PGR pede abertura de inquérito para investigar Bolsonaro no caso da vacina Covaxin

Pedido ocorre após Rosa Weber, do STF, negar pedido para suspender tramitação de notícia-crime contra presidente até o fim dos trabalhos da CPI da Pandemia

Equipe InfoMoney

(Crédito: Alan Santos/PR)
(Crédito: Alan Santos/PR)

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SÃO PAULO – A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou nesta sexta-feira (2) a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por prevaricação após ter sido informado de possíveis irregularidades na compra da vacina indiana contra o coronavírus Covaxin.

O pedido foi apresentado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, à ministra Rosa Weber, do Supremo, e ocorre após a magistrada negar pedido da Procuradoria para suspender, até o fim dos trabalhos da CPI da Pandemia do Senado Federal, a tramitação de notícia-crime contra o presidente protocolada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) na última segunda-feira (28).

Antes, a PGR argumentou que a provocação ao órgão antes da conclusão dos trabalhos de investigação parlamentar implicaria em “salto direto da notícia-crime para a ação penal, com suspensão da fase acusatória”. Em despacho, Rosa Weber afirmou que “o argumento ‘saltitante’ não prospera”.

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“A simples notícia não transfere o poder acusatório ao noticiante, tampouco vincula seu legítimo titular a uma atuação positiva, impondo-lhe o oferecimento de denúncia”, pontuou a ministra.

“Pelo contrário, o fato de ser provocado em nada tolhe sua atribuição de formar opinião sobre o delito noticiado, para o que pode se valer de investigações preliminares ou, a depender do acervo indiciário que lhe aporta, rumar diretamente para sua conclusão a respeito da natureza criminosa dos fatos”, complementou.

Ao indeferir o pedido, Rosa Weber determinou a reabertura de vista dos autos à PGR “para que, oportunizando-lhe nova manifestação nos limites de suas atribuições constitucionais, adote as providências que julgar cabíveis”. Após a decisão, o MPF, então, encaminhou o novo posicionamento solicitando a instauração do inquérito citando elementos apontados na notícia-crime protocolada pelos três senadores.

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No pedido, Humberto Jacques de Medeiros afirma que é preciso esclarecer as circunstâncias do eventual aviso que teria sido dado ao presidente Jair Bolsonaro, pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), para ver se de fato configura o crime de prevaricação – ou seja, se o mandatário, de fato, teria que ter agido, já que o suposto crime é cometido por funcionários públicos.

Outra questão levantada é sobre se há indícios de que o delito teria sido cometido para satisfazer interesse próprio.

“A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências”, diz o procurador no pedido.

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Para tal, a PGR solicita autorização para diligências a serem cumpridas pela Polícia Federal:

(a) Solicitar informações à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal, e em especial à Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia sobre a pendência de procedimentos relativos aos mesmos fatos, e, em caso positivo, o compartilhamento de provas;

(b) produzir provas, inclusive através de testemunhas, sobre:
(b.1) a prática do ato de ofício após o prazo estipulado ou o tempo normal para sua execução, com infração a expressa disposição legal ou sua omissão;
(b.2) a competência dos supostos autores do fato para praticá-lo;
(b.3) a inexistência de discricionariedade quanto à prática ou omissão do ato pelo agente;
(b.4) caracterização de dolo, direto ou eventual, acrescido do intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal;

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(c) ouvir os supostos autores do fato

“No aguardo da abertura do inquérito, a Procuradoria-Geral da República sugere, de início, o prazo de 90 dias para a efetivação das providências apontadas, entre outras que porventura a autoridade policial entender cabíveis, permanecendo em prontidão para dar impulso regular ao feito”, conclui Humberto Jacques de Medeiros.

Politicamente, o movimento também ocorre em meio às expectativas pelo nome a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar a vaga do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposenta em 12 de julho, no Supremo Tribunal Federal. O escolhido precisará ser aprovado pelo Senado Federal antes de assumir.

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O favorito é André Mendonça, atual titular da Advocacia Geral da União (AGU), mas seu nome tem enfrentado resistências entre parlamentares. Já Aras corre como opção que agrada integrantes do “centrão”.

Também há expectativas com relação ao comando da PGR. O mandato de Aras termina em 26 de setembro e também cabe ao presidente Jair Bolsonaro escolher o novo incumbente, que precisa ter o nome submetido ao Senado. O atual comandante do Ministério Público pode ser reconduzido ao posto, caso realmente não seja indicado para o STF.

Na prática, para qualquer uma das posições que pode aspirar no segundo semestre, Augusto Aras dependeria do aval dos senadores. Pedir a abertura de inquérito contra o presidente pode reduzir a temperatura com alguns parlamentares, sobretudo em meio ao ganho de protagonismo da CPI da Pandemia na casa legislativa.

Embora a medida desagrade Bolsonaro, ela somente foi tomada após derrota imposta pela ministra Rosa Weber e não foi assinada pelo titular da PGR. Vale ressaltar, ainda, que a simples abertura de inquérito não necessariamente indica risco político elevado ao mandatário. As investigações sobre suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, apontada há mais de um ano pelo ex-minstro Sergio Moro, são exemplo de que um inquérito pode não gerar tanta pressão sobre o governo.

Entenda o caso

Supostas irregularidades envolvendo a aquisição de doses da vacina indiana Covaxin, intermediada pela representante Precisa Medicamentos, entraram na mira da CPI da Pandemia. As investigações incluem suspeita de superfaturamento na compra do imunizante e celeridade acima do normal nas negociações, já que o imunizante sequer tinha autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A situação piorou na última semana, quando, em depoimento à comissão, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, narraram uma “pressão atípica” para o fechamento de contrato com a Covaxin.

Os irmãos confirmaram que fizeram uma reunião com Bolsonaro em 20 de março para apresentar diversos indícios de irregularidades no processo de compra. Naquele dia, segundo os Miranda, o presidente afirmou que pediria para a Polícia Federal investigar o caso – o que não ocorreu – e citou o nome de Barros como um dos responsáveis “pelo rolo”.

MPF propõe ação contra Pazuello

O Ministério Público Federal também enviou à Justiça, na quarta-feira (30), ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O documento alega danos causados ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública.

Segundo o texto entregue, Pazuello agiu deliberadamente para dificultar o acesso da sociedade às informações essenciais sobre a pandemia, suprimindo a publicidade de dados relevantes ao seu acompanhamento e evolução.

Além disso, os procuradores citam a omissão injustificada de Pazuello  na aquisição de vacinas para imunizar a população ainda em 2020, bem como a adoção ilegal – e indevida – do chamado “tratamento precoce”.

A ação aponta quase R$ 122 milhões de dano ao erário e requer ressarcimento integral do prejuízo, pagamento de multa de até duas vezes o valor do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e proibição de contratar com o poder público.

“A omissão e a negligência do ex-ministro da Saúde no trato das negociações das vacinas custou caro à sociedade (que sofre os efeitos sociais de uma economia em crise e sem perspectiva de reação), à saúde da população (que amarga índices descontrolados de morbidade e mortalidade por covid-19) e ao SUS (cujos leitos de UTI Covid adulto, só no primeiro semestre de 2020, custaram R$ 42 milhões/dia ou R$ 1,27 bilhão/ mês)”, afirmam os procuradores.

O processo tramita, provisoriamente, em segredo de justiça por conter documentos protegidos por sigilo legal.