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Cresceu nos últimos meses o número de brasileiros que não conseguem levar para casa toda a comida que escolhe e coloca no carrinho do supermercado. O corte na compra ocorre na boca do caixa, quando o valor da conta passa do previsto. A saída tem sido abandonar desde itens básicos, como óleo de soja, até supérfluos, como refrigerantes.
Impulsionado pela alta de preços dos alimentos, o carrinho que fica nos caixas dos supermercados está cada vez mais cheio. Entre janeiro e junho deste ano, 4,997 milhões de itens foram abandonados (quase 16,42% a mais do que no primeiro semestre de 2021, ou 704,9 mil itens a mais).
O dados são de uma pesquisa inédita da Nextop, empresa que atua há 25 anos com tecnologia de segurança do varejo, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo.
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Por meio de inteligência artificial e de um grande banco de dados, foram extraídas informações autorizadas do movimento de caixa de 982 supermercados de médio e pequeno porte do país, que atendem a todas as faixas de renda e que juntos vendem R$ 5 bilhões.
Para chegar ao volume de produtos abandonados, Juliano Camargo, CEO e fundador da empresa, reuniu itens cancelados e produtos que o consumidor consultou o preço e desistiu. “Um crescimento de 16,42% na quantidade de itens abandonados é altíssimo e reflete que muita gente deve estar tomando susto”.
Apesar de não ter uma série longa de dados, ele acredita que as devoluções não teriam aumentado se a inflação de alimentos estivesse controlada.
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Em julho, o IPCA teve deflação de 0,68% devido ao corte de impostos sobre combustíveis e eletricidade, mas os preços da comida aceleraram para uma alta 1,30%, ante avanço de 0,80% em junho. Em 12 meses, a inflação dos alimentos sobe 14,72% (contra um IPCA de 10,07%).
Sem referência
O economista Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), diz que indicadores de inflação, renda e emprego têm dimensão abstrata e ressalta a clareza da pesquisa. “O tamanho da pilha de produtos deixados no caixa é a medida concreta do tamanho da crise”.
Além da falta de dinheiro, Felisoni acrescenta que a perda de referência de preços, provocada pela aceleração da inflação, e a pouca clareza da loja para passar a informação aos clientes podem contribuir para a desistência da compra.
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A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) não tem dados sobre devoluções. Marcio Milan, vice-presidente da associação, diz que o resultado do estudo é um alerta para as empresas e que eventualmente isso pode estar acontecendo em maior ou menor escala, dependendo do tipo de loja e da região.
Ranking dos produtos devolvidos
Um ranking dos dez produtos mais devolvidos pelos consumidores no caixa de supermercado no primeiro semestre deste ano indica que a alta de preços da comida é generalizada: atinge pobres e ricos, com itens básicos e supérfluos.
Quem lidera a lista é o refrigerante, aponta o estudo da Nextop. Na sequência vem o leite, o óleo de soja, a cerveja e o açúcar. Dos dez itens que mais sobraram na boca do caixa, quatro são básicos (leite, óleo de soja, açúcar e farinha de trigo) e seis, não tão essenciais (refrigerante, cerveja, molhos, biscoitos, hambúrguer e bebida láctea).
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Quatro dos dez produtos mais abandonados no caixa (leite, óleo, cerveja e biscoito) também constam entre os dez que registraram as maiores quedas nas quantidades vendidas no varejo de autosserviço no primeiro semestre, segundo um levantamento inédito feito pela NielsenIQ, consultoria que monitora as vendas dos produtos nos supermercados, a pedido do Estadão.
A cerveja puxa a fila dos itens com maiores quedas de venda em volumes apurada pela consultoria (-15,6%), seguida por leite (-13,7%), cortes de frango (-11,6%), café (8,5%), legumes (-8,2%), óleo (-7%), queijos (-6,5%), biscoitos (-5,1%), industrializados de carne (-2,8%) e cortes bovinos (-2,7%).
Inflação dos alimentos
Não por acaso, vários desses produtos estão entre os que mais registram altas de preços nos últimos meses, como leite, café, óleo, carne e biscoito, por exemplo, segundo o IPCA (índice oficial de inflação do país).
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A freada brusca do consumidor na reta final das compras provoca um efeito em cascata. O encalhe faz com que os supermercados comprem volumes menores da indústria e esfriem o ritmo de produção e atividade. “Hoje, o nível de estoques dos supermercados é o mais baixo dos últimos anos”, afirma Camargo, CEO da Nextop.
Na opinião de Marcio Milan, vice-presidente da Abras, o setor está fazendo compras mais planejadas por conta da inflação — e a falta de algum produto é algo momentâneo, pois não há indicação de desestocagem. “As negociações estão muito mais intensas, à procura sempre do menor preço”.
O movimento de devolução nas prateleiras de itens deixados pelo consumidor no caixa cresceu desde o mês passado numa loja da capital paulista onde Marcos Paulo da Silva Moura é subgerente. “Antes, eram no máximo dois carrinhos por período e agora são de três para cima.”
Entre os itens que mais retornam às prateleiras estão carne e itens supérfluos como biscoitos, frios e laticínios. Estes últimos voltam imediatamente para a geladeira para evitar perdas, e o maior ritmo de devolução aumenta a carga de trabalho do pessoal de loja.
Escolhendo o que levar
A aposentada Maria do Carmo Azevedo, de 63 anos, que ganha um salário mínimo e faz bico como diarista, diz que já deixou produtos no caixa várias vezes. Com um pacote de pão na mão e outro de mandioquinha e abóbora (ingredientes para preparar uma sopa), ela conferia na quarta-feira (10) o preço do biscoito —que segundo ela subiu de R$ 3 para 6,98.
Azevedo fazia contas e diz quem “se passar de R$ 30, vou ter de tirar alguma coisa, porque amanhã tem de comprar pão de novo”. Ela conta que ficou muito constrangida nas ocasiões em que teve de devolver produtos na boca do caixa. “Já aconteceu isso algumas vezes por eu ter feito conta errada e também por me surpreender com os preços: hoje é um e amanhã é outro”.
Juliana Gomes Rosa, de 35 anos, casada e mãe de dois filhos que trabalha no mercado financeiro, disse que nunca teve de desistir de um produto no caixa, mas que faz a seleção antes. “Tenho deixado de escolher coisas que gostaria de comprar”.
De seis meses para cá, Juliana sentiu uma diferença muito grande nos preços e no gasto da compra do mês. Ela desembolsava em média R$ 1,5 mil, mas hoje gasta um pouco mais de R$ 2 mil (mesmo reduzindo a compra de itens não essenciais, como chocolates e laticínios, e cortado a quantidade de produtos básicos, como açúcar). “Nosso poder de compra não aumentou e os preços estão um absurdo”.
Ela diz que o aumento da inflação levou à perda de referência de preços de vários produtos, como leite, café, ovos, óleo e azeite, por exemplo, e que ela, como todos os brasileiros, está tentando viver um dia após o outro para não ficar ansiosa e ter reflexos em outras áreas da vida. “Toda essa situação não impacta só as compras: é a viagem, a escola. Tudo isso a gente tira para poder se alimentar”.
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