‘Governo tem bala de R$ 2 tri contra especulação’, diz economista ‘pai’ da LRF

José Roberto Afonso acrescenta que há uma tensão exagerada no mercado

Estadão Conteúdo

(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

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Em entrevista ao Estadão, o economista José Roberto Afonso diz que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva não precisa de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro. Afonso, um dos “pais” da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), acrescenta que há uma tensão exagerada no mercado e avisa: o governo que entra tem “bala” de R$ 2 trilhões para enfrentar a “especulação indevida de curtíssimo prazo” em torno de um risco fiscal no novo governo. Para ele, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem de dizer ao mercado que o governo está entrando com um caixa de 17% do PIB. “Espero que tenha sido um momento de amnésia temporária. Já que não tem ministro da Fazenda, ele (Campos) tenha se confundido e esquecido que é presidente do BC.” Veja os principais trechos da entrevista:

Como avalia as negociações em torno da PEC da Transição?

O Brasil está vivendo não uma fase de transição, mas de travessia. Transição é quando só mudam as pessoas, e o Brasil vai mudar de ares. Tem a travessia política que é muito importante. O pessoal da economia está muito nervoso, ansioso, e não compreendendo esses tempos.

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Mas foi o governo eleito que decidiu apresentar uma PEC da Transição.

Vamos ser francos, o menos relevante é a parte fiscal. O que está sendo decidido com a PEC, antes de tudo, é a sucessão na Câmara e no Senado. É muito mais o Congresso se oferecendo e pedindo para mandar uma PEC do que o novo governo, em si, necessitando de uma PEC.

O governo eleito caiu, então, numa armadilha?

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O que está comandando as decisões não é a questão fiscal. Não é ainda governo. Quem tem de lidar se o mercado está nervoso, se isso vai afetar a gestão da dívida, é o Ministério da Economia e o Banco Central. Se há alguma tensão além do normal, cabe ao BC gerir o câmbio e cabe à mesa da dívida do Tesouro administrar.

Está sendo gestada uma crise econômica?

Não vejo chance de ter uma crise quando o País conta com o volume de reservas cambiais que tem. E quero alertar: o caixa do Tesouro em reais é igual ao volume de reservas. O Tesouro tem um caixa de 17% do PIB. Não consigo entender como um governo que tem um caixa desse tamanho possa ter crise.

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Como o BC poderia ajudar mais o Tesouro?

O Tesouro é o maior player. O BC ajuda alertando o mercado. Se o BC agir como o mercado financeiro, olhando só o curto prazo, e não o médio e longo prazos, vai ter prejuízos. Eu acho que está esperando definições. Cabe ao BC, sim, alertar o mercado.

Mas o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem apontado ao mercado os riscos fiscais e mostrado preocupação com as negociações da PEC.

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Espero que tenha sido um momento de amnésia temporária. Já que não tem ministro da Fazenda, ele tenha se confundido e esquecido que ele é presidente do BC. Era bom alertar que, nessa transição, vai ter um governo que está entrando com caixa de 17% do PIB. A dívida pública é alta, mas o caixa é muito alto. O governo tem bala de algo de R$ 2 trilhões para enfrentar especulação indevida de curtíssimo prazo em torno do risco fiscal.

Como avalia o andamento da transição?

Acho que o governo tem instrumentos para enfrentar a emergência social sem precisar de PEC. Se não aprovar a PEC, insisto, tem como o governo usar instrumentos legais e constitucionais. O teto já tem uma exceção para usar crédito extraordinário.

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Qual o argumento legal para uso do crédito extraordinário?

O que motiva o crédito extraordinário: guerra, calamidade pública e comoção interna. Essa fome é comoção interna. Eu prefiro muito mais o crédito extraordinário do que a PEC, porque é para resolver aquilo ali e é temporário. Emergência e imprevisibilidade estão postas.

E se o Congresso não aprovar o Orçamento de 2023 até o fim do ano?

Dá para contar nos dedos os anos em que o Orçamento foi aprovado no ano anterior. E tem regras previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para funcionamento do governo. Estão dadas as condições para o governo enfrentar a calamidade pública que é a fome.

A desconstitucionalização das regras fiscais será necessária?

Nenhum país aprova tanta emenda constitucional como no Brasil, e se judicializou toda a matéria que ela trata. O que aconteceu com o fiscal e nas finanças públicas é o retrato da falência do governo. Um governo que não governa, e um Congresso que passou a governar por emenda constitucional para tratar das grandes questões quando lhe interessa ou não, e por emenda parlamentar secreta. É o único país do mundo que tem orçamento público com dotação secreta. Isso é retrato da falência do Executivo. Não pode continuar isso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.