Do assédio ao controle de jornada: como questões do mundo real do trabalho serão tratadas no metaverso?

Especialistas consultados defendem criação de legislação específica para disciplinar as questões trabalhistas no novo ambiente virtual

Gilmara Santos

(Getty Images)
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O mercado de trabalho está mudando. Desde o início da pandemia, o home office e mais recentemente o trabalho híbrido começaram a ganhar destaque nas organizações. Todo este processo abriu espaço para que o metaverso começasse a se tornar realidade em muitas empresas e com ele surgem também casos de desrespeito às regras atuais.

Recentemente, uma empresária britânica relatou um dos primeiros casos de assédio sexual dentro do ambiente virtual. Na queixa, a vítima afirmou que ao entrar em um espaço do metaverso, foi apalpada por avatares masculinos.

Advogados alertam que as empresas devem ficar atentas e precisarão adotar medidas preventivas para evitar questionamentos na Justiça relacionados ao metaverso. “Muitas pessoas acham que o mundo virtual não tem conexão com o mundo real e isso não é uma verdade”, alerta o advogado Alberto Nemer, do escritório Luz, Rizk & Nemer Advogados. Apesar de não ter uma legislação específica para disciplinar o que ocorre dentro deste mundo virtual que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais, as normas atuais podem ser aplicadas dentro deste ambiente.

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Com a expectativa de aumento da utilização deste novo ambiente, especialistas consideram fundamental a criação de uma legislação específica para disciplinar, especialmente, as relações de trabalho. “A criação de uma nova legislação para regulamentar esse novo cenário é urgente. Nos próximos dois anos vamos ver muitas empresas e pessoas físicas usando essa tecnologia para diversas situações e é fundamental que esteja regulamentado”, considera o advogado Renê Koerner Urbano Vitalino Advogados. A estimativa, conforme pesquisa realizada pela Gartner e divulgada no Fórum Econômico Mundial, é que um quarto da população mundial passará pelo menos uma hora por dia no metaverso em 2026.

“Ainda não há nenhuma legislação específica que trate sobre o caso. O esperado é que, havendo o aumento de relações de trabalho no metaverso, que surjam demandas judiciais e, consequentemente, posicionamento a respeito de como se dará a aplicação da lei nestes casos”, afirma a advogada Bianca Dias de Andrade, do escritório Andrade Silva Advogados. Ela explica que se não há legislação nova, a atual, especialmente a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), continua regulando as relações de trabalho, mesmo no metaverso.

Este mundo virtual também pode contribuir para que provas de desrespeito à legislação sejam mais facilmente apuradas, já que boa parte dos contatos ficam gravados. Do ponto de vista da empresa, é possível controlar a jornada e a produtividade, por exemplo. “Não existe nada que restrinja isso do ponto de vista da legislação. E isso pode ser também um ponto positivo tanto para o empregador quanto para o empregado”, avalia Nemer.

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Direito de imagem

Além das questões trabalhistas, o direito de uso de imagem também é outro ponto que levanta debates no metaverso. “Em relação ao uso do avatar, direito de imagem e questões relativas aos dados do empregado, a empresa deverá criar mecanismos para evitar ações judiciais, seguindo estritamente as regras referentes à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como também regras básicas aplicáveis ao direito do trabalho, como a autorização para uso de imagem do funcionário mediante termo escrito”, comenta Bianca.

Kone Cesário, professora de propriedade intelectual e vice-diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comenta que o Código Civil diz que a imagem é um bem inviolável, portanto, sempre será necessário a autorização de uso de imagem do retratado no metaverso, por meio de um contrato escrito.

“A existência do universo paralelo de realidade propicia aos profissionais e aos usuários criarem, modificarem, editarem e utilizarem avatares, contudo estar na plataforma por si só não confere a ninguém nem autoriza o uso desleal ou ilegal de qualquer aplicativo. O direito de imagem e o direito autoral continuam existindo, tanto que já se vê a atuação de forma bem mais proativa na preservação do patrimônio intelectual criado e construído por qualquer ente participante”, diz a advogada Keila Freitas, do escritório Ferrareze e Freitas Advogados.

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Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.