Câmara retoma votação da PEC dos Precatórios com análise dos destaques de bancada; acompanhe

Ao todo, 11 destaques apresentados pelas bancadas devem ser analisados pelos parlamentares antes da discussão em segundo turno da PEC

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados inicia, nesta terça-feira (9), a votação de 11 destaques das bancadas à versão aprovada para a Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios (PEC 23/2021). Acompanhe a sessão ao vivo pelo vídeo acima.

O texto, relatado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), foi aprovado em primeiro turno no plenário, por placar apertado (312 votos a 144, sendo que PECs precisam de ao menos 308 votos), na semana passada, depois de duas manobras do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) – movimentos que estão em contestação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Caso aprovada sem desidratações, a proposta pode liberar espaço de mais de R$ 90 bilhões no Orçamento de 2022, a partir da limitação para o pagamento anual de precatórios (que são dívidas judiciais do poder público sem possibilidade de novos recursos) e mudanças na metodologia do teto de gastos.

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A medida é tida pelo governo como fundamental para viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil – novo programa social que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta tirar do papel para substituir o Bolsa Família – e liberar recursos para outras despesas demandadas pelo mundo político a menos de um ano das próximas eleições.

A ideia do governo é aplicar um reajuste de 20%, de forma permanente, sobre os valores repassados a todas as faixas de famílias atendidas pelo programa social, que passarão de 14,6 milhões para cerca de 17 milhões até o fim do ano.

Outro objetivo é garantir, de forma provisória, que nenhuma das famílias receba menos de R$ 400,00 mensais até dezembro de 2022. Para isso, o programa será somado a uma espécie de “benefício transitório”, que depende da aprovação da PEC ou de um “plano B” que supere os obstáculos impostos pelas regras fiscais em vigor. Hoje, o Bolsa Família paga um benefício médio de R$ 189,00.

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O objetivo do governo é concluir a tramitação da PEC na Câmara dos Deputados ainda nesta semana, mas a repercussão da votação entre as bancadas e na opinião pública pode dificultar os planos, assim como a necessidade de manter quórum qualificado em todas as votações.

Ao todo, 11 destaques – ou seja, pontos a serem votados separadamente – apresentados pelas bancadas partidárias devem ser analisados pelos parlamentares antes da discussão em segundo turno da PEC. Alguns deles podem alterar substancialmente a versão do texto aprovado na semana passada e reduzir o espaço fiscal, estimado pela equipe econômica em R$ 91,6 bilhões.

Três deles são de autoria do PT, que registrou 44 votos contrários e nenhum favorável à PEC. MDB e PSB apresentaram dois destaques cada. Os outros quatro são de autoria do PCdoB, Podemos, PSOL e Novo.

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Como todo os destaques são supressivos (isto é, pedem a análise em separado de trechos específicos do texto aprovado a fim de serem retirados), caberá ao governo federal alcançar novamente apoio de pelo menos 3/5 (ou seja, 308 dos 513 deputados) para garantir a manutenção da versão aprovada em primeiro turno.

Na sequência, o texto ainda precisa ser votado em segundo turno, com a mesma exigência de quórum, e passar novamente pela análise de destaques (obrigando o governo a alcançar apoio mínimo de 308 em praticamente todas as votações). Só depois ele segue para o Senado Federal, onde precisa ser aprovado em dois turnos de votação com maioria de 3/5 no plenário (49 dos 81 votos).

Os destaques em pauta mostram resistência maior de partidos de oposição a mudanças nas regras para o pagamento dos precatórios do que às modificações feitas sobre a metodologia do teto de gastos. Veja do que trata cada um:

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>DTQ 3 (PT): Retirada do texto da possibilidade de o credor ofertar seu precatório para: 1) quitar débitos tributários; 2) compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente, disponibilizados para venda; 3) pagar outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessões; 4) adquirir participação societária do respectivo ente federado; e 5) comprar direitos de cessão onerosa nos contratos de partilha de petróleo.

>DTQ 14 (PSOL): Retirada da possibilidade de o credor ofertar seu precatório para adquirir participação societária do respectivo ente federado (processos de desestatização).

>DTQS 6 e 20 (Novo e MDB): Retirada da mudança na “regra de ouro”, que possibilitaria a realização de receitas de operações de créditos que excedam as despesas de capital mediante simples autorização pela Lei Orçamentária Anual (LOA), abrindo rota alternativa à necessidade de aprovação pelo Poder Legislativo de créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa.

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>DTQ18 (PT): Vedação à vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita na hipótese de securitização de recebíveis da dívida ativa.

>DTQ 21 (MDB): Retirada da mudança na metodologia de cálculo do teto de gastos, que previa aferição da inflação medida pelo IPCA de janeiro a dezembro do ano anterior ao exercício.

>DTQ 1 (PT): Supressão do limite para o pagamento de precatórios, estabelecido pela proposta a partir do valor da despesa paga no exercício de 2016 corrigido pela mesma regra aplicada ao teto de gastos.

>DTQ 7 (PSB): Manutenção da regra que possibilita ao presidente da República propor, a partir de 2026, projeto de lei complementar para modificar a metodologia de correção dos limites do teto de gastos.

>DTQS 8 e 10 (PSB e PCdoB): Supressão de dispositivo que prevê que as alterações relativas ao regime de pagamento de precatórios serão aplicadas a todos os requisitórios já expedidos, inclusive no orçamento fiscal e da seguridade social de 2022.

>DTQ 24 (Podemos): Vigência da regra a partir da data de sua promulgação pelo Congresso Nacional.

O que muda com a proposta?

De um lado, a PEC 23/2021 revoga dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e antecipa a revisão da metodologia do teto de gastos ‒ inicialmente prevista apenas para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência.

Hoje, o teto de gastos permite a atualização dos gastos públicos pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

Ou seja, se a regra fosse mantida, a correção de 2022 levaria em conta a alta dos preços entre julho de 2020 e junho de 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador teve variação positiva de 8,35% no período. O que faria com que o limite para as despesas fosse para R$ 1,609 trilhão no ano que vem.

O novo texto em discussão, por sua vez, muda o período de aferição da inflação que ajusta a regra fiscal. Pela versão aprovada em primeiro turno, a janela observada passaria a ser de 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior ao exercício. E ainda: os novos valores seriam determinados por ajuste retroativo de toda a regra desde sua criação, em 2016.

Na prática, isso faria com que o teto de gastos saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões) em 2022, considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação. Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%.

O número, porém, é muito abaixo do que estimam casas de análise do mercado financeiro ‒ o que pode tornar a folga no Orçamento ainda maior. Considerando as projeções que constam no último Relatório Focus divulgado pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 9,17% ao final de 2021, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 54,147 bilhões no teto de gastos.

O novo “teto light” e as limitações para o pagamento de precatórios podem abrir um espaço fiscal superior a R$ 90 bilhões em 2022. O que pode garantir recursos não apenas para o Auxílio Brasil, mas para outras despesas solicitadas pelos parlamentares em ano eleitoral, como as emendas do relator da peça orçamentária, aumento do fundo eleitoral, vale gás e a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.

Do lado dos precatórios, o substitutivo limita os pagamentos de determinado exercício a uma correção anual pela inflação do valor pago em 2016. Na prática, é a mesma lógica do teto de gastos, desta vez usada para restringir o pagamento de dívidas que a própria Justiça determina que o poder público deve pagar.

O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.

O texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.

Pelo substitutivo, os credores não contemplados poderiam optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os precatórios pagos com desconto não serão incluídos no limite anual dessa despesa no orçamento e ficarão de fora do teto de gastos. Essas exclusões se aplicam ainda àqueles precatórios para os quais a Constituição determina o parcelamento automático se seu valor for maior que 15% do total previsto para essa despesa no orçamento.

De igual forma, o texto introduz a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.

O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:

I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

Nestes casos, as despesas também ficarão de fora do teto e do limite os precatórios. A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária, mas os demais pontos foram incluídos durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados.

O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.

Estão previstos no texto quatro tipos de compensação, fora do limite anual da regra fiscal, de despesas com precatórios usados pela União e demais entes federativos:

I) Contratos de refinanciamento;

II) Quitação de garantia executada se concedida a outro ente federativo;

III) Parcelamentos de tributos ou contribuições sociais;

IV) Obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou de desvio de recursos.

Essas compensações são direcionadas principalmente a estados e municípios que têm dívidas refinanciadas perante a União e participam de programas de recuperação fiscal cujos contratos exigem a observância do teto de gastos. No entanto, somente podem ocorrer se for aceito por ambas as partes.

Quando incidirem sobre parcelas a vencer, haverá redução uniforme no valor de cada parcela, mantida a duração original do respectivo contrato ou parcelamento.

Adicionalmente, o texto especifica que os contratos de parcelamentos ou renegociações de débitos firmados pela União com os entes federativos deverão conter cláusulas para autorizar que os valores devidos serão deduzidos dos repasses aos fundos de participação (FPM ou FPE) ou dos precatórios federais a pagar.

Entre as contrapartidas exigidas, o substitutivo lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.

Fundef

Embora a PEC dos Precatórios abrisse caminho para gastos demandados por diversos deputados federais, as estratégias adotadas pelas bancadas na votação da última quarta-feira (3) também levavam em consideração o tabuleiro eleitoral de 2022 e os impactos potenciais de se oferecer ao governo munição para recuperação de popularidade a um ano do pleito.

A aprovação apertada em primeiro turno mostra como o plenário está dividido sobre o assunto. Para sair vitorioso, o governo precisou contar com 25 votos de partidos da oposição ‒ 15 do PDT (em uma bancada de 24 deputados) e 10 do PSB (em uma bancada de 32 deputados).

Para viabilizar a votação da proposta na semana passada, o Palácio do Planalto trabalhou na liberação de emendas parlamentares junto a ministérios. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também modificou o regimento interno na Casa e editou ato para permitir que parlamentares em missão oficial fossem dispensados do registro biométrico de presença e pudessem votar remotamente.

O movimento permitiu que deputados da comitiva enviada à COP26 em Glasgow, na Escócia, pudessem participar da sessão, e está sob contestação no Poder Judiciário.

Em outro flanco, foi construído acordo para que o pagamento de precatórios relacionados ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) entrassem na lista de dívidas prioritárias a serem pagas pelo governo federal. Esta era uma demanda de parlamentares do Nordeste e integrantes da bancada de Educação.

A proposta de prioridade de pagamento de dívidas da União com estados relativas ao Fundef é de 40% no primeiro ano e de 30% em cada um dos dois anos seguintes, conforme o exercício de inclusão no orçamento. A prioridade não valerá apenas contra os pagamentos para idosos, pessoas com deficiência e portadores de doença grave.

Segundo nota da Consultoria de Orçamento da Câmara, do total de precatórios previstos para pagamento em 2022, 26% (R$ 16,2 bilhões) se referem a causas ganhas por quatro estados (Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas) sobre os repasses do Fundef. Parte dos recursos deve custear abonos a professores.

O acordo, também contestado no Supremo Tribunal Federal, foi feito a partir de emenda aglutinativa global – instrumento que, em tese, depende da existência de emendas apresentadas ao texto pelos deputados federais ao longo da tramitação na casa legislativa. Ocorre que nenhuma das modificações protocoladas pelos parlamentares alcançou o mínimo de 171 assinaturas dos pares dentro do prazo regimental para poderem tramitar formalmente – ou seja, não há emendas em discussão.

A manobra, porém, foi decisiva para atrair o apoio do PDT à PEC, movimento que irritou a cúpula do partido e fez com que Ciro Gomes suspendesse sua pré-candidatura à Presidência da República até que a bancada reavaliasse a posição, em uma tentativa de pressionar os deputados a não ajudarem o governo na aprovação da matéria em segundo turno.

Como resultado da ofensiva, o líder do partido na casa legislativa, deputado Wolney Queiroz (PE), anunciou no Twitter que a bancada decidiu, por maioria, mudar de posição na votação em segundo turno da PEC. “A decisão se deu em nome da preservação da nossa unidade partidária”, disse o parlamentar.

Judicialização

Além da pressão para que parlamentares opositores revejam posição e deixem de apoiar a PEC nas próximas votações, também joga contra os esforços do Palácio do Planalto decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, na última sexta-feira (5), suspendeu o pagamento das emendas de relator ao Orçamento da União, conhecidas como “RP9” do chamado “orçamento secreto”.

Ao contrário das emendas individuais dos parlamentares, que seguem critérios específicos e são divididos de forma equilibrada e mandatória, tal dispositivo não obedece regulamentação definida e tem sido usado para beneficiar de forma desigual alguns parlamentares ‒ sobretudo aqueles mais alinhados às pautas do governo, o que gerou alegações de suposta compra de votos.

A liminar foi remetida ao plenário virtual do Supremo Tribunal Federal e já está em deliberação. Caso não haja pedido de vista ou destaque para o plenário físico, uma decisão será tomada até o fim do dia. As contagens de votos indicam cenário incerto, com forte divisão dos ministros.

Na prática, caso a decisão seja mantida, o Palácio do Planalto perderia importante instrumento de negociação com os parlamentares. Os congressistas, por outro lado, perderiam um incentivo importante para votar favoravelmente à PEC.

Para não demonstrar fragilidade e nem dar mais força ao argumento de que as emendas de relator foram usadas para atrair apoio de deputados à mudança no teto de gastos e no pagamento de precatórios, Arthur Lira trabalha para manter a votação nesta terça-feira. Além disso, um novo atraso na tramitação do texto pode dar sinalização ruim aos defensores da proposta.

Nos bastidores, há um esforço dos atores envolvidos para construir um voto médio para referendar a liminar de Rosa Weber apenas na parte que exige do Congresso transparência na distribuição das emendas, sem interromper o fluxo do pagamento das emendas.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.