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O plenário da Câmara dos Deputados pode votar, nesta terça-feira (20), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. A sessão estava marcada para 9h (horário de Brasília), mas negociações entre o governo eleito e os parlamentares para garantir os 308 votos necessários para a aprovação da matéria devem atrasar os trabalhos.
O texto, aprovado pelo Senado Federal há duas semanas, é tido como prioritário pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para garantir recursos para o pagamento do Bolsa Família (programa que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) com parcelas de R$ 600,00 e um adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos, além de reajuste real do salário mínimo e outros compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.
A PEC, protocolada em acordo com o governo eleito pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que também é relator-geral do Orçamento de 2023, sofreu modificações durante sua tramitação.
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Inicialmente, aliados de Lula defendiam a retirada integral do Bolsa Família em versão “turbinada” por tempo indeterminado do teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à inflação acumulada no ano anterior.
Somente essa medida geraria R$ 175 bilhões em despesas às margens da âncora fiscal. Como o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023 encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao parlamento reservava R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil (o suficiente para honrar parcelas de apenas R$ 400,00 mensais), este é o espaço aberto pela PEC dentro do teto.
O montante e o prazo foram considerados exagerados por parlamentares, que pressionaram por ajustes que ocorreram, em alguma medida, durante a tramitação no Senado Federal. A versão encaminhada à Câmara dos Deputados desidratou em R$ 30 bilhões o alcance da proposta original. Os parlamentares também preferiram manter o Bolsa Família no teto de gastos e adicionar R$ 145 bilhões aos limites previstos para a regra fiscal em 2023 e 2024.
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A medida foi entendida por agentes econômicos como controle mais previsível para as contas públicas no período, já que qualquer incremento nos pagamentos ou aumento no número de beneficiários teria que ser acomodado dentro da regra fiscal em disputa com outras despesas.
O texto também abre a possibilidade de um adicional de até R$ 23 bilhões em investimentos públicos em situações de “excesso de arrecadação”, tendo referência o comparativo entre o resultado obtido pelo governo e a projeção da peça orçamentária.
Como parâmetro, o texto estabelece que os valores não poderiam superar 6,5% da arrecadação superou as previsões da lei orçamentária em 2021. Inicialmente, a medida entraria em vigor apenas a partir de 2023, mas uma mudança no texto a partir do parecer do senador Alexandre Silveira abre a possibilidade de o instrumento ser usado ainda neste ano.
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A medida pode ajudar o governo Bolsonaro em meio aos bloqueios orçamentários em meio à falta de recursos em áreas fundamentais e até evitar o risco de ter suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)– o que poderia gerar consequências administrativas.
Ao aumentar o espaço fiscal, abre-se margem na peça orçamentária para despesas com saúde e educação, em políticas públicas como o programa Farmácia Popular, a merenda escolar e a construção de casas populares a partir da retomada do Minha Casa Minha Vida. O governo eleito também promete um reajuste real do salário mínimo logo para o primeiro ano de gestão.
O espaço pode ser ainda maior, considerando que o texto prevê que despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da federação ou entidades privadas, também seriam excluídas do teto.
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Isso também vale para gastos com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, no âmbito do Poder Executivo, custeadas por recursos de doações.
Entraram na lista, ainda, recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais que tiveram como origem desastres ambientais. Um exemplo seria um possível acordo em que a Vale compensaria a União pelo desastre de Mariana.
Na mesma linha, o texto exclui do teto de gastos despesas custeadas com recursos oriundos de operações financeiras com organismos multilaterais dos quais o Brasil faça parte, destinados a financiar ou garantir projetos de investimento em infraestrutura, constantes do Plano Integrado de Transportes e considerados prioritários por órgão colegiado do setor.
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O parecer aprovado pelos senadores introduz dispositivo que força o novo governo a encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta de novo arcabouço fiscal até 31 de agosto de 2023. Inicialmente, o relator da matéria no Senado Federal, Alexandre Silveira (PSD-MG), estabeleceu prazo até o fim daquele ano, mas cedeu às pressões de parlamentares para encurtar.
De acordo com o texto, o presidente da República deverá enviar um projeto de lei complementar para a instituição de regime fiscal sustentável inspirado na PEC 34 de 2022 “com o objetivo de garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.
Outro ponto incluído no relatório foi a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU) até o final de 2024, permitindo ao governo remanejar verbas orçamentárias.
O texto prevê desvinculação de até 30% da arrecadação da União “relativa às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data”.
A versão encaminhada pelos senadores também exclui do escopo de incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM) as doações destinadas, no âmbito do Poder Executivo da União, a projetos socioambientais ou aos destinados a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e às instituições federais de ensino (IFEs).
A PEC retira, ainda, restrições impostas pelo teto de gastos sobre despesas de instituições científicas custeadas por receitas próprias. Inicialmente, o parecer abria a exceção apenas para a Fundação Oswaldo Cruz, mas ampliou o escopo para o setor.
Outro ponto aprovado foi a inclusão do programa Gás dos Brasileiros no “waiver” fiscal (ou seja, na licença para gastar). Desta forma, não será preciso observar, em 2023, as limitações legais quanto à criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental, inclusive quanto à necessidade de compensação.
O relator da PEC da Transição na Câmara dos Deputados é o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado do presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL).
Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, o texto precisa ser submetido a dois turnos de votação e alcançar maioria de pelo menos 3/5 (ou seja, 308 dos 513 votos) em cada um. Caso haja modificações de mérito na versão analisada pelos senadores, o texto precisa voltar para o Senado Federal ou seria necessário um “fatiamento” para a promulgação dos pontos em comum.
Faltam apenas dois dias para o início formal do recesso parlamentar e o governo Lula corre contra o relógio para destravar a proposta na casa legislativa. Uma das dificuldades enfrentadas consiste na pressão de deputados por espaços no novo governo antes de votar o texto.
Outro elemento que deve influenciar na votação da matéria envolve duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). A primeira, de autoria do ministro Gilmar Mendes, abriu a possibilidade para o Bolsa Família ser bancado com recursos de precatórios que deixarão de ser pagos devidos às novas regras (Emenda Constitucional 114, de 2021) e com créditos extraordinários.
A decisão de Gilmar Mendes muda os termos da negociação entre a equipe de Lula e o parlamento. Mas o despacho não libera o volume de recursos pedido pelo novo governo na PEC (hoje em até R$ 168 bilhões) e não atende a janela temporal desejada (de pelo menos dois anos).
Já na segunda, o pelo plenário da Corte declarou, por 6 votos a 5, a inconstitucionalidade das emendas de relator (RP9). O instrumento ficou conhecido como “orçamento secreto”, em razão da ausência de transparência na autoria dos pedidos, das dificuldades de monitoramento da aplicação dos recursos e da alegada violação do princípio da impessoalidade entre os parlamentares. A iniciativa tem potencial de alterar a correlação de forças em Brasília e provocou forte incômodo entre congressistas.
Outras pautas
O plenário da Câmara dos Deputados também poderá votar, nesta terça-feira, o PL 3792/19, da deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), que cria o selo “Empresa Amiga da Mulher” para premiar empresas que adotem práticas voltadas à inclusão profissional de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
De acordo com o parecer preliminar da deputada Erika Kokay (PT-DF), para poderem receber o selo as empresas devem atender a três critérios ao mesmo tempo:
- Reservar um mínimo de 2% das vagas para a contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, garantido o anonimato dessa condição;
-
Possuir política de equidade de gênero na ocupação dos cargos da alta administração; e
-
Adotar práticas educativas e de promoção dos direitos das mulheres e de prevenção da violência doméstica e familiar.
Meação de bens
Outra proposta da bancada feminina pautada é o Projeto de Lei 201/22, da deputada Norma Ayub (PP-ES), que proíbe a meação de bens para o condenado por homicídio doloso ou sua tentativa contra o cônjuge.
Atualmente, regra semelhante já é aplicada pelo Código Civil, mas apenas no caso de partilha da herança, o que não abrange o regime de comunhão universal de bens, quando todos os bens do casal, adquiridos antes e depois do matrimônio, pertencem a ambos.
Nesse regime, o cônjuge sobrevivente é somente meeiro dos bens, não possuindo a qualidade de herdeiro, e fica com metade de todos os bens.
Segundo o substitutivo aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, da deputada Elcione Barbalho (MDB-PA), os bens particulares trazidos para o casamento ou para a união estável pela vítima, independentemente do regime de bens, serão excluídos da meação quando o cônjuge ou companheiro sobrevivente tiver sido autor, coautor ou partícipe de tentativa ou de homicídio doloso contra ele.
Crianças no exterior
Já o Projeto de Lei 565/22, da deputada Celina Leão (PP-DF), define condições sob as quais a Justiça brasileira será desobrigada de ordenar o retorno de crianças e adolescentes ao país estrangeiro de residência habitual caso haja indícios de existência de violência doméstica naquela localidade.
O texto aponta como indícios dessa situação denúncia no país estrangeiro de prática de violência doméstica, apresentada em órgãos administrativos ou judiciais; medidas protetivas solicitadas ou determinadas no país estrangeiro; e laudos médicos ou psicológicos produzidos no país estrangeiro.
(com Agência Câmara de Notícias)