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A renda fixa, dada por alguns como “morta” quando a taxa Selic chegou a 2% ao ano, está mais viva do que nunca. Com os juros básicos da economia de volta aos 13,75% dois anos depois de atingirem o piso histórico, os investimentos dessa categoria estão em ebulição – e mais novidades virão por aí na virada de 2023.
Dessa vez, a questão é regulatória, mas representará uma mudança importante no cotidiano dos investidores. Distribuidores de investimentos, como bancos e corretoras, vão precisar “marcar a mercado” o valor de alguns títulos de renda fixa, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Imobiliário (CRIs), debêntures e títulos públicos adquiridos via tesouraria.
A marcação a mercado vai permitir que investidores pessoa física consigam acompanhar, dia a dia, quanto vale o patrimônio que adquiriram. Isso porque esse processo nada mais é do que a atualização do valor desses papéis segundo os preços pelos quais estão sendo negociados no mercado.
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A regra foi estabelecida pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) no início deste ano. Bancos e corretoras têm até o fim do ano para adaptar seus processos e informar seus clientes a respeito da nova sistemática, que começará a valer a partir do dia 2 de janeiro de 2023.
“O objetivo é que tenha padronização para o investidor acompanhar as suas aplicações, para que ele possa fazer uma comparação mais transparente, se tiver conta em mais de um lugar”, esclarece Luciane Effting, vice-presidente do Fórum de Distribuição da Anbima.
Mas, na prática, o que vai mudar para os investidores? O InfoMoney ouviu a Anbima, bancos e corretoras e explica abaixo os detalhes. Confira:
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1) O que exatamente vai acontecer com os investimentos de renda fixa a partir de janeiro de 2023?
Papéis como debêntures (incentivadas ou não), CRIs, CRAs e títulos públicos adquiridos via tesouraria (e não pelo Tesouro Direto) passarão a ser marcados a mercado por bancos e corretoras nas carteiras dos investidores pessoas físicas. Em outras palavras, os extratos de investimentos apresentarão os valores atualizados desses ativos, de acordo com os preços pelos quais estão sendo negociados no mercado.
Com esse processo, o investidor passará a entender melhor quanto vale hoje o título que ele comprou no passado, segundo Luciane, da Anbima. Para isso, os extratos de investimentos deverão conter a data da última atualização do preço de cada um dos ativos do investidor.
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É importante lembrar que, embora os preços dos ativos passem a ser atualizados, se o investidor mantiver os papéis na carteira até o vencimento receberá como retorno a taxa de remuneração que foi contratada quando os adquiriu. A nova medida busca apenas oferecer uma possibilidade de acompanhar os preços e verificar se há uma possibilidade de ganho com a saída antecipada do papel.
2) Como isso funciona atualmente?
Atualmente, a maior parte dos bancos e corretoras atualiza os preços dos investimentos de renda fixa com base na chamada “marcação na curva”.
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Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa para pessoa física do Itaú BBA, esclarece que a diferença está na taxa utilizada no cálculo. Um título marcado na curva tem seu valor atualizado todo dia pela mesma taxa contratada pelo investidor no momento da aquisição do papel.
Se o investidor adquiriu um CRA que oferece retorno de 13% ao ano, por exemplo, todos os dias a corretora aplicará essa taxa sobre o valor investido para informar quanto o papel vale no momento. Esse tipo de marcação costuma fazer sentido para investidores que desejam resgatar o valor aplicado apenas no vencimento.
Agora, com a marcação a mercado, o movimento será diferente: a atualização do valor será realizada a partir da taxa que estiver sendo negociada no mercado para aquele investimento no dia. Essa taxa normalmente deve mudar todos os dias.
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3) A marcação a mercado valerá também para papéis bancários, como os CDBs?
A mudança não engloba Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Imobiliário (LCIs), que seguirão com a marcação na curva que é feita hoje.
Segundo Luciane, da Anbima, a explicação está no fato de que esses títulos são emitidos por instituições financeiras que garantem a recompra dos papéis com base na marcação na curva.
Já no caso de CRIs, CRAs e debêntures, a empresa emissora não recompra o papel quando o investidor deseja. Ele precisa encontrar outro investidor disposto a pagar pelo papel no mercado secundário caso queira se desfazer dele.
4) Já existem investimentos de renda fixa marcados a mercado pelos bancos e corretoras atualmente?
Os títulos públicos adquiridos por meio do Tesouro Direto são marcados a mercado. Com isso, entre a data de aplicação e o resgate, o preço do papel varia diariamente de acordo com as condições de mercado e das taxas de juros.
Assim, quando o mercado passa a precificar uma alta na curva de juros, por exemplo, a tendência é de que as taxas dos títulos públicos subam. Como consequência, o valor dos papéis recua. O contrário também é verdadeiro: se as projeções para a Selic recuam, as taxas oferecidas nos títulos públicos caem – e os preços avançam.
Em julho deste ano, por exemplo, quando as taxas subiram muito e os juros reais oferecidos por alguns títulos públicos ultrapassaram os 6% ao ano, os preços de alguns papéis do Tesouro Direto chegaram a cair 9%.
Além dos títulos do Tesouro Direto, fundos que investem em ativos de crédito também marcam a mercado, nas suas carteiras, papéis como CRIs, CRAs e debêntures.
Para Myrian Lund, planejadora financeira CFP, a nova regra deve equalizar a compra de ativos individuais por meio das corretoras com as práticas já adotadas na indústria de fundos de renda fixa.
5) Para quais investidores a marcação a mercado será aplicada?
Segundo a nova regra da Anbima, investimentos feitos por pessoas físicas precisarão ser marcados unicamente a mercado, e não mais na curva.
Já os investidores qualificados – que contam com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras – poderão escolher se preferem a marcação a mercado ou na curva. Se optarem pela marcação na curva, terão que formalizar esse pedido junto à corretora.
6) Como será realizado o cálculo do valor atualizado dos investimentos de renda fixa?
A maior parte das corretoras ouvidas pelo InfoMoney disse que vai usar como referência os dados apurados pela Anbima.
A Anbima realiza uma coleta de preços todos os dias logo cedo, quando as instituições associadas enviam as cotações pelas quais os papéis estão sendo negociados no mercado, da mesma forma como acontece com os títulos públicos.
Depois de receber esses dados, a Anbima analisa os valores e verifica se há números muito discrepantes entre os diferentes bancos e corretoras. Em seguida, estabelece um preço de referência, disponibilizado no Anbima Data, um sistema que pode ser acessado por todos.
Segundo as corretoras, as taxas dos CRIs, CRAs e debêntures têm como base os dados publicados pela associação no dia útil anterior (D-1, no jargão financeiro).
7) O que a Anbima leva em conta na hora de estabelecer o valor dos papéis?
De acordo com Luciane, a associação analisa as mesmas informações que o mercado em geral. Ou seja, verifica se o papel possui liquidez e avalia os últimos preços de negociação para entender quanto os agentes financeiros estão dispostos a pagar pelo título. Também são verificadas as características do emissor, como o risco de crédito.
8) Com que frequência os títulos de renda fixa serão marcados a mercado pelos bancos e corretoras?
A norma da Anbima determina que as casas precisam marcar os papéis a mercado pelo menos uma vez por mês.
Segundo Luciane, a razão é que os investidores que compram papéis desse tipo não costumam negociá-los todos os dias. “O prazo de atualização, de 30 dias no máximo, é suficiente para o investidor ter uma noção de quanto ele está valendo”, explica.
Porém, a maior parte das corretoras ouvidas pelo InfoMoney informaram que o cálculo dos preços será feito diariamente.
9) A norma da Anbima diz que bancos e corretoras poderão usar ou não os preços apurados pela associação como base para a marcação a mercado. Não é uma obrigação. Poderá haver discrepância entre os preços de um mesmo título em corretoras diferentes?
Para Luciane, a possibilidade oferecida pela Anbima – de que as casas utilizem uma metodologia própria para estabelecer o valor da marcação a mercado – não deve gerar uma discrepância, porque as “regras mestras” foram dadas. Atualmente, a Anbima consegue precificar cerca de 90% dos ativos disponíveis no mercado. “Acreditamos que haverá uma convergência”, afirma.
A Anbima, no entanto, não nega que possa haver certa diferença de preços em papéis menos líquidos, que não possuem precificação pela associação e que são calculados diretamente pelos distribuidores. Esses títulos, porém, não costumam ser negociados por pessoas físicas.
10) Algumas corretoras já oferecem tanto a marcação a mercado quanto a marcação na curva para os investidores. O que muda nesse caso?
Queiroz, do Itaú BBA, destaca que a diferença a partir de janeiro de 2023 é que todos os distribuidores passarão a oferecer a marcação a mercado, o que deve incentivar os investidores a girar a carteira antes do vencimento dos investimentos de renda fixa – o que poderá ajudar o mercado a ter mais negociações e uma formação de preços mais precisa.
“Temos muitos títulos que já marcamos a mercado, mas como não há negociação no mercado secundário, não há novos preços para balizar. A taxa acaba ficando fixa”, afirma.
11) Isso significa que a marcação a mercado pode ajudar a impulsionar as negociações de títulos como CRIs e CRAs?
Para Luciane, da Anbima, o mercado secundário pode ser beneficiado com a possibilidade de saída antecipada. “A marcação a mercado atualizada traz a oportunidade do investidor ver se pode ter um ganho para reinvestir, ou se é mais vantajoso carregar o papel até o vencimento”, esclarece.
Atualmente, argumenta Queiroz, do Itaú BBA, quem precisa vender um CRI ou um CRA antecipadamente não encontra um mercado secundário forte que balize as taxas. Não há liquidez e, por causa da falta de preços de referência, o investidor pode ser obrigado a se desfazer do investimento a preços desfavoráveis.
É fácil entender o processo fazendo uma analogia com o mercado de carros novos e usados, diz Queiroz. Se um determinado modelo de carro não possui um mercado robusto de usados, quem comprou um novo e quiser vendê-lo não conseguirá fazer isso com facilidade – poderá ter que oferecer um desconto. A situação é diferente para quem compra um veículo novo já sabendo que há interessados por aquele modelo usado.
Para Queiroz, o benefício da marcação a mercado, em resumo, é a possibilidade de criar um ciclo positivo para o mercado de renda fixa. Ele explica que, ao gerar mais negócios no mercado secundário, isso pode atrair novos investidores. Com mais dinheiro em circulação, a tendência é que mais empresas busquem captar recursos no mercado primário.
12) Os investidores podem estranhar que seus investimentos de renda fixa passem a aparecer no extrato com retornos negativos uma vez ou outra, devido à marcação a mercado. O que a Anbima e as corretoras devem fazer sobre isso?
Luciane, da Anbima, informa que os participantes do mercado foram avisados com antecedência da mudança e que estão na linha de frente para prestar esclarecimentos aos investidores. No entanto, a especialista não nega que investidores possam se assustar em um primeiro momento. Ao mesmo tempo, lembra que a regra não é completamente nova.
“Hoje, já há a atualização das cotas diariamente em fundos de investimento. O investidor já está acostumado”, destaca a representante.
A Anbima também informou que está preparando materiais educativos para alertar os investidores. Na Ativa Investimentos, por exemplo, alguns avisos educativos devem ser feitos perto do fim do ano para preparar os investidores, conforme explica Rodrigo Regis, head de soluções financeiras da casa.
13) Os preços serão marcados a mercado retroativamente, no histórico dos investimentos?
Segundo a Anbima, a regra poderá ser aplicada a partir da data de início da vigência da regra, que é 2 de janeiro de 2023, para todos os ativos da carteira dos clientes que estejam no escopo das normas.