Líder do PT diz que Orçamento de Bolsonaro para 2023 provocaria convulsão social e defende Bolsa Família fora do teto por pelo menos 4 anos

Deputado diz que liberação de R$ 105 bilhões no Orçamento será fundamental para a recomposição de políticas públicas e garante credibilidade fiscal

Marcos Mortari

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O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2023 enviado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e que tramita no Congresso Nacional contém diversas inconsistências e, se fosse seguido à risca, poderia provocar sérios problemas econômicos e sociais ao país. É o que diz o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados.

Em entrevista concedida ao InfoMoney, o parlamentar destaca a falta de recursos reservada para políticas públicas fundamentais como a merenda escolar, o Farmácia Popular, a continuidade de obras país afora e até mesmo repasses a estados e municípios. Para ele, a manutenção do texto poderia levar o Brasil a um contexto de “convulsão social”.

“É impossível liberar apenas a complementação de R$ 70 bilhões. O Orçamento enviado por Bolsonaro é um fake. Ele falava dos compromissos durante a campanha, mas, olhando para o Orçamento enviado, ele não consegue garantir alimentação escolar. Com R$ 0,36, cinco anos de congelamento e uma inflação de alimentos que é três vezes superior a inflação geral, como alimentar nossas crianças? E isso é fundamental para o nosso aprendizado. É fundamental para o enfrentamento à desigualdade e à pobreza”, diz.

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“Como fazer ações complementares de um filho de uma mãe negra solo que precisa ficar na escola infantil, na creche ou na pré-escola, em tempo integral sem dar dinheiro aos prefeitos uma complementação ao Fundeb? Ao tornar os produtos como gasolina, energia e telecomunicações essenciais, o governo tirou R$ 90 bilhões dos estados e que mais de R$ 30 bilhões pertencem ao Fundeb. Nós podemos viver um caos federativo. E um prefeito não tem como garantir escola em tempo integral com os mesmos recursos”, complementa.

“Precisamos pensar. Não adianta fazer arranjo. Com o Orçamento que veio, o país entra no caos, em uma convulsão social. Não há dinheiro para o Farmácia Popular. Há cirurgias eletivas represadas por causa da pandemia e que estão virando doenças crônicas. Precisamos de cerca de R$ 8 bilhões. Não há previsão para a previsão da conclusão de 14.500 obras inacabadas no Brasil”, defende.

Assista à íntegra da entrevista no vídeo acima.

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Durante a conversa, Reginaldo Lopes defendeu a retirada do Bolsa Família (nome que será recuperado no lugar do Auxílio Brasil) das restrições impostas pelo teto de gastos − regra fiscal que limita a evolução das despesas públicas em um exercício ao comportamento da inflação no ano anterior − de forma permanente ou por pelo menos quatro anos.

A medida está sendo discutida no âmbito da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. A ideia de aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seria retirar todas as despesas com o Bolsa Família das restrições fiscais no Orçamento de 2023.

Isso somaria R$ 105 bilhões atualmente previstos na PLOA para garantir parcelas de R$ 400,00 pelo programa de transferência de renda. Soma-se a isso um adicional de R$ 200,00, para garantir a manutenção do benefício em R$ 600,00 (com impacto fiscal estimado em mais R$ 52 bilhões), e outros R$ 150,00 a serem pagos a famílias que tenham crianças de até seis anos (custo de R$ 18 bilhões).

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“Como economista, sei que o equilíbrio fiscal é fundamental. Eu brinco muito que juro aleija, mas a inflação mata. Então, precisamos ter um equilíbrio”, afirma o parlamentar que reforça o discurso de Lula de que suas gestões foram as que marcaram maior responsabilidade com as contas públicas no país − a despeito das reiteradas manifestações de preocupação de agentes econômicos com sinalizações recentes.

“Como cidadão, como economista e como um brasileiro que quer superar as desigualdades sociais do país, acho que toda transferência de renda deveria ser um princípio que pudesse ficar fora de qualquer regra fiscal e que pudesse fazer parte de uma combinação de metas fiscais com metas sociais. Um país como o Brasil tem que dar conta de eliminar a extrema pobreza. Lógico que isso não será feito só por transferência de renda. É preciso muitas ações complementares. Nós defendemos essa PEC que excepcionaliza a transferência de renda no Bolsa Família”, diz.

“Eu defendo que a PEC seja simples, objetiva e direta: excepcionalizar os recursos da transferência de renda para o Bolsa Família. Na minha opinião, se pudesse ser um princípio das novas regras fiscais, seria importante, porque isso é a previsibilidade, estaria garantido”, continua.

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“Agora, não é um cheque em branco, porque quem decide o montante desta política de transferência de renda é o Congresso Nacional através da Lei Orçamentária Anual. Por que é fundamental ser no mínimo de quatro anos? Porque vamos precisar de dois ou três anos para que essa política de investimentos públicos, atração de investimentos externos privados e internos privados possa promover uma retomada do crescimento econômico que, nessa travessia de dois anos, traga novamente superávit primário. Se arrumarmos um arranjo muito provisório, teremos que repeti-lo em 2024”, explica.

Questionado sobre a necessidade de um debate sobre a construção de um novo arcabouço fiscal no país, o parlamentar reconhece que há uma sobreposição de regras no Brasil. Apesar de a campanha de Lula ter prometido durante a campanha a revogação do teto de gastos, Lopes admite a possibilidade de adoção de uma regra de limitação de despesas em algumas áreas.

“Poderia deixar outras áreas sem esse teto, e, ao mesmo tempo também, encontrar algumas coisas no campo da receita”, sugere. O deputado federal também defende o fim das isenções de impostos federais para combustíveis, promovida pelo governo Bolsonaro − medida que geraria receita de R$ 50 bilhões − além de um pente fino sobre cerca de R$ 400 bilhões de benefícios tributários a setores econômicos.

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“Precisamos, com tempo, dialogando com todos os setores, ver quais realmente precisam para ter competitividade e quais não precisam.  Há setores que estão fora da curva, sobram recursos, a isenção é tão grande que é preciso criar políticas para eles aplicarem esses créditos”, diz sem citar exemplos.

Reginaldo Lopes também é favorável à instituição de uma meta de investimentos para o país, de modo a superar diversos gargalos existentes na economia nacional. A ideia seria utilizar investimentos públicos para atrair mais capital privado e fazer a roda da economia girar.

“Poderíamos combinar metas de investimentos no Brasil − talvez de 1% do PIB −, que pudessem ajudar os investimentos privados. É lógico que não adianta colocar 1% de investimento público e prejudicar hoje 20% do PIB que entram de investimentos privados. Pelo contrário, só há sentido fazer esses investimentos se for para atrair mais investimentos privados internos e externos”, argumenta.

O congressista argumenta que a posição internacional de Lula poderia ser um trunfo, casado à retomada de uma agenda ambiental no país. “É possível combinar o desenvolvimento do país e a geração de oportunidade de emprego com a proteção e a sustentabilidade. Essa é a nossa agenda que o presidente Lula vai liderar”, sustenta.

Mercado financeiro

Agentes econômicos têm manifestado preocupação com o risco de uma onda de gastos desenfreados na nova gestão − o que poderia minar os indicadores fiscais do país e aumentar a percepção de risco, gerando depreciação cambial e maior pressão inflacionária. Com um Banco Central independente, isso poderia ser traduzido em juros altos por mais tempo e mais dificuldades para crescer.

Em resposta ao comportamento do mercado, Lopes sustenta que Lula governará com responsabilidade com as contas públicas. “Em oito anos [de governo], ele fez mais de R$ 1 trilhão de superávit primário e conseguiu a maior reserva cambial da história do país (mais de US$ 350 bilhões)”, diz.

“É preciso, de uma forma ou de outra, repetir o que ele fez no passado. Nós precisamos fazer a economia voltar a crescer. Então, temos que combinar a proteção aos mais pobres, a transferência de renda, com o combate à inflação. A inflação corrói qualquer ganho social, qualquer política social e qualquer valorização do salário mínimo. E é importante também reduzir o endividamento do país, para ele não ficar vulnerável e ser um obstáculo para atrair mais investimentos”, conclui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.