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SÃO PAULO — A nova metodologia para o teto de gastos aprovada na Câmara dos Deputados ontem prejudica a credibilidade fiscal do governo, na visão de Caio Megale, economista-chefe da XP. A expectativa, agora, é de que o Banco Central intensifique o ritmo de alta da Selic, diante da previsão de pressão inflacionária ainda maior.
“O Brasil é um país muito endividado. Nossa dívida pública em relação ao PIB está em torno de 80%. A média dos países emergentes é em torno de 50%. E a nossa taxa de juros é elevada. Por isso há a necessidade de reequilibrar esse fundamento da economia brasileira. Ele que dá a credibilidade de que a nossa dívida será honrada, de que o governo vai ser solvente. Isso gera a estabilidade da moeda”, disse o economista em live nesta sexta-feira (22).
“Quando as nossas despesas são muito altas, como é o caso do país, e apresentamos despesas ainda mais altas no futuro, naturalmente nossa taxa de juros vai se deteriorar. A regra do teto de gastos determina que o crescimento das despesas não podem crescer além da inflação. Foi criada em 2007 e estava funcionando, com exceção do período da pandemia, o que foi natural ter gastos extraordinários”, completou.
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Megale ressaltou que, em vez de o governo cortar despesas não relevantes, como as emendas parlamentares, subsídios a diversos setores da economia ou programas que não são tão efetivos, a decisão foi manter todos esses gastos e alterar a regra para poder ampliar o tamanho do teto, o que permitiria mais despesas.
“Se você tem uma regra que limita suas despesas e, na hora que essa regra fica apertada, em vez de você cortar despesas você afrouxa a regra, isso diminui muito a credibilidade desse regime. Acho que é por isso que os membros da equipe econômica que estavam mais alinhados com esse sistema [do teto de gastos] resolveram sair”, disse.
“Se as despesas tendem a ser maiores lá na frente, as projeções também tendem a ser maiores para alguns fundamentos. Hoje nós projetamos taxa de câmbio em R$ 5,20 no cenário base para este ano e R$ 5,10 para o final do ano que vem. Mas isso era dentro do cenário em que as regras fiscais eram mantidas. O que nós estamos assistindo nesta semana é uma mudança de regime. Temos um novo regime fiscal. Se nós temos um novo regime fiscal de mais gastos, provavelmente a taxa de câmbio não vai ser de R$ 5,20, vai ser maior por causa da diferença da credibilidade”, destacou.
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O economista afirmou ainda que uma taxa de câmbio mais depreciada põe em risco a inflação, portanto o Banco Central provavelmente tende a reagir, subindo mais intensamente a taxa de juros.
“O que ele vem dizendo é o seguinte: a inflação está alta, então eu vou subindo os juros gradativamente, mas um ponto percentual de aumento por reunião está ok, eu resolvo meu problema. Mas há um cenário base aqui para o regime fiscal. E essa semana alterou o cenário base do BC. Então muito provavelmente na semana que vem, em que nós vamos ter uma reunião do Copom para decidir sobre a taxa de juros, o Banco Central deve subir mais do que um ponto percentual”, disse.
“Incertezas políticas e fiscais que se somam a incertezas externas tornam o cenário mais complexo daqui pra frente. Vamos ficar na expectativa de como vai ser a continuidade da política econômica daqui pra frente. Essa deterioração de cenário deve acontecer, ainda que de forma controlada, sendo contornada pelos novos membros da equipe econômica”, concluiu o economista-chefe da XP.
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Riscos
Paulo Gama, analista político da XP, destacou que a decisão de alterar a regra do teto de gastos agora tem um viés eleitoral. “A gente está às vésperas do fim do auxílio emergencial, que se encerra agora em outubro, e o governo, por uma questão também eleitoral, com o presidente Jair Bolsonaro com uma popularidade que beira a mínima histórica desde o início de seu mandato, tenta arrumar alguma maneira de entrar no ano seguinte se reabilitando, transformando a candidatura dele em algo mais competitivo”, disse.
“É um programa que não cabe dentro do teto de gastos. A determinação do governo de gastar R$ 400 por mês a 17 milhões de famílias, essa conta não fechava. O governo tinha duas alternativas. Uma delas era rever despesas e a outra era mudar o teto de gastos. Tinha uma revisão prevista para 2026, não necessariamente dessa maneira, mas o governo decidiu fazer agora. Os índices de inflação mais os precatórios acabam abrindo um espaço extra nas despesas de mais de R$ 80 bilhões”, completou.
O analista ressaltou que, a partir de agora, há três riscos principais. O primeiro é observar se a política vai entender que esse espaço aberto é suficiente para essas demandas todas (Auxílio Brasil, fundo eleitoral etc). Se não for, a pressão por gastos tende a continuar.
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A segunda pressão, na visão dele, é que o governo decidiu dessa maneira circunscrever um novo programa de transferência de renda que vamos ter em 2022 aos 17 milhões de pessoas que vão estar debaixo do guarda-chuva do Auxílio Brasil. “O contingente dos invisíveis, como chamou o ministro Paulo Guedes, segue desassistido”, enfatizou.
“E o terceiro risco é de você transformar esses aumentos temporários em aumentos permanentes. Como que o presidente que se eleger e estiver sentado na cadeira em 2023 vai cortar pela metade o tamanho do programa de transferência de renda em vigor? Por mais que o teto já tenha sido elevado e que agora isso caiba dentro do limite, é uma despesa que vai ficar comprometida e pressionando outros tipos de gastos”, disse Gama.
Sobre a saída dos membros da equipe econômica, o analista afirmou que a sensação é de que há espaço para mais avanços. “É um quarto risco que confirma os outros três. A percepção de que venceu-se uma batalha, então há espaço para um pouco mais de avanço [dos interesses eleitorais do governo]. Agora ficou claro que se [a despesa] bater no teto, há um espaço para mudar o teto”, concluiu.
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Juros afetam a Bolsa: o que fazer?
Jennie Li, estrategista de ações da XP, afirmou que o principal reflexo da piora na situação fiscal é na curva de juros futuros, especialmente nas taxas de juros mais longas. O DI de janeiro de 2031, por exemplo, bateu 13% hoje. Estava em 7%, 8% no começo do ano.
O aumento afeta a Bolsa de três maneiras: aumenta o custo de capital das empresas, compete com fluxo de capital, deixando a renda fixa cada vez mais atrativa, e aumenta o custo de dívida das empresas. A estrategista disse que o cenário mudou e que houve um aumento da percepção de risco.
“Mas não significa que é hora de vender tudo. Isso vai contra a regra número um de quem investe em ações, que é comprar na baixa e vender na alta. Quem sair vendendo hoje pode vender seus papéis praticamente no pior nível do ano”, disse. “É hora de ter um pouco mais de paciência e olhar com um pouco mais de cuidado. Não significa que não há oportunidades.”
Segundo Jennie, os investidores podem ajustar suas carteiras para ter exposição a três tipos de empresas. Primeiro, papéis do setor de commodities, de empresas exportadoras e, portanto, menos expostas ao cenário doméstico mais delicado.
Segundo, a estrategista recomenda papéis de empresas com histórias seculares de crescimento. E terceiro, papéis que representem boas oportunidades. “A gente viu quedas bem bruscas na Bolsa como um todo e várias delas não se justificam quando você olha os fundamentos”, disse. “Neste momento, é para ficar longe de empresas que são muito alavancadas, por causa da percepção de aumento de taxa de juros”, enfatizou.
A especialista disse ainda que é importante ter diversificação internacional. “Ter uma parcela de ativos no exterior é importante sempre. Enquanto o Ibovespa cai 10%, o S&P 500 sobe 20% e 30% quando você transforma isso em real. É o momento de quem não tem essa diversificação começar a olhar para isso. Não era nem para hoje, é para ontem. Tem uma série de produtos disponíveis e acessíveis”, afirmou.
“A gente tinha um cenário mais pessimista para a Bolsa em 110.000 pontos. Hoje vemos 102.000 pontos. Está precificando muita coisa negativa. Realmente é o momento de ter calma, fazer esses ajustes de portfólio, mas não sair”, concluiu.
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