“Fábricas de fintechs”: startups recebem centenas de milhões para transformar desde bancos até profissionais autônomos

Hash, Pismo e Pomelo fornecem infraestrutura financeira para outras empresas. Essas “fábricas de fintechs” anunciaram grandes captações nesta semana

Mariana Fonseca

Daniela Binatti, Ricardo Josua, Juliana Motta e Marcelo Parise, cofundadores da Pismo (Divulgação)
Daniela Binatti, Ricardo Josua, Juliana Motta e Marcelo Parise, cofundadores da Pismo (Divulgação)

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SÃO PAULO – O Brasil tem mais de 700 fintechs. Algumas dessas startups querem que ainda mais empresas passem a oferecer ou incluam novos serviços financeiros em sua operação. Esse movimento é conhecido internacionalmente como embedded finance, ou finanças embutidas.

Apenas ao longo desta semana, essas “fábricas de fintechs” captaram centenas de milhões de reais em investimentos para emplacar a proposta. A primeira delas foi a Pismo, uma fintech brasileira que fornece uma plataforma de processamento bancário e de pagamentos.

A empresa anunciou nesta terça-feira (19) a captação de uma rodada série B de US$ 108 milhões, ou R$ 600 milhões na cotação atual (conheça os estágios de crescimento de uma startup). O investimento foi liderado pelos fundos Accel (que tem no portfólio empresas como BlaBlaCar, Hootsuite e Nuvemshop) e SoftBank Latin America Fund (Gympass, Loggi, Mercado Bitcoin) e pela gigante do comércio eletrônico Amazon. A rodada também contou com participação da B3 e dos fundos Falabella Ventures, Headline, PruVen e Redpoint eventures.

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Já a fintech brasileira Hash, que cria e administra maquininhas para que outras empresas as vendam aos seus clientes, anunciou na quarta-feira (18) uma rodada série C de R$ 235 milhões. O investimento foi liderado pelos fundos Kaszek (GetNinjas, MadeiraMadeira, Quinto Andar) e QED Investors (Loft, Nubank). Depois, foi completado pela Endeavor Scale-Up Ventures.

Por fim, a Pomelo fornece cartões e contas virtuais pré-pagos para empresas que queiram oferecer esses serviços financeiros. A fintech argentina anunciou nesta quinta-feira (19) uma rodada série A de US$ 35 milhões (R$ 190 milhões), que será usada para lançar sua atuação também no Brasil e no México. O investimento foi liderado pelo fundo Tiger Global (Loft, Nuvemshop, Stripe) e contou com fundos como Box Group, Greyhound, Index Ventures, Insight, Monashees, QED Investors e SciFi. Fundadores das fintechs Affirm, Checkout, N26, Plaid e Ramp também participaram.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com as três fintechs para entender por que elas apostam em levar serviços financeiros para a operação de diversas empresas – desde as acostumadas com o ramo, como grandes bancos e fintechs, até profissionais que nunca forneceram cartões, contas ou pagamentos, como academias, marceneiros e mecânicos. O Do Zero Ao Topo também entrevistou Bruno Diniz, especialista em fintechs, sobre o potencial das finanças embutidas e o cenário atual da competição de embedded finance no Brasil.

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Levando bancos e fintechs para a nuvem

A Pismo foi criada pelos empreendedores Daniela Binatti, Juliana Motta, Marcelo Parise e Ricardo Josua em 2016. Eles trabalham ou empreendem juntos há mais de 20 anos, e dessa experiência veio a percepção de uma oportunidade de negócio.

“Vimos o início do movimento de fintechs e como muitas estão limitadas a empacotar um produto velho por dentro, com protocolos antigos. Queríamos construir algo para a nova geração de infraestrutura financeira”, diz Josua.

A Pismo fornece uma plataforma de processamento de serviços bancários e pagamentos que faz uso de computação em nuvem e de microsserviços. Esses diferenciais permitem diminuir ou aumentar a infraestrutura de acordo com a demanda de cada empresa. Por exemplo, a capacidade de armazenamento e processamento de transações bancárias pode ser aumentada durante a época da Black Friday.

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“Oferecemos soluções compostas com mais de 90 sistemas intercomunicáveis por APIs [interfaces de programação], no lugar de um pacote de software ponta a ponta. É uma espécie de open banking para a infraestrutura financeira”, resume o cofundador.

A fintech atende principalmente outros operadores financeiros, que constroem soluções em cima da sua infraestrutura flexível e em nuvem. Empresas como Cora, Itaú e Falabella criam serviços como carteiras digitais, cartões e marketplaces.

Ricardo Josua, cofundador da Pismo (Divulgação)
Ricardo Josua, cofundador da Pismo (Divulgação)

Cartões e contas para outras fintechs

A Pomelo foi criada bem depois da Pismo, em março de 2021. Mas seus três fundadores também acumularam experiências com tecnologia, e viam dificuldade em criar e escalar produtos financeiros mesmo em grandes empresas. O processo levava até 18 meses e requeria milhões de dólares, grandes equipes dedicadas e adaptação de processos a cada nova operação em outro país.

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Gaston Irigoyen foi funcionário do Google na América Latina e CEO do neobank argentino Naranja X. Depois criou duas empresas, uma delas vendida para o portal TripAdvisor. Hernan Corral foi um dos diretores no Naranja X e no Mercado Pago. Por fim, Juan Fantoni foi diretor de fintechs na Mastercard.

A Pomelo fornece cartões pré-pagos físicos ou virtuais e contas virtuais pré-pagas. Assim, as empresas atendidas podem fornecer a seus clientes transferências, pagamento de contas e compra nacionais e internacionais. A fintech cuida da verificação de identidade dos usuários, seguindo os critérios dos bancos centrais de cada país.

Enquanto usuários veem valor em ter um cartão ou conta dessa empresa e não de um banco por conta de descontos ou união a serviços como comércio, entregas e viagens, por exemplo, as empresas conquistam novas linhas de receita, segundo a Pomelo.

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“Toda empresa virará uma prestadora de serviços financeiros sem nem percebermos, porque tais serviços proporcionam um LTV maior [lifetime value, ou gasto total do consumidor com a empresa]”, diz John Paz, diretor geral da Pomelo no Brasil.

“A ideia é que ela não precise desenvolver dentro de casa toda a infraestrutura financeira e a busca de licenças. Ao mesmo tempo, que também não precise contratar propostas caras e engessadas dos bancos tradicionais. Essas soluções atuais ficam ainda mais insatisfatórias quando a empresa se torna internacional. Nosso objetivo é reduzir o tempo de lançamento no mercado, mas com segurança jurídica e operacional”, completa Bruno Martucci, diretor de produtos da Pomelo no Brasil.

A fintech fornece interfaces de programação (APIs) para Argentina, Brasil e México. A fintech ainda está em processo de regulamentação como instituição de pagamento no Banco Central do Brasil. O lançamento no país está previsto para o primeiro trimestre de 2022, por meio de parceiros que já possuem as licenças legais. A Pomelo não informa quantas empresas atende hoje, mas afirma que fintechs argentinas de criptomoedas e de seguros estão entre seus clientes.

Hernan Corral, Gaston Irigoyen e Juan Fantoni, cofundadores da Pomelo (Divulgação)
Hernan Corral, Gaston Irigoyen e Juan Fantoni, cofundadores da Pomelo (Divulgação)

Maquininhas a autônomos por indicação

João Miranda e Thiago Arnese criaram a Hash em 2017. Novamente, a experiência foi um diferencial. Eles eram funcionários da Pagar.me, fintech depois vendida para a Stone, e pensavam em como fugir da guerra de preços e de marketing vista no mercado tradicional das maquininhas.

O Brasil tem mais de 11 milhões de maquininhas, segundo o Banco Central. A maioria dessas centrais para pagamentos por cartões de crédito e débito está na mão de grandes players – desde as tradicionais Cielo e Rede até techs como PagSeguro e Stone. O próximo passo é permitir que cada empresa tenha sua própria maquininha e se monetize oferecendo o equipamento para seus próprios clientes corporativos, na visão da Hash.

A fintech fornece maquininhas para mediar vendas entre negócios (B2B2B), e não para venda ao consumidor final (B2B2C). “Os modelos de pagamento atuais são muito genéricos, por focarem no consumidor final. Esse posicionamento leva ao preço como único diferencial. Podemos levar uma customização para as empresas que mais eficiência, e assim maior valor agregado”, afirma Ademar Proença, COO da Hash.

Em uma entrevista anterior ao Do Zero Ao Topo, a Hash desenhou como objetivo abocanhar 1% dos R$ 2 trilhões transacionados por cartões pré-pagos, de crédito ou de débito no Brasil. Porém, Proença afirma que esse mercado pode ser apenas parte do que a Hash pretende atingir. “A Abecs calcula com base em quem já faz parte desses sistemas de pagamentos. Mas temos muitos desbancarizados no país, inclusive entre micro e pequenos empresários. Promover sua entrada nos serviços financeiros é uma forma de precificar melhor as taxas que são cobradas deles.”

A Hash desenvolve o hardware e o software das maquininhas e faz a logística desses equipamentos até negócios como Gympass, Leo Madeiras e Loja do Mecânico. As maquininhas ficam estampadas com a marca dessas empresas parceiras e podem ser oferecidas aos seus clientes corporativos. Alguns exemplos são pequenas academias e profissionais autônomos, como marceneiros e mecânicos. A Hash atende 16 mil estabelecimentos hoje, por meio de 16 empresas parceiras.

Gympass, Leo Madeiras e Loja do Mecânico veem uma nova linha de receita nas maquininhas. “Era difícil obter e organizar as informações de seus clientes corporativos, o que fazia com que todos caíssem na média do risco de crédito. Com dados e maquininhas customizadas, as empresas podem dar condições mais favoráveis aos profissionais atendidos e conquistar mais faturamento. Oferecem, por exemplo, crédito lastreado nos recebíveis futuros de cada usuário, por exemplo”, diz Proença. Já as academias, marceneiros e mecânicos veem mais opções de serviços financeiros personalizados.

Ademar Proença, COO da Hash (Divulgação)
Ademar Proença, COO da Hash (Divulgação)

Pandemia, investimentos e metas

A pandemia acelerou a demanda por soluções financeiras digitais – e as três fintechs cresceram a reboque. “A natureza da demanda não mudou. Mas a urgência aumentou e as instituições financeiras que atendemos investiram em ferramentas virtuais. A gente cresceu como consequência”, diz Josua. A Pismo passou da administração de menos de US$ 1 bilhão mensalmente durante 2020 para US$ 3,5 bilhões transacionados mensalmente hoje. A startup hospeda mais de 30 milhões de contas, 2,8 milhões delas adicionadas apenas em setembro.

“As empresas querem lançar mais produtos financeiros e escalá-los. É uma necessidade ainda maior na América Latina, porque temos uma região ainda bastante desbancarizada, apesar de aberta para a digitalização. A pandemia, o lançamento de movimentos como open banking e Pix e o interesse crescente dos talentos por trabalhar na tecnologia mostram o potencial”, completa Paz, da Pomelo.

Por fim, a Hash cresceu dez vezes entre 2019 e 2020: foi de R$ 30 milhões processados em pagamentos para R$ 300 milhões. Também dobrou seu número de usuário entre o segundo trimestre e o terceiro trimestre de 2021. O número de transações sextuplicou no mesmo período. “Vimos um momento com boas oportunidades e decidimos continuar explorando o mercado. Aí surgiu a oportunidade de fazer a série C”, diz Proença.

A captação desta semana não é a primeira da Pismo. A startup já havia captado US$ 10 milhões em rodadas semente e série A. Boa parte do crescimento havia se sustentado com receitas próprias até os US$ 108 milhões recebidos nesta série B. A startup usará os recursos para atrair e reter talentos. Depois, para sua expansão internacional.

A Pismo tem clientes em quatro países da América do Sul. Recentemente, fechou um contrato com seu primeiro cliente na Ásia. “As fronteiras acabaram para a distribuição digital, então competimos para levar nossa tecnologia para diversos países e temos de procurar pessoas também nessas regiões”, diz Josua.

Apenas em carteiras já contratadas, a Pismo projeta um crescimento de duas vezes na comparação entre o momento atual e o fim de 2022, “A rodada veio para nos levar acima desses patamares, indo da experimentação para a escala. A meta é se tornar um player relevante globalmente, em um mercado dominado por gigantes estrangeiros. As novas empresas ainda não morderam uma parte relevante do mercado de infraestrutura financeira.”

Este também não é o primeiro aporte da Pomelo. A fintech recebeu há três meses um investimento semente de US$ 1 milhão do fundo americano Sequoia Capital, em extensão da rodada semente de US$ 9 milhões da Pomelo. Esse é o terceiro investimento do Sequoia na América Latina, depois dos unicórnios Nubank e Rappi.

A Pomelo usará os novos R$ 190 milhões para ampliar a equipe e desenvolver as operações no Brasil e no México. Também vai ampliar os serviços financeiros, entrando na parte de crédito por meio de uma fintech parceira. “Buscamos serviços que agreguem valor ao usuário e que gerem recorrência para as empresas, que são nosso cliente primário”, diz Martucci.

O Brasil deverá ser o maior mercado da Pomelo. “Olhamos a quantidade de transações e também a digitalização delas. Também verificamos a quantidade de startups no país recebendo investimentos de capital de risco, porque elas são nossos maiores potenciais clientes. Estamos em uma tempestade perfeita em termos de potencial de mercado e investimentos”, completa Paz.

Por fim, a Hash já havia recebido um investimento semente de US$ 200 mil do fundo de investimento Canary (Buser, EmCasa e Loft). Também realizou uma rodada de série A de R$ 3,5 milhões e uma rodada série B de US$ 15 milhões. Com a nova rodada, captada apenas seis meses após a série B, o total captado pela empresa atingiu US$ 58,7 milhões (R$ 324 milhões na cotação atual).

O novo aporte de US$ 40 milhões (R$ 235 milhões) será usado para aumentar a equipe de tecnologia e investir tanto na infraestrutura atual quanto na ampliação de soluções financeiras. A Hash tem 170 funcionários, 75 deles na área de tecnologia, e pretende alcançar 190 funcionários neste ano. Na parte de infraestrutura, a fintech vai melhorar o processo de capturar, processar e visualizar dados dos usuários das maquininhas. O empreendimento já obteve uma licença para emitir cartões pré-pagos e está de olho em meios de pagamento online, como o Pix.

Em 2021, a Hash busca processar R$ 1,5 bilhão em pagamentos e atender 30 mil estabelecimentos por meio de 20 empresas parceiras. Em 2022, a projeção da fintech é processar R$ 4,2 bilhões e atender 200 mil estabelecimentos por meio de 40 empresas parceiras.

Mercado em ascensão, mas com competição

Bruno Diniz, especialista em fintechs, afirma que as provedoras de processos bancários e financeiros como um serviço conquistaram espaço por oferecerem integrações acessíveis, seja em preço ou em agilidade. “Estamos vendo uma rápida adoção do banking as a service e do fintech as a service. Empresas de diferentes segmentos estão criando desde produtos pontuais até ecossistemas completos, que combinam soluções financeiras e não financeiras para seus clientes. O embedded finance é uma oportunidade que promete movimentar mais de US$ 7,2 trilhões até 2030, segundo dados das consultorias Rainmaking e Finnovista.”

BBVA e Goldman Sachs são algumas empresas financeiras tradicionais que apostam em prover infraestrutura para o setor, segundo o especialista. Já no mundo da tecnologia, as americana Marqeta e Stripe são benchmarks. A Marqeta fornece emissão de cartões e está avaliada em cerca de US$ 13 bilhões na Bolsa de Valores de tecnologia Nasdaq. Já a Stripe foca em pagamentos online e está avaliada em US$ 95 bilhões em sua última rodada de captação privada.

Mesmo na América Latina, a competição continua acirrada. Pismo, Hash e Pomelo competem com empresas de tecnologia com tradição no segmento, como Dock (antiga Conductor); startups que captaram rodadas anteriormente, como Swap; ou startups que fizeram fusões com empresas maiores, como Atar (comprada pela Porto Seguro).

Para Diniz, ganhará quem oferecer a melhor combinação de custo, tecnologia, variedade de produtos financeiros, velocidade de implementação e possibilidade de customização. E ainda estamos longe de um mercado saturado. “A oportunidade é muito grande, e existem várias lacunas para serem ocupadas. Por outro lado, talvez vejamos um processo de consolidação em breve, puxado por grandes nomes do setor, à medida que se capitalizam e buscam complementar as suas ofertas”. As rodadas anunciadas nesta semana são uma preparação para esse amadurecimento.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.