Além do impacto para petroleiras, imposto sobre exportação abre precedente bem negativo (inclusive para outros setores)

Analistas de mercado viram anúncio como bastante negativo e esperam por reação das companhias do setor

Lara Rizério

Publicidade

Os anúncios feitos na véspera pelo governo sobre a reoneração dos combustíveis mostraram que o tema não representava um risco apenas para a Petrobras (PETR3;PETR4), mas sim para outras petroleiras (nacionais e internacionais) e até para outros setores.

O governo anunciou uma Medida Provisória (MP), com prazo de quatro meses, com recomposição parcial dos tributos federais para gasolina e etanol e também um imposto de exportação de 9,2% para o petróleo bruto. Esta última medida levou a uma forte reação do setor na Bolsa e, segundo analistas, deve levar também a uma forte reação das empresas de petróleo e gás nos próximos meses.

Com a notícia, ontem, as ações de 3R Petroleum (RRRP3), PRIO (PRIO3) e PetroReconcavo (RECV3) tiveram queda forte, de até 9%, acentuada na reta final do pregão. PRIO3 caiu 9,04%, a R$ 33,70, enquanto 3R teve perdas de 6,97%, a R$ 36,41, e RECV3 teve baixa de 6,01%, a R$ 28,30. A Enauta (ENAT3), por sua vez, teve perdas mais tímidas, baixa de 1,85%, de R$ 13,78. Os papéis da Petrobras (PETR3;PETR4) também caíram, com as ações PETR3 fechando com queda de 4,39%, a R$ 28,75, enquanto PETR4 caiu 3,48%, a R$ 25,24, com outras questões no radar. 

Continua depois da publicidade

Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, concederam entrevista coletiva e anunciaram a MP, com prazo de quatro meses, com recomposição parcial de tributos federais a partir de hoje: R$ 0,47 o litro para gasolina (parcialmente compensado pela redução de R$ 0,13 o litro para o preço da Petrobras equivale a um aumento líquido de R$ 0,34 por litro) e R$ 0,02 o litro para o etanol.

Diesel, GLP e querosene de aviação permanecem com zero impostos federais até o final de 2023. Ausente de novas ocorrências, em quatro meses, os impostos federais sobre gasolina e etanol serão totalmente restabelecidos.

Como os impostos não foram totalmente restabelecidos, o governo federal criou uma nova fonte de receita para custeá-lo: os impostos sobre as exportações de petróleo bruto.

Continua depois da publicidade

A referida MP instituiu 9,2% de tributos sobre a exportação da commodity. Em 2022, o Brasil exportou cerca de 500 milhões de barris (cerca de 1,35 mil barris por dia).

A Petrobras não é uma grande exportadora de petróleo bruto (ainda que conte com cerca de 40% do total das exportações brasileiras) porque a maior parte é consumida internamente em suas refinarias. Assim, outras empresas brasileiras e internacionais pagarão, proporcionalmente, uma fatia maior dessa conta do que a Petrobras.

Considerando 125 milhões de barris, a cerca de US$ 80 o barril preço de venda, câmbio a R$ 5,20, e 9,2% de taxa de imposto, os analistas da XP projetam R$ 4,8 bilhões de faturamento para o governo nestes quatro meses (enquanto Haddad citou arrecadação de R$ 6,6 bilhões).

Continua depois da publicidade

Os analistas do Bradesco BBI fizeram uma análise de sensibilidade para entender o impacto nas empresas do setor.

No geral, de acordo com os analistas do BBI, a Petrobras seria a menos afetada, enquanto a PRIO seria a mais impactada. Para cada 1 ponto percentual de um imposto de exportação perpétuo, o preço-alvo da casa para a PRIO cairia 1,6%, 0.9% para 3R, 0,75% para PetroReconcavo e 0,5% para a Petrobras.

Assumindo que o imposto fixo de exportação de 9,2% seja permanente (para os analistas, o Congresso perpetuar a medida é o maior risco) e com a projeção de um preço a longo prazo do petróleo brent de US$ 70 o barril, o preço-alvo para os ADRs (recibo de ações negociados na Bolsa de NY) PBR, equivalente ao ordinário, cairia para US$ 9,50 (queda de 10% frente o último fechamento). Para PRIO3, cairia de R$ 51 para R$ 44, de RRRP3 sairia de R$ 103 para R$ 91 e de RECV3 de R$ 46 para R$ 32. Ainda assim, restaria um upside de 26% para PRIO, de 147% para 3R e de 12% para PetroReconcavo.

Continua depois da publicidade

Excluindo a Petrobras, os analistas ainda veem potencial de valorização para as outras companhias, mesmo assumindo uma taxa perpétua de exportação.

O sentimento para o setor deve se deteriorar significativamente, pois outros aumentos de impostos também poderiam ser implementados com a narrativa de uma “agenda verde”, como na Colômbia. Assim, dentro do universo de empresas brasileiras, o banco tem agora como top pick a Vibra (VBBR3).

Os analistas do BBI, por enquanto, mantiveram as estimativas para as petroleiras até verem o resultado final da medida provisória, mas destacam o aumento do balanço de riscos.

Continua depois da publicidade

Para o Morgan Stanley, o imposto temporário de exportação de petróleo, o maior impacto não é o financeiro para os produtores de petróleo no Brasil, e sim a abertura de um precedente muito negativo. O uso do setor de petróleo por governos anteriores como uma ferramenta para superar o déficit fiscal e conter a inflação teve um impacto extremamente negativo para a Petrobras anteriormente, afirma.

O Morgan aponta que, dentro do seu universo de cobertura, Petrobras, PRIO e Enauta seriam as ações mais afetadas, pois são as maiores exportadoras. A PetroReconcavo e a 3R seriam as menos afetadas, já que vendem principalmente no mercado doméstico.

Petrobras teria impacto de R$ 3,75 bilhões (US$ 722 milhões), ou 1,3% de sua estimativa de lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) para 2023.

A PRIO teria impacto de R$ 226 milhões (US$ 43 milhões), ou 2,8% da sua estimativa de Ebitda para 2023; já a Enauta sofreria impacto de R$ 64 milhões (US$ 12 milhões), ou 3,5% da sua estimativa de Ebitda para o ano.

A contribuição restante do imposto de exportação viria de empresas internacionais que operam no Brasil, seja como operadora direta ou como parceiras da Petrobras em seus campos de petróleo (Shell, Total, Galp, CNOOC, Petronas, Equinor, Repsol, entre outras).

O Credit Suisse destaca que a indústria representa cerca de 13% do PIB do Brasil e, a princípio, refinarias devem se beneficiar por comprar petróleo cru mais barato, pelo menos temporariamente.

Segundo as contas do banco, a PRIO, que produz cerca de 80 mil barris por dia, deve ter um impacto negativo de US$ 75 milhões para o Ebitda, ou cerca de US$ 50 milhões pós-impostos, caso a medida seja realmente de apenas 4 meses. Dentro de um cenário de extensão para um ano inteiro, o valor chegaria a US$ 225 milhões, cerca de 15% do Ebitda da empresa. Caso o governo decida partir para “perpetuidade” da taxa de exportação, o preço-alvo do banco suíço para PRIO sairia de R$ 42 para R$ 35.

A Petrobras deve ter um impacto de US$ 650 milhões no Ebitda ou US$ 430 milhões pós-impostos. Olhando para o ano inteiro, o impacto seria de US$ 2 bilhões e, se perpetuado o imposto, chegaria a um preço-alvo de US$ 14 por ADR, queda de 13%.

Clima negativo 

Para o Morgan Stanley, além do imposto em si, um movimento tributário arbitrário pode ser muito negativo para o clima de investimento upstream (exploração e produção de petróleo).

“O setor de petróleo upstream no Brasil tem sido um motor de investimentos diretos nacionais e estrangeiros, apoiado em uma estrutura regulatória estável e um regime tributário estável. Embora a implementação de um imposto de exportação de petróleo não interfira nos contratos de concessão ou no ambiente regulatório, levanta uma bandeira amarela na frente tributária”, avaliam os analistas.

Os governos anteriores usaram a Petrobras como uma ferramenta de política monetária, para tentar ajudar o país a controlar a inflação e equilibrar as contas fiscais, o que levou a empresa a problemas financeiros, destaca o banco. Embora o Ministério da Fazenda tenha apresentado o imposto sobre as exportações de petróleo como caráter temporário, também mencionou que agora o Congresso vai debater esse tema, à luz do tema da transição energética.

“Em nossa opinião, existe a possibilidade de que o Congresso opte por manter os impostos sobre combustíveis no nível atual e estender o imposto de exportação de petróleo por um período muito mais longo, ou potencialmente decidir aplicar uma taxa mais alta do que os atuais 9,2%. Uma extensão do imposto de exportação, ou um potencial aumento acentuado na alíquota do imposto, poderia afetar material e negativamente o plano de investimento de produtores privados nacionais e internacionais de petróleo no Brasil”, avalia.

Na avaliação da XP, o que aconteceu ontem foi um “temor que se tornou realidade”.

“Já tínhamos visto risco político não só para a Petrobras, mas também para as empresas juniors sob nossa cobertura (por temores de aumento de tributação no setor). Por isso recomendamos exposição a ações internacionais de óleo e gás e até na própria commodity (para quem tem mandato para isso, pois também temos presenciado mais tributação para empresas de O&G em outras jurisdições)”, ressalta, citando que ontem o setor teve forte liquidação. Vale lembrar que a 3R poderia ter registrado um movimento positivo após a aprovação da ANP sobre a aquisição da Potiguar (o Ibama agora é a etapa final necessária para fechar a aquisição, movimento que vemos como um passo muito importante para reduzir o risco do case).

Para os próximos quatro meses, a XP espera que as empresas de petróleo e gás no Brasil façam uma corrida para armazenagem, pois tentarão adiar ao máximo as exportações, esperando que esses impostos não se tornem permanentes (o que pode frustrar as expectativas do governo em relação às receitas).

Também citando que a PRIO provavelmente sofrerá mais, seguido pela Petrobras e com impactos moderados para 3R ou Petroreconcavo, a XP também avalia que não é um trimestre de impostos que muda os termos para os investidores: é a percepção dos riscos que estão por vir.

Os analistas da casa esperam uma reação feroz das empresas de petróleo e gás nos próximos quatro meses contra esta proposta, nos debates que irão ocorrer no congresso.

“Acreditamos que o argumento de menos investimento em E&P [Exploração e Produção] pode pesar na decisão do governo”, avalia.

Enquanto isso, vários membros do governo continuam alegando que a política de Paridade de Preços de Importação (PPI) da Petrobras é a culpada, o que só eleva as dúvidas sobre a manutenção da mesma.

“Essa política vai mudar quando o governo eleger uma novo Conselho de Administração e diretoria para a estatal? Acreditamos que mais passos serão necessários: principalmente mudanças na Lei das Estatais (13.303) e no Estatuto da Petrobras (o que provavelmente provocaria reações de minoritários e discussões na CVM sobre o debate de abuso de poder de controle versus interesse público nas empresas estatais no Brasil)”, avalia a XP.

Neste sentido, os analistas acreditam que a percepção de risco para investir em ações de petróleo e gás no Brasil aumentou após os eventos de ontem, mesmo que os impostos de exportação não se tornem permanentes nos próximos quatro meses.

“No entanto, vimos que uma grande parte (cerca de 40%) dos efeitos de perpetuidade de um imposto de exportação de petróleo de 9,2% já foram precificados ontem”, avaliam, mantendo, por enquanto, as projeções para as companhias do setor. “Como antes, continuamos gostando de uma estratégia de igual peso entre as três companhias juniores sob nossa cobertura, mas agora, ainda mais do que antes, gostamos de diversificar a exposição de óleo e gás com outras ações no exterior e na própria commodity”, afirmam.

Conforme destaca a Reuters, o imposto sobre vendas externas de uma commodity também foi considerado um sinal preocupante para outros setores do Brasil, grande exportador de matérias-primas, como soja e minério de ferro.

“Maneira fácil de conseguir dinheiro, mas abre um precedente perigoso para outros setores”, disse o professor da PUC-Rio Edmar de Almeida, à Reuters. O segmento do agronegócio, por exemplo, demonstrou anteriormente preocupação sobre taxação de exportação de produtos como a soja, o que vem sendo descartado pelo Ministério da Agricultura.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.