20 fundos de renda fixa que passaram ilesos pelo estresse no mercado após o caso Americanas

Fundos, que têm baixa ou nenhuma exposição a crédito privado, renderam acima do CDI nos 45 dias que se seguiram à revelação do problema contábil

Neide Martingo

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Um tsunami chamado Americanas (AMER3) – e outros tremores secundários, como os de Light (LIGT3), Oi (OIBR3), Marisa (AMAR3) e até CVC (CVCB3) – fez acontecer o que muitos investidores consideravam impossível: os fundos de renda fixa sofreram, e alguns chegaram a apresentar retorno negativo nas semanas que se seguiram.

Mas a crise de confiança que se instalou entre os investidores levou muitos deles a colocar em xeque inclusive fundos de renda fixa que não investem (ou investem pouco) em debêntures e outros papéis emitidos por empresas – e que, portanto, passaram ilesos pelo pior momento do mercado de crédito até aqui.

Um levantamento exclusivo da plataforma Trademap, feito a pedido do InfoMoney, mostra os fundos de renda fixa que tiveram melhor rentabilidade nos 45 dias que se seguiram à revelação do escândalo contábil de Americanas, em 11 de janeiro.

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Nesse período, enquanto o mercado cogitava as possibilidades de fraude no balanço auditado da varejista, os credores tentavam negociar e as ações despencavam na Bolsa, houve fundos de renda fixa que renderam mais de 3,70% – contra os ganhos acumulados de 1,43% na taxa do CDI (principal indicador de retorno da renda fixa).

Dos 20 fundos de renda fixa com retorno mais alto no período, nenhum rendeu menos de 2%. Segundo os dados da Trademap, nenhum é fundo de “crédito privado”, classificação atribuída pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) às carteiras livres para destinar 50% ou mais dos investimentos para papéis de renda fixa emitidos por empresas.

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O levantamento considerou os fundos de renda fixa com 100 cotistas ou mais, menos os fundos que são exclusivos e os restritos a investidores qualificados.

Confira a lista de 20 fundos de renda fixa com maior rentabilidade entre 11 de janeiro e 22 de fevereiro:

Fundo Gestor  Retorno entre 11/01 e 22/02/23 (%) Nº de cotistas em 11/01/23 Nº de cotistas em 22/02/23 Variação do nº de cotistas Patrimônio em 11/01/23 (R$ mil) Patrimônio em 22/02/23 (R$ mil)
Nc RF Exclusive Novus Capital Gest Rec. Ltda. 3,74 10.776 9.817 -959 670.652 615.138
Novus RF Exclusive Selecao Itau Dtvm S.A. 3,71 414 370 -44 63.690 45.487
Kinea IPCA Dinamico Kinea Invest. Ltda. 2,76 7.068 6.844 -224 1.813.583 1.922.108
Itau Kinea IPCA Dinamico Itau Dtvm S.A. 2,74 30.305 31.719 1.414 1.821.724 1.926.355
Kinea IPCA Dinamico II Advisory Kinea Invest. Ltda. 2,74 2.485 2.774 289 53.028 64.641
Sulamerica Retorno Total Sul América Invest. Gest Rec. S.A. 2,43 8 276 268 29.876 45.596
Caixa FI Brasil Idka Caixa DTVM S.A. 2,30 960 939 -21 6.886.992 6.875.218
BB Prev RF BB Gest. Rec Dtvm S.A 2,28 984 967 -17 7.344.235 6.898.511
Infinity Select Infinity Asset Manag. Adm Rec. Ltda 2,24 5.510 5.036 -474 313.166 282.513
Infinity Tiger Alocacao Dinamica Infinity Asset Manag. Adm Rec. Ltda 2,21 667 598 -69 77.870 72.983
Banrisul Foco Idka IPCA Banrisul S.A. Corr. Val. Mob e Câmbio 2,18 1.130 1.107 -23 871.953 879.773
Sul America Juro Real Sul América Invest. Gest Rec. S.A. 2,16 747 773 26 23.048 25.906
Infinity Lotus Infinity Asset Manag. Adm Rec. Ltda 2,14 571 604 33 95.203 98.794
Wa Imab5 Ativo Western Asset Manag Comp. DTVM Ltda. 2,12 7.745 7.537 -208 438.714 425.376
Itau Kinea Dakar Itau Dtvm S.A. 2,11 107 103 -4 1.725 1.779
Banrisul Rpps Banrisul S.A. Corr. Val. Mob e Câmbio 2,09 149 149 0 360.213 367.884
BB Prev RF BB Gest. Rec Dtvm S.A 2,09 322 338 16 2.772.567 2.846.422
Porto Seguro Ima-B5 Porto Seguro Invest. Ltda 2,08 160 153 -7 194.895 194.948
Orama Inflacao Órama DTVM S.A. 2,07 2.290 2.361 71 33.093 33.401
BB Prev RF Ima BB Gest. Rec Dtvm S.A 2,06 775 765 -10 5.637.328 5.560.101

Fonte: Trademap

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Sem crédito na carteira

O fundo com maior rentabilidade no período, de acordo com o ranking da Trademap, foi o NC RF Exclusive, da Novus Capital, que rendeu 3,74%. Em segundo lugar está o Novus RF Exclusive Seleção, que investe na primeira carteira, com rentabilidade de 3,71%.

Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor responsável pelo fundo, explica que não há títulos privados na carteira. “O fundo pega ciclos de política monetária no Brasil e no mundo, com movimentos de juros e de inflação internos e externos”, detalha. “O que aconteceu é que, nesse período, o fundo se beneficiou de um movimento de alta dos juros nos Estados Unidos e na Europa”.

No Brasil, diz Portella, a discussão de revisão de metas da inflação travada entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Banco Central deu origem a uma operação na curva de juros: o fundo tomou juros com vencimento longo e vendeu com vencimentos curto.

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A gestora Western Asset entrou na lista com o WA IMAB5, que ofereceu rentabilidade de 2,12% no período. O fundo é composto apenas de títulos públicos atrelados ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que pagam juros reais mais a variação da inflação, com prazo de vencimento de até cinco anos. Não há exposição a crédito privado.

“As opções foram os prefixados e a inflação implícita, que adicionaram valor ao longo desse período. O fundo, basicamente, é composto por NTN-Bs [títulos chamados de Tesouro IPCA+ no Tesouro Direto] com prazo de até cinco anos e também por papéis atrelados à taxa de juros”, diz Maurício Lima, superintendente de produtos da Western Asset.

Os fundos da SulAmerica Investimentos – o SulAmerica Retorno Total (com rentabilidade de 2,43% no período) e o SulAmerica Juro Real Curto (com rentabilidade de 2,16%) – também têm apenas títulos públicos na carteira.

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A geração de retorno veio de estratégias de risco de mercado, de acordo com Getulio Turatti Ost, gestor do SulAmerica Retorno Total. “A leitura interna feita sobre o mercado indicava risco por conta da discussão da meta de inflação. Além disso, houve o debate sobre o arcabouço fiscal e há os dados econômicos nos Estados Unidos vindo mais fortes, que levam a um juro americano eventualmente mais alto”, explica.

Essa avaliação levou a SulAmerica a trabalhar com posições tomadas (compradas) em juros nominais nos 45 dias considerados no levantamento. “Esse foi o principal fator de risco que levou a SulAmerica a essa geração de retorno excedente”, diz.

A Infinity Asset aparece na lista com três fundos: Infinity Select, Infinity Tiger e Alocação Dinâmica FIRF, e o Infinity Lotus FIRF, com rentabilidades de 2,24%, 2,21% e 2,14%, respectivamente. Os três fundos replicam a mesma estratégia, mas estão fechados para resgate desde fevereiro, após aumento expressivo dos resgates – que se seguiu à perda do selo da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) pela gestora em dezembro de 2022.

Resgates, apesar do desempenho

O caso Americanas tirou a paz de muitos investidores. Diante da turbulência, pelo sim, pelo não, houve cotistas que preferiram resgatar suas economias dos fundos de renda fixa, em geral vistos como produtos de risco limitado.

O NC RF Exclusive, da Novus Capital, por exemplo, perdeu mais de 900 cotistas depois da revelação do caso Americanas, até o dia 22 de fevereiro – mesmo sem ter exposição aos papéis emitidos pela empresa.

Na visão de Portela, há duas razões para isso. “O fundo não teve performance muito boa em novembro e dezembro, ficou quase no zero a zero. Isso e, em parte, a crise da Americanas, podem ter influenciado o investidor, que resolveu sair”, diz.

O desespero nos momentos críticos do mercado pode levar a prejuízos. Para Rodrigo Sgavioli, head de alocação e fundos do research da XP, não é indicado resgatar em um momento de pânico. “Antes de qualquer coisa, lembre porque você investiu nos ativos e faça uma análise mais profunda sobre alguns dos critérios utilizados para investir”.

Segundo Sgavioli, na maioria dos casos, os momentos de desespero são resultados de uma má precificação – ou seja, o mercado vislumbra tantos riscos que não consegue atribuir o preço justo aos ativos. Acaba “pecando pelo excesso”, ou seja, desvalorizando mais do que deveria.

“Isso significa que sempre é momento de comprar? Não, mas isso sem dúvida não é motivo para vender”, detalha o especialista.

Ele avalia que a pior performance de uma classe, por conta de um movimento pontual e não sistêmico, não deveria ser motivo para resgatar os ativos. “O mercado é cíclico e esses movimentos vão acontecer diversas vezes em inúmeras classes de ativos. Por isso, o importante é ter um portfólio balanceado, com capacidade de gerar retornos positivos em um horizonte a longo prazo”, diz.

Sgavioli explica que o momento atual é mais desafiador para investir em crédito privado em geral, em linha com um pior cenário econômico. No entanto, épocas mais difíceis também oferecem a possibilidade de adquirir ativos com preços mais atrativos – mas uma análise aprofundada é ainda mais importante nessas ocasiões.

Perspectivas para a renda fixa

A renda fixa é apontada como porto seguro em tempos de volatilidade. Mesmo assim, casos como o da Americanas e de outras empresas costumam assustar.

Para Portella, da Novus, o mercado está entrando num período mais difícil, no Brasil e no exterior: rumo à recessão. “É o momento em que é preciso monitorar o crédito mais de perto. Os investidores devem ficar mais seletivos com relação a esses ativos”, diz. “Algumas empresas que estão alavancadas vão sofrer, então é importante acompanhar”.

A taxa de juros, de 13,75% ao ano, deve permanecer em patamar elevado por um período razoável. E alguns eventos, especialmente o da Americanas, foram pontuais – não há uma deterioração sistêmica. Essa é a opinião de Lima, da Western Asset. “As companhias parecem bem posicionadas para atravessar esse período, que não vai ser fácil. Há uma série de casos acontecendo, mas muitos já são bastante antigos”, ressalta.

Para Lima, o mais importante para o crédito privado é ter um portfólio diversificado. “Nunca coloque todos os ovos na mesma cesta. E é importante também sempre lembrar de nunca colocar todas as cestas na mesma prateleira. Se a prateleira cair, tudo vai ao chão”.

Ost, da SulAmerica, aposta também no sucesso da renda fixa neste ano, por conta das altas taxas de juros. “A única classe que captou dinheiro foi a renda fixa. E isso deve continuar”, diz. “A perspectiva é de que os fundos de renda fixa terão uma performance boa até o fim do ano”.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney