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Se as manchetes recentes estiverem corretas, a União Europeia (UE) pode estar a caminho de proibir a mineração de criptomoedas por causa de preocupações com o uso de energia.
O pedido de proibição da atividade nos 27 países membros da UE vem principalmente de reguladores da Suécia, que estão preocupados com a possibilidade de a energia renovável ser usada para minerar criptomoedas como Bitcoin (BTC) em vez de ser canalizada para uso público. Políticos na Alemanha, Espanha e Noruega estão apoiando o apelo.
Na quinta-feira (3), o membro do Parlamento da UE Stefan Berger, responsável pela preparação de um pacote regulatório para as criptos, chamou uma possível proibição da mineração de criptomoedas como a sentença de morte do BTC no bloco econômico.
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Membros da comunidade de criptomoedas da Europa acreditam que a atual crise de energia da UE, que elevou as contas de eletricidade das residências, faz com que os reguladores mirem no setor cripto, que é mais fácil de “bater”, em vez de abordar as causas da escassez.
A Prova de Trabalho (Proof of Work, PoW), protocolo de mineração de intensivo gasto energético usado na produção de criptomoedas populares como Bitcoin e Ethereum (ETH), está sob forte escrutínio no mundo todo desde o ano passado.
A atividade se transformou em “vilã ambiental” depois que veículos de imprensa e outras entidades comparam o uso de eletricidade do processo e o consumo de energia em algumas nações soberanas. O The New York Times, por exemplo, informou em setembro que a indústria de mineração de Bitcoin utiliza mais eletricidade anualmente do que a Finlândia, um país de cerca de 5,5 milhões de pessoas.
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Em maio, meses antes da notícia do jornal dos EUA, a China, que dominava o setor de mineração de criptomoedas, passou a proibir a atividade no país. Nos meses que se seguiram à proibição da nação asiática, os mineradores se espalharam pelo mundo em busca de eletricidade barata e um ambiente regulatório mais amigável. Em agosto, os EUA haviam conquistado a maior parte do mercado global de mineração. Logos depois estão Cazaquistão e Rússia.
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A proposta da Suécia, no entanto, deixou a comunidade cripto europeia perplexa. Os defensores da indústria argumentam que a proibição da China não levou a um aumento significativo na mineração na UE.
De acordo com dados da Cambridge Center for Alternative Finance, o hashrate mensal médio do Bitcoin da Suécia (indicador que mede a energia computacional usada na mineração de BTC) aumentou 0,84% pontos percentuais entre maio e agosto de 2021 após a proibição da China. Para comparação, o hashrate dos EUA cresceu 17,7% pontos percentuais no mesmo período.
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Eric Wall, engenheiro de software sueco e diretor de investimentos da Arcane Assets, disse que nenhuma grande mineradora se estabeleceu na Suécia e não há evidências de que grande parte da produção de energia renovável do país esteja sendo absorvida pela mineração.
Enquanto isso, a maior quantidade de hashrate de agosto na UE (ainda abaixo de 5%) foi registrada na Irlanda e na Alemanha, mas isso também vem com uma ressalva. A equipe de pesquisa de Cambridge afirma no site que há poucas evidências de grandes operações de mineração em ambos os países que justifiquem os números. O hashrate é “provavelmente inflado significativamente” graças às redes privadas virtuais (VPN) e outros métodos usados para redirecionar endereços IP.
Dmitrijs Litkins, fundador da Associação Europeia de Mineração de Criptomoedas, disse em um e-mail para o CoinDesk que não está preocupado com a proibição de criptos na região porque pode não haver nada para proibir. “O setor está quase morto na Europa”.
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Dificuldade de mineração e a crise energética
Assim que o caos após a proibição da China acabou e a mineração voltou a crescer, o mesmo aconteceu com a dificuldade de mineração.
A dificuldade de mineração se ajusta automaticamente com base na quantidade de poder computacional ou hashrate necessário para manter o tempo de confirmação/validação de um bloco (grupo de transações) em cerca de 10 minutos. Quanto maior o hashrate, ou energia fornecida, maior a dificuldade.
Em janeiro de 2022, a dificuldade de mineração de Bitcoin estava em alta. Litkins, que fica baseado na Letônia, disse que isso coloca os países da UE que lutam com o aumento dos preços da energia em desvantagem quando se trata de mineração.
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“Minerar sem ter um fornecedor que venda eletricidade a 0,03 a 0,04 euros por quilowatt-hora é inútil para os investidores, e obter esse preço é impossível”, falou.
Whit Gibbs, fundador e CEO do provedor de serviços de mineração de Bitcoin Compass Mining, também está sediado na Letônia. Ele disse que as contas de eletricidade de sua casa dispararam. De acordo com relatórios locais, os preços da eletricidade do país são quase cinco vezes mais altos do que em dezembro de 2020.
A Letônia não é a única nação a sentir a crise. Em dezembro, a Bloomberg informou que as contas de eletricidade de curto prazo nos países da UE atingiram os recordes daquele ano, subindo mais de 200% em locais como Alemanha e França. Na região nórdica, os custos de energia aumentaram cerca de 470% em relação ao ano anterior. A Suécia não foi exceção.
De acordo com Gibbs, a crise energética decorre de vários fatores. Entre eles estão a interrupção do fornecimento de energia da Rússia para a UE por causa do aumento de tensões com a Ucrânia e o debate sobre o comissionamento de energia nuclear na região.
“Esse aumento na escassez de energia está, obviamente, elevando os custos. Por causa disso, vários países da Europa continental estão preocupados em como manter o fornecimento de energia às casas das pessoas”, disse Gibbs. “Acho que é isso que está trazendo essa proibição da Prova de Trabalho para a conversa agora.”
Wall falou que o acesso à energia barata é fundamental para alguém se manter competitivo na mineração de BTC. “Caso contrário, você estará produzindo Bitcoins que valem menos do que você pagou pela energia.”
De acordo com Wall e Litkins, a única maneira de fazer sentido minerar BTC na UE é ter acesso a uma fonte de energia renovável.
Litkins deu um passo adiante:
“A mineração de criptomoedas só será possível depois que o investidor organizar ou construir seu próprio fornecimento independente de eletricidade barata”, disse ele, acrescentando que a maneira mais fácil e eficiente, por enquanto, é construir uma usina de energia solar.
Esse é o ponto de discórdia: os reguladores estão preocupados que a energia renovável possa ser desviada para a mineração de BTC.
Indra Overland, professor de pesquisa e chefe do programa de energia do Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais, disse que, embora não acredite que haja atividade de mineração significativa na UE, ele entende o desejo da Suécia de acabar com a prática.
“Receio concordar com o ponto de vista sueco. Mesmo que as criptomoedas usem energia renovável onde ela é abundante, elas estão competindo com outros usuários que também podem ser atraídos por esses bolsões de energia renovável barata”, falou para o CoinDesk por e-mail.
A transição energética para renováveis exige uma reorganização de vários setores, disse. Ele acrescentou também que isso já está acontecendo, e nos próximos anos muitas indústrias de uso intensivo de energia se mudarão para locais onde há energia limpa em abundância.
“O entupimento desses locais com mineração de criptomoedas retardará esse processo”, disse Overland.
Por exemplo, se houver excesso de energia hidrelétrica em um local, um minerador de criptomoedas pode se estabelecer nessa região, explicou Overland. Se alguém ou uma empresa, como uma fundição de alumínio, quiser aproveitar essa energia, terá que oferecer mais dinheiro por ela do que o minerador de criptomoedas está pagando para ter acesso.
Francesco Bruschi, professor de engenharia e membro do Blockchain and Distributed Ledger Observatory da Universidade Politécnica de Milão, na Itália, não acha que a mineração seja uma ameaça significativa para o consumo de energia renovável.
“Os mineradores estão procurando as fontes de energia mais baratas e, se as energias renováveis forem mais baratas, a mineração pode fazer parte da demanda”, disse Bruschi em um e-mail ao CoinDesk.
Wall falou que não houve grandes empresas de mineração se estabelecendo na Suécia. Ele também não viu nenhum sinal de que grande parte das fontes de energia renovável do país esteja realmente sendo desviada para a mineração.
Perspectiva dos reguladores
As conversas sobre uma proibição de mineração na UE começaram em novembro, quando dois reguladores suecos publicaram uma carta aberta pedindo a suspensão do PoW na UE por causa de preocupações com energia. Eles chamaram as criptomoedas de uma ameaça à transição climática.
“A Suécia precisa da energia renovável visada pelos produtores de criptoativos para a transição climática de nossos serviços essenciais, e o aumento do uso por mineradores ameaça nossa capacidade de cumprir o Acordo de Paris”, dizia a carta, referindo-se ao tratado internacional sobre mudanças climáticas.
Alguns dias depois, um legislador da Noruega deu a entender que poderia considerar apoiar a proposta da Suécia. Então, em meados de janeiro, a Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (Esma, na sigla em inglês) também parecia estar pedindo uma proibição em toda a UE da mineração de criptomoedas.
O funcionário da Esma que pediu a proibição foi Erik Thedéen, diretor-geral da Autoridade Sueca de Supervisão Financeira (Finansinspektionen, ou FI, em sueco) que foi recentemente nomeado vice-presidente da Esma. Thedéen foi coautor da carta dos reguladores suecos em novembro, juntamente com Björn Risinger, diretor geral da Agência Sueca de Proteção Ambiental.
Um porta-voz da Esma disse ao CoinDesk que os comentários de Thedéen foram feitos como chefe da FI da Suécia. A Esma também se recusou a comentar sobre o uso de energia renovável para mineração de criptomoedas, afirmando que não tem uma posição sobre o assunto.
No entanto, os reguladores suecos certamente não seriam os primeiros a considerar a restrição da mineração. Em setembro de 2019, a China tinha uma participação de 75% do hashrate global. A repressão do país à mineração de criptomoedas em 2021 ocorreu, pelo menos em parte, por causa dos objetivos políticos de eliminar gradualmente a produção de energia a carvão.
As coisas também não são tão boas nos novos locais de mineração. Em 24 de janeiro, as autoridades do Cazaquistão cortaram completamente o fornecimento de energia para mineradores de criptomoedas no país pelo restante do mês, citando as dificuldades da rede nacional para atender à demanda doméstica durante o inverno. Enquanto isso, os legisladores dos EUA estão pressionando as mineradoras a detalhar uso eletricidade, impacto climático e planos de expansão.
Quanto à Suécia, a FI diz que espera contribuir para destacar o crescente impacto ambiental da mineração de criptomoedas em todo o mundo.
“Estamos especialmente interessados em que os formuladores de políticas e os políticos percebam que o caminho da [energia] renovável é inapropriado, dada a escassez global de energia em geral e energia renovável especificamente. A Prova de Trabalho deve ser banida em favor de tecnologias blockchain mais eficientes em termos de energia”, disse Klas Malmen, coordenador de inovação da FI, em um e-mail para o CoinDesk.
Em seus comentários de janeiro, Thedéen falou que uma opção melhor para a mineração poderia ser a Prova de Participação (Proof of Stake, PoS), um sistema em que os proprietários “travam” suas criptomoedas na blockchain como um incentivo para manter a rede, e recebem recompensas por isso. Parte da comunidade cripto também diz que o protocolo PoS gasta menos energia que o PoW. A rede Ethereum inclusive está migrando para o mecanismo de Prova de Participação neste ano.
Enquanto isso, Wall está confuso sobre o motivo pelo qual o regulador financeiro de seu país está subitamente envolvido nas decisões de energia. “Esse não é o papel do regulador financeiro”, disse Wall.
Em 2020, a FI recebeu uma atribuição do governo sueco para contribuir para o desenvolvimento do setor financeiro de maneira sustentável, falou Malmen sobre o envolvimento da autoridade sueca.
“Dado que a mineração de criptoativos baseada em [Prova de Trabalho] é a atividade que mais consome energia no setor financeiro, acreditamos que é de grande importância agirmos para reduzir seu impacto climático”, disse.
Após a carta aberta em novembro, Wall tuitou um trecho de um vídeo da emissora nacional estatal da Suécia (SVT), no qual um dos maiores produtores estatais de energia do país, o Vattenfall, diz que a mineração de criptomoeda pode ser útil como um amortecedor para ajudar a regular o fluxo de energia quando o fornecimento de eletricidade oscila.
De acordo com Lucia Fuselli, especialista em energia renovável, engenheira e bolsista do Conselho Mundial de Energia, há muitas maneiras pelas quais a energia pode atuar como um buffer (amplificador de isolamento), mas ela vê principalmente um buffer como uma forma de armazenamento. O excesso de energia produzida durante períodos de demanda fraca pode ser utilizado quando há alta demanda, disse Fuselli.
“Não tenho certeza se a mineração de criptomoedas estaria no mesmo nível ou poderia ser utilizada como um buffer. … É preciso haver um sistema acordado por um número maior de estados”, falou.
Para que isso funcione nos 27 países da UE, é preciso haver um sistema padronizado e um conjunto claro de regras acordadas por todos, acrescentou. “Não vejo esse nível de unidade no momento, pelo menos na UE”.
Vattenfall se recusou a comentar sobre o assunto.
Uma questão global
De acordo com Gibbs, no curto prazo vários órgãos reguladores, estados membros e indivíduos da EU começaram a se posicionar sobre o assunto.
“As pessoas vão começar a apresentar dados de ambos os lados, tanto a favor como contra, para apoiar suas alegações, e explicar por que a mineração com o protocolo Prova de Trabalho deve ou não ser banida”, disse Gibbs.
Wall espera que, quando a Suécia tentar levar sua proposta à UE, isso gere uma compilação de feedbacks qualificados sobre o assunto. “A UE será um pouco mais lenta”, disse Wall.
Gibbs concordou, acrescentando que não vê uma proibição abrangente da mineração na UE tão cedo. Litkins não enxerga nada mudando, e acrescentou que a mineração estável e lucrativa estará disponível apenas para aqueles que possuem uma fonte de energia renovável.
Wall argumentou que a proibição da mineração com PoW na UE pode acabar sendo a “pior coisa” para o meio ambiente globalmente. De acordo com ele, se os países que têm capacidade de produzir energia renovável em excesso proibirem a mineração com Prova de Trabalho, isso não fará com que o Bitcoin desapareça, mas apenas o tornará mais lucrativo para outras nações. Esses outros países, disse Wall, podem não ter acesso às fontes de energia mais sustentáveis.
Wall apontou para o Irã, onde um tipo de petróleo altamente poluente estava sendo queimado para produzir energia entre 2018 e 2019, com algumas consequências ambientais devastadoras. No ano passado, uma reportagem revelou que o país estava usando os lucros da mineração de BTC para evitar as sanções dos EUA.
“Talvez você possa pensar em maneiras de tributá-lo ou subsidiá-lo. Mas se você banir o BTC, ele só vai se mover”, disse Wall.
Bruschi falou que esse argumento pode fazer sentido, já que as mineradoras começaram a se mudar para outros países após a proibição da China.
Overland discorda:
“Acho que esse é um argumento fraco. É como dizer: se não conseguirmos – armas, drogas, pornografia infantil, mineração de criptomoedas, o que quer que seja – alguém o fará, então podemos fazê-lo”, falou ele. “A Noruega usa muito esse argumento sobre seu petróleo, alegando que ele é mais limpo que os outros e que é melhor quando um combustível fóssil é produzido por uma democracia do que por países autoritários. Do ponto de vista climático, esse argumento faz pouco sentido.”