S&P 500 Total Return – índice que embute os dividendos pagos pelas empresas e que geralmente tem performance em torno de 2% acima do S&P 500. A aplicação mínima do fundo da Vitreo é de R$ 5 mil.

“Assim como com as criptomoedas, o investidor precisa estudar e entender mais sobre o setor antes de investir. É difícil falar se as ações estão caras agora, mas existe um potencial”, afirma Oliveira. “O ideal é investir uma fatia pequena de sua carteira nesses ativos. O quanto investir vai depender de quão arrojada a pessoa é. Invista um percentual que, se cair 80%, você não irá sofrer tanto”.

No curto prazo, essas empresas ainda devem passar por muita volatilidade, como a vista na semana que passou, quando alguns papéis do setor subiram forte após investidores se organizarem em um fórum da plataforma Reddit. Porém, nos últimos dois pregões, essas ações já caíram forte com uma correção dessa “intervenção” em grupo.

A regulamentação da maconha, não só nos EUA, é um dos principais fatores para o setor ter tanto potencial, e a eleição de Biden trouxe sinais de uma possível celeridade no processo. Porém, por se trazer de uma lei com todos os seus trâmites e por não haver um prazo para que ela seja avaliada pelo Congresso, este catalisador positivo para os papéis do setor ainda pode demorar para acontecer.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.