Carros autônomos: a Waymo algum dia será um motor de geração de valor para a Alphabet?

Ter sido pioneira dá vantagem à empresa, mas não garante que chegará antes dos concorrentes ao objetivo de formar uma frota que consiga transportar passageiros de forma segura

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Na Feira Mundial de Nova York de 1939, a General Motors (GM) apresentou um carro autônomo. Tratava-se de um veículo guiado por campos eletromagnéticos controlados por rádio, gerados com pontas de metal magnetizadas embutidas na pista. Quase 20 anos depois, em 1958, a GM incorporou sensores no para-choques do carro, chamados de bobinas de captação, capazes de detectar a corrente que flui através de um fio incorporado na estrada. A corrente, então, podia ser manipulada para orientar o veículo a mover o volante para a direita ou esquerda.

Desde então, o mundo viu várias tentativas de automatização da direção de veículos e hoje várias companhias disputam para criar a primeira frota de veículos totalmente autônomos. A ideia, como ilustrado acima, não é nova. A diferença é que agora inteligência artificial (AI) e machine learning são mais capazes de resolver problemas da complexidade da direção de veículos.

A General Motors é uma dessas empresas, assim como Tesla, Honda, Ford e startups como Auto X e Baidu. Mais do que viabilizar o uso pessoal de carros que dirigem sozinhos, como parece almejar a Tesla, as demais companhias têm como objetivo criar um serviço de corridas inteiramente sustentado por carros autônomos. A ideia é que as gerações futuras nem pensem em ter carros, podendo contar com esses serviços para todas as suas necessidades de locomoção.

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Um dos pioneiros na corrida para tornar veículos autônomos uma realidade é a Waymo, fruto de um projeto para desenvolvimento de carros autônomos iniciado pela Alphabet (dona do Google), em 2009. Hoje com operações em Phoenix e em San Francisco, a Waymo oferece serviço de corridas sem motoristas, além de estar desenvolvendo projetos com caminhões.

Um veículo autônomo é capaz de reconhecer objetos através de múltiplos sensores instalados que fazem o papel de olhos e ouvidos para garantir a melhor tomada de decisão do “piloto automático”. Além disso, para que o veículo se movimente de maneira precisa e segura, é necessário que o seu software tenha mapeado vias em alta definição, de modo que tais mapas acabam sendo extremamente valiosos dentro da indústria.

Nesse campo, a Alphabet tem ampla expertise – embora o desenvolvimento de mapas em HD seja bem mais complexo do que construir as ferramentas do Google Maps.

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Além disso, machine learning tem sido amplamente utilizado, e a própria Alphabet tem uma coleção de sucessos envolvendo suas aplicações. A Waymo não foge disso: além de usar dados reais, a companhia realiza testes em ambientes virtuais, dirigindo mais de 32 milhões de milhas em um único dia, de forma que os próprios veículos da Waymo aprendem a ser “motoristas” melhores.

O slogan da Waymo é “sense, solve, go”, que pode ser livremente traduzido como “detectar, resolver, ir”. Em relação ao primeiro elemento, o veículo, com suas quase 30 câmeras, consegue “enxergar” uma distância de até três campos de futebol em todas as direções e consegue ouvir sirenes dentro desse raio. O resultado é uma tecnologia que permite perceber o entorno de forma bem precisa em questão de milissegundos, incluindo detectar e categorizar os elementos em cena: árvores, outros carros, pessoas, sinais, placas.

Ao identificar os agentes do entorno – um ciclista ou uma ambulância, por exemplo – a tecnologia calcula o comportamento mais provável baseado em coletas de dados anteriores e processamento via AI e machine learning. É nisso que consiste o “resolver”: munido das informações detectadas e cruzando estas com sua extensa base de dados, o Waymo calcula a rota mais segura. O “ir” é o mais intuitivo dos passos, o carro acessa o limite de velocidade do local no qual se encontra e transita abaixo dele.

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A Tesla usa aproximadamente 100 mil motoristas para essencialmente “ensinar” seus veículos a dirigir. O objetivo central é educar o sistema sobre o que chamam de edge cases, ou seja, casos extremos e repentinos que ocorrem na rua. Como por exemplo um pedestre abruptamente transitando entre carros, ou uma moto em alta velocidade que desvia diante de alguma intercorrência na estrada.

Os testes ainda estão encontrando dificuldades simples. Por exemplo, um prédio com uma placa vermelha em seu exterior é interpretado como um sinal vermelho e o veículo para. Por isso, a maioria das empresas tem envolvido humanos nos carros para corrigir eventuais erros ou evitar possíveis acidentes.

O órgão americano que regula segurança de estradas, a National Highway Traffic Safety Administration, registrou 400 acidentes de carros parcialmente assistidos ou autônomos em teste entre julho de 2021 e maio de 2022. Deles, 273 foram veículos da Tesla, incluindo seis fatalidades. O único outro acidente fatal registrado nesse período foi de um acidente envolvendo um carro da Ford.

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Os testes são extremamente valiosos tanto para que a companhia possa avaliar a eficácia de sua tecnologia, quanto para coletar mais dados e enfrentar novas situações que permitam melhorar seu desempenho. Nesse sentido, nos parece que duas empresas têm vantagem. Uma é a Tesla, que conta com uma frota de aproximadamente 830 mil veículos circulando. Outra é a Waymo, que por conta de seu pioneirismo, acumula mais de 32 milhões de quilômetros rodados no mundo real – contra, por exemplo, 3,2 milhões do Cruise da GM.

É importante destacar que existem cinco níveis de automação: assistência ao condutor, automação parcial, automação condicional, alta automação e automação total. Enquanto a Honda por exemplo está no nível 3, a Waymo afirma estar no nível 4. Nenhuma companhia alcançou o nível 5. Elon Musk, cofundador e CEO da Tesla, afirma, desde 2016, que o carro totalmente autônomo está muito próximo de virar realidade, tendo feito previsões anuais desde então. Hoje, Musk diz que para alcançar o veículo inteiramente autônomo, é necessário resolver o problema do AI no mundo real. Coisa que nenhum campo de conhecimento foi capaz de fazer ainda.

Como é de se esperar, essa empreitada é extremamente custosa. Entre o veículo, a tecnologia e o R&D necessário para montar um carro, estimativas apontam para um custo de US$ 200 mil por veículo da Waymo. Uber e Lyft venderam suas divisões de carro autônomo. Hoje, até onde existe informação disponível para o público, nenhuma empresa ou divisão engajada na criação de veículos autônomos gera lucro. Em maio deste ano, a GM anunciou que compraria a participação do SoftBank no Cruise por US$ 2,1 bilhões, expandindo sua fatia na companhia, e se comprometeu a fazer um investimento adicional de US$ 1,35 bilhão que o SoftBank tinha prometido fazer em 2018.

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Não está claro qual player vai alcançar o nível 5 primeiro, porém parece que os mais bem financiados largam na frente, podendo fazer mais testes e gastar mais em R&D. Nesse sentido, a Waymo se beneficia muito de estar sob o guarda-chuva da Alphabet, companhia que obtém sua receita a partir de outras atividades e pode sustentar essa divisão que gera perdas e requer alto investimento.

Ter sido pioneira neste campo confere à empresa alguma vantagem do ponto de vista da quantidade de dados coletados e testes executados, mas não garante que chegará antes da competição no objetivo final de ter uma frota de carros autônomos que consiga transportar passageiros de forma segura. Tampouco garante que conseguirá criar um negócio lucrativo a partir desses veículos, seja via comercialização deles ou via criação de serviço de transporte.

Hoje é uma divisão que proporcionalmente demanda pouco recursos da gigante americana, tem a possibilidade de transformar a forma que as pessoas se movimentam por centros urbanos e apresenta formas diferentes de integrar um futuro serviço de transporte com os demais elementos do ecossistema da Alphabet, como Android e Google Maps. Caso seja bem sucedida nesse esforço, a Waymo tem potencial para ser um motor de geração de valor para a Alphabet. Na nossa visão, trata-se de uma opcionalidade dentro do modelo do conglomerado.

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Maria Antonia Viuge

Sócia e analista sênior da Nextep Investimentos. É economista formada pela UFRJ e pela Kingston University London

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Roberto Vinhaes

Roberto Vinhaes é sócio da Nextep Investimentos. Engenheiro formado pela PUC-Rio, foi um dos fundadores da Investidor Profissional, a 1ª gestora independente de fundos do país