Jackson Hole: por que o histórico encontro de banqueiros centrais será monitorado ainda mais de perto pelos investidores em 2022

Simpósio anual é conhecido por adiantar cenários econômicos e monetários e começa nesta quinta (25); fala de Powell é o grande destaque

Mitchel Diniz

(Photo by Win McNamee/Getty Images)
(Photo by Win McNamee/Getty Images)

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Jackson Hole é um vale no estado americano de Wyoming, com pouco mais de 10 mil habitantes. População que caberia no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Pequena, porém notável, a região é conhecida por atrações turísticas, como uma parte do famoso Parque Nacional de Yellowstone e por seus resorts e estações de esqui. Uma vez por ano, é também o centro das atenções do mercado financeiro.

Há 40 anos, Jackson Hole é palco do simpósio anual dos bancos centrais. Esses encontros começaram em 1978, no Kansas, por uma iniciativa do Federal Reserve distrital. No primeiro ano, o tema discutido foi o comércio agrícola mundial. O evento mudou para Jackson Hole em 1982, edição que contou com a presença de Paul Vockler, presidente do Fed à época. A partir dali, o simpósio deixou de ser somente um encontro de caráter regional, passando a atrair autoridades monetárias de todo o mundo. Representantes de 70 países já passaram por Jackson Hole desde então.

Na edição de 1989, Alan Greespan, sucessor de Vockler, trouxe perspectivas sobre a política monetária para a década que estava se iniciando. Foi a primeira vez que um chairman do Banco Central dos Estados Unidos fez parte, formalmente, da programação do simpósio. Desde então, virou uma tradição. “É um evento o qual o Fed utiliza para dar sinais mais claros sobre a política monetária. Praticamente se tornou uma peça importante da comunicação do Banco Central americano”, explica Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital.

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Alan Greespan: primeiro “chairman” do Fed a participar formalmente da programação do simpósio

Mudança radical de discurso

A cada ano, o simpósio de Jackson Hole trata sobre um tópico diferente. Agora em 2022, o tema é “Reavaliando restrições  à economia e à política”. As discussões vão girar em torno do desequilíbrio entre oferta e demanda, herança da pandemia que acabou por impulsionar a inflação em todo o mundo. Em resposta a esse movimento, a maioria dos Bancos Centrais do mundo têm elevado taxas de juros depois de anos, incluindo, é claro, os Estados Unidos. Além das discussões entre autoridades monetárias, Jackson Hole é um espaço para a apresentação de estudos e artigos inéditos relacionados ao tema selecionado e que também traduzem a visão do Fed sobre o tópico.

A edição deste ano do simpósio começa na quinta-feira (25) e termina no sábado (27). Mas é o segundo dia do evento o mais aguardado pelos participantes do mercado financeiro. Às 11h (horário de Brasília), está previsto o discurso do atual presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. A fala promete mexer com os mercados, pois deve dar um indicativo mais preciso sobre o futuro do ciclo de aperto monetário nos EUA. De qualquer maneira, será uma mudança radical de discurso, comparando com o que foi dito por Powell nas duas edições anteriores.

Em 2020, no primeiro ano da pandemia, a preocupação do Federal Reserve era outra. A inflação medida pelo índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) estava 1,3%, abaixo da meta perseguida pela autoridade monetária, de 2%. A taxa de desemprego, acima dos 8%. Os lockdowns estavam acontecendo e as vacinas ainda não tinham sido aprovadas. Naquele ano, por teleconferência, Powell anunciou que a estratégia do Fed era fazer com que a inflação ficasse “moderadamente acima dos 2% por algum tempo”.

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Na edição seguinte do simpósio, o cenário já estava bem diferente. O CPI havia disparado para 5,2%, muito acima da meta do Fed, enquanto a taxa de desemprego recuou para o patamar dos 5%. Os estímulos ao consumo ao longo da pandemia geraram um descompasso entre demanda excessiva e escassez de oferta, numa cadeia de abastecimento fragilizada pelos lockdowns. O Fed, porém, disse no evento que a inflação era “transitória” e ainda se mostrava receoso em pisar no freio.

“As condições do mercado de trabalho estão melhorando, mas seguem turbulentas e a pandemia continua a ameaçar não só a saúde e a vida, como a atividade econômica”, disse Powell no simpósio daquele ano. O chairman afirmava que os preços logo iram desacelerar, justificando que a alta estava concentrada em alguns bens e havia poucas evidências de que os salários estavam dando impulso à inflação. Meses depois, a narrativa mudaria completamente, com o mercado de trabalho aquecido dando respaldo ao ciclo de aperto monetário do Fed.

O “mea culpa” de Powell

Kaian Arantes, economista internacional da Parcitas Investimentos, explica que o Federal Reserve errou ao não levar em consideração a parte da oferta na previsão da inflação. “Por esse motivo, pode ser que Powell chegue em Jackson Hole dizendo que haviam poucos estudos sobre o lado da oferta da economia”, afirma. Esse “mea culpa” deve vir acompanhado de um discurso de comprometimento com o mandato de inflação.

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Para Arantes, o chairman vai tentar desfazer a interpretação dove (menos contracionista) à qual o mercado aderiu recentemente. “Deve focar no médio e longo prazo [da política monetária] e tentar se desvencilhar da conversa de diminuir ritmo de alta de juros na próxima reunião”, diz o economista.

O discurso de Powell em Jackson Hole será a primeira fala pública do chairman a respeito da política monetária desde a última reunião do Comitê de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), em que o Fed elevou os juros em 75 pontos-base. Na ocasião, Powell deu a impressão de que a taxa não subiria nas mesma intensidade em reuniões futuras e afirmou que o Fed está percebendo sinais de desaceleração da atividade econômica.

“Desde a última reunião, os membros do Fomc tentaram reverter parte da leitura do mercado, rebatendo especulações de que a taxa de juros já pode ser cortada no início de 2023. Passaram recados, sinalizando que o Fed segue focado em convergir a inflação americana para a meta de 2,0% ao ano”, observa  Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro.

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Barbosa também acredita que, em Jackson Hole, Powell deixará em aberto a magnitude da próxima da alta de juros, até porque o Fed já disse que está sendo guiado pelos indicadores que saírem entre uma reunião e outra.

“Na semana passada, o presidente do Fed de Richmond, Thomas Barkin, afirmou que o BC americano está comprometido em convergir a inflação para a meta de 2,0% e que fará o que for necessário para alcançar essa meta. Nossa leitura é que J.
Powell passará a mesma mensagem, o que pode frustrar parte dos agentes do mercado”, diz o economista-chefe da Kínitro.

@infomoney

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“Hawkish” ou “dovish”?

Andrea Damico, da Armor Capital, também acredita que Powell “vai continuar falando grosso em relação à inflação”, no mesmo tom que utilizou na ata da última reunião do Fomc. “Que a inflação vai demorar a ceder, que houve uma queda de preço de commodities que pode ser facilmente revertida, falar da desaceleração da economia, da atividade”, afirma a economista.

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Jaime Valdivia, economista-chefe global da Galapagos, acredita ser improvável que Powell surpreenda os mercados com uma mensagem mais hawkish (contracionista). Ele observa que não há uma visão consensual entre os membros do Fed, mas há uma preocupação comum do colegiado em minimizar impactos do aperto monetário na atividade econômica.

“É improvável que Jackson Hole nos traga a mensagem de que o Fed continua trabalhando com um único mandato e de que está disposto a fazer o que for necessário para trazer a inflação à meta no horizonte relevante da política monetária através de suas ferramentas”, afirma Valdivia. A Galapagos projeta alta de 75 pontos base dos juros na reunião do Fomc, em setembro, diante dos dados de mercado de trabalho, “que permanecem muito fora do equilíbrio”.

O BofA acredita que o mercado de ativos de risco tem motivos para se preocupar com Jackson Hole. “Na nossa visão, o aumento de expectativas de preço neste verão [no hemisfério norte, que vai de fim de junho a fim de setembro] é um lembrete de que a luta contra a inflação ainda não acabou e isso deve pressionar o Federal Reserve a se manter hawkish“, dizem os analistas o banco. Na avaliação do BofA, a atual conjuntura econômica gera um risco para que o Fed seja mais agressivo na reunião de setembro.

O Goldman Sachs vai pelo viés contrário. “Esperamos que Powell reitere a desaceleração do ritmo de alta de juros, apontada em sua fala pós-reunião de julho e na minuta do mesmo encontro”, escreveram os analistas. O banco, contudo, acredita que o chairman deve equilibrar o discurso, dizendo que o Fomc permanece comprometido em reduzir a inflação e dependente dos próximos indicadores econômicos para embasar suas próximas decisões de política monetária.

O Goldman prevê que o Fed eleve os juros em 50 pontos-base na reunião de setembro e faça ajustes adicionais de 25 pontos, tanto no encontro de novembro quanto no de dezembro. O banco acredita que a taxa terminal fique abaixo de 4% (entre 3,25% e 3,5%).

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Mitchel Diniz

Repórter de Mercados