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Fundos imobiliários: gestores apontam incoerência na proposta do governo em tributar dividendos

Governo pretende eliminar isenção tributária sobre os rendimentos distribuídos a pessoas físicas a partir de 2022; mercado contesta proposta

Beatriz Cutait Mariana Zonta d'Ávila Lucas Bombana

(Tzido/Getty Images)
(Tzido/Getty Images)

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SÃO PAULO – Gestores de fundos imobiliários tiveram uma sexta-feira bastante movimentada, com seus advogados debruçados sobre as mudanças propostas pelo governo no que diz respeito à tributação de investimentos, com sensível impacto sobre esse mercado.

O principal atrativo dos fundos imobiliários para as pessoas físicas pode estar com os dias contados, dado que a equipe econômica pretende eliminar a isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos distribuídos por fundos com cotas negociadas na B3 a investidores pessoas físicas.

Projeto de lei encaminhado nesta sexta-feira (25) pelo governo ao Congresso prevê que, a partir de 2022, todos os rendimentos, inclusive na amortização e na alienação de cotas, sejam tributados sob a alíquota de 15%. Exceto no caso dos dividendos para cotistas pessoas físicas, até então isentos, a mudança representa uma redução em relação à alíquota atual, de 20%.

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A justificativa da equipe econômica é de que é preciso simplificar e harmonizar o tratamento tributário entre fundos.

“Isso significa que um investidor que investe R$ 10 mil e recebe hoje uma renda de 7% ao ano líquida de IR teria, ao fim de um ano, R$ 700 a mais. Com a tributação, aplicados os mesmos R$ 10 mil, a renda cairia para R$ 595 no ano”, resume Felipe Solzki, sócio e gestor de FIIs da Galapagos Capital.

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A medida desagradou e muito o mercado imobiliário, que viu inconsistência em eliminar o benefício tributário às pessoas físicas nos FIIs, mas manter a isenção sobre produtos como letras de crédito imobiliário (LCI) e do agronegócio (LCA) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA).

Ainda que os CRIs permaneçam isentos de IR segundo a proposta apresentada nesta sexta, os fundos imobiliários de recebíveis, que investem nesses instrumentos, seriam tributados.

“Faz sentido ter isenção para instrumentos ligados ao mercado imobiliário? Faz. Mas por que dar isenção para CRI e não para FII? Ou dar para LCI e não para FII?”, questiona Rodrigo Possenti, gestor do Fator Verità, da Fator Administração de Recursos.

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Ele avalia, contudo, que a “batalha ainda não está perdida”, em lembrança à proposta semelhante que não foi adiante na virada de 2015 para 2016. “Dessa vez pode ser diferente? Pode, mas ainda tenho um pouco de dúvida. Não acho que seja uma boa briga para o governo nesse momento, nem um volume relevante para enfrentar o mercado.”

Ricardo Almendra, CEO da RBR Asset, tem visão semelhante. “Fui pego de surpresa. É um desserviço que está sendo feito, mas ainda tem muita água para rolar. É importante ficar claro, para que os investidores não tomem atitudes impulsivas.”

A mudança afeta em cheio a pessoa física, que representa quase a totalidade de 1,38 milhão de investidores de fundos imobiliários.

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Almendra também chama atenção para a incoerência na distinção de tratamento de produtos atualmente isentos de imposto, ressaltando que os fundos imobiliários também são um veículo gerador de empregos para a indústria.

Ainda que o mercado possa se adaptar, Possenti vê maior prejuízo a fundos de tijolo, que representam o grosso da indústria e que já têm sofrido o impacto das medidas de isolamento social pela pandemia e também pelo movimento de alta de juros no Brasil.

“Com o fim da isenção tributária, fundos de CRI começam a comprar novos CRIs com taxas mais altas, mas os de tijolo não conseguem fazer um trade do imóvel. Há uma diferença de liquidez na gestão de portfólio em um fundo de CRI e outro de tijolo, que não vai conseguir repassar esse custo ao inquilino”, observa.

Renato Jerusalmi e Daniel Lemos, da Riza Asset, veem prejuízo à própria construção da indústria de fundos imobiliários, escolha de boa parte dos investidores que preferem delegar a gestão a atuar diretamente no mercado.

“A proposta de mudança desmotiva toda uma indústria de fundos, com gestoras independentes que foram uma grande evolução para os mercados, com alocação ativa e desenvolvimento de novos formatos. Contraria o próprio movimento de desintermediação bancária”, diz Lemos. “As pessoas só topam ter um risco eterno que dá muita estabilidade para o setor imobiliário porque existe a isenção tributária.”

Impacto sobre os FIIs

Apesar da repercussão negativa da proposta, o Ifix, índice que representa os fundos imobiliários negociados na B3, teve queda de “apenas” 2% nesta sexta, para R$ 2.725,08 pontos.

Embora avalie que a mudança sugerida poderá ser revertida, como no passado, Almendra diz que o dia foi de observar o mercado, sem novas compras, apesar da queda das cotas.

Em relatório publicado, a XP avaliou que, ainda que a proposta signifique rendimentos líquidos menores para a pessoa física, os fundos listados em Bolsa negociam com “spreads robustos” em relação aos juros reais pagos por títulos do Tesouro, como o Tesouro IPCA+2030.

“A diferença atual entre o dividend yield do Ifix e os juros do Tesouro IPCA+2030 é de aproximadamente 3,6 pontos percentuais. Com a nova tributação, essa diferença cai para 2,5 p.p., o que consideramos como ainda saudável para os fundos imobiliários”, dizem os analistas da XP.

Ainda de acordo com o time de análise, os fundos que negociam hoje com desconto em relação ao valor patrimonial são os menos impactados, dado que apresentam “colchão” em seu valuation descontado. “Dependendo da magnitude, esse desconto pode compensar (total ou parcialmente) a pressão nas cotas devido à futura tributação”, avalia a XP.

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Na avaliação de Marcos Baroni, professor na Suno Research, os fundos de fundos imobiliários (FOFs) podem ser mais eficientes em relação a mudanças de imposto, pela possibilidade de realizarem movimentações na carteira sem ônus tributário. No curto prazo, contudo, devem ver quedas mais fortes de suas cotas na Bolsa, dado o impacto no mercado de forma geral.

Ainda que o imposto prejudique o investidor de curto prazo, cortando em 15% o rendimento, a classe ainda pode ser interessante para o investidor de longo prazo, argumenta o professor. “Quando o mercado reencontrar o ponto de equilíbrio e a economia der sinais de melhora, a tendência é de que a renda volte a subir em um processo natural de correção”, diz Baroni.

“Se o motivo que levou você a investir em FIIs foi a isenção de IR, de fato, o produto deixa de fazer sentido. Mas para o investidor que entende que o produto entra como parte de um processo de diversificação da carteira, no longo prazo, as coisas tendem a se ajustar”, afirmou Baroni, em live nesta sexta-feira (25).

Realocação do investidor?

Embora o investidor pessoa física possa sanar parte do problema migrando recursos diretamente aos CRIs, Possenti lembra que os fundos imobiliários praticamente monopolizaram a originação do produto, sem espaço relevante adicional para a pessoa física garantir retornos elevados.

Os riscos e a possibilidade de realocação também são diferentes, quando comparado com o investimento em um fundo imobiliário de papéis.

“É muito difícil a pessoa física investir em um projeto de dez anos. É um investimento que não tem liquidez e os FIIs de papel vieram para ajustar isso, trazendo um gestor especialista, diversificação e liquidez em Bolsa”, lembra Solzki, da Galápagos.

Outro ponto de atenção dos gestores diz respeito ao recém-anunciado Fiagro, sigla para Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, que seria nos moldes de fundos imobiliários e agora poderia nascer sem o benefício tributário sobre os rendimentos. “É um produto que já nasce morto, sem a isenção”, diz Renato Iversson, gestor da Taler.

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.