Arcabouço fiscal: fim de punição e de obrigação de contingenciamentos devem ser pontos menos pacíficos do texto, segundo analistas

Levantamento também mostra que especialistas veem possibilidade de inclusão de "gatilhos" automáticos em caso de descumprimento das metas estabelecidas

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

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Dois dos pontos mais polêmicos do projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) tratam da flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e devem sofrer resistências durante as discussões sobre o texto pelos parlamentares.

A avaliação é de analistas políticos consultados na 44ª edição do Barômetro do Poder, levantamento feito mensalmente pelo InfoMoney com consultorias de risco político e analistas independentes sobre alguns dos principais temas em discussão na política nacional.

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O levantamento, realizado entre os dias 25 e 28 de abril, ouviu especialistas sobre as expectativas em relação à aprovação de 9 pontos presentes na versão original da proposta entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional.

Dos itens testados, apenas os 2 que tratam especificamente da LRF foram vistos com baixas chances de avançar ao longo da tramitação do texto. Ambos dizem respeito ao que especialistas chamam de “enforcement” (ou a ausência dele) na nova regra fiscal – ou seja, mecanismos que induzam o cumprimento efetivo do que foi estabelecido.

Pelo projeto de lei complementar, caso o objetivo de resultado primário definido pelo próprio governo não seja atingido, não haverá enquadramento em infração. O texto determina apenas que o presidente da República encaminhe mensagem ao Congresso Nacional, até 31 de março do exercício seguinte, com as razões para o descumprimento e medidas de correção. Com isso, fica afastado o risco de impeachment presente no atual modelo.

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Além disso, a proposta torna facultativa, e não mais obrigatória (como atualmente prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal), a realização de contingenciamentos bimestrais, caso se verifique ao longo do exercício orçamentário sinais de provável descumprimento da meta.

O Barômetro do Poder mostrou que apenas 21% dos analistas políticos consultados veem chances altas de o primeiro item ser aprovado. Já no caso do segundo, o grupo cai para 14%. Já os que veem probabilidade baixa de avanço dos itens no Congresso Nacional somam 50% e 43%, respectivamente.

Considerando uma escala que vai de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a probabilidade média atribuída pelos especialistas entrevistados para a aprovação de cada um dos pontos foi de 2,71 em ambos os casos.

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Por outro lado, os analistas políticos veem boas chances de aprovação para a regra que estabelece um intervalo de 0,6% a 2,5% para o crescimento real das despesas de um ano para outro (85%); a limitação do “bônus” de investimentos, em caso de resultado primário acima do estabelecido, a R$ 25 bilhões de 2025 a 2028 (64%); a regra que limita a evolução de despesas a 70% do aumento de receitas no exercício anterior (64%).

Também há uma discussão no mercado e entre parlamentares sobre as exceções à regra de limite de despesas apontada pelo projeto de lei complementar. Pelo texto do governo, há 13 categorias de gastos que não precisam responder ao novo marco fiscal criado.

A maior parte delas já estava presente na regra do teto de gastos, mas foram incluídas transferências para o cumprimento do piso nacional da enfermagem, precatórios parcelados ou com deságio, precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), participação de estados e municípios nas concessões florestais e na alienação de imóveis da União, e despesas relativas à cobrança pela gestão dos recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

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Existe ainda a possibilidade de aumento de capitais de companhias estatais não financeiras e não dependentes da União, que poderiam tornar a conta ainda mais elevada e incerta.

Alguns parlamentares consideram um exagero das excepcionalidades, que se aproximam da marca de R$ 550 bilhões, e tenta convencer os pares de enxugar o texto. Deputados da base governista, no entanto, são resistentes a reduzir as exceções previstas.

O Barômetro do Poder mostrou que metade dos analistas políticos consultados veem chances altas ou muito altas de as 13 exceções serem mantidas no texto pelos parlamentares. Outros 43% atribuem probabilidade regular, ao passo que apenas 7% acreditam que este ponto será retirado durante a tramitação no Legislativo.

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No meio do caminho das apostas ficaram a definição de todos os parâmetros (como metas, projeções, bandas de tolerância e fatores de ajuste) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (50%); e a interpretação de que a regra definirá meta de resultado primário apenas para o primeiro ano de exercício do governo, sendo para os seguintes apenas “projeções” (57%).

O levantamento também testou a percepção dos especialistas sobre a possibilidade de inclusão no texto de “gatilhos” automáticos, que poderiam ser acionados em caso de descumprimento das metas estabelecidas. Para 57%, são elevadas as chances de o texto caminhar para essa direção ao longo da tramitação no Congresso. Outros 43% veem probabilidade regular. Nenhum especialista considera o movimento improvável.

Quanto ao tom da versão final do texto, caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, 47% esperam poucas mudanças de mérito em relação ao que foi encaminhado pelo Poder Executivo. Já 33% acreditam que o texto será mais duro em termos fiscais e de “enforcement”, e 20% esperam uma versão mais branda.

“O Congresso deve facilitar a aprovação do novo arcabouço fiscal, mas deve impor ao governo regras mais rígidas para o controle das contas em relação à proposta inicialmente apresentada”, disse um analista.

“A CPI e as votações do funding do Arcabouço Fiscal vão aumentar o poder do Congresso (Lira, Pacheco, centrão) sobre o governo”, pontuou outro especialista.

Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 11 consultorias políticas – BMJ Consultores Associados, Control Risks, Dharma Political Risk & Strategy, Empower Consultoria; Eurasia Group; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas; Ponteio Política; Prospectiva Consultoria; Pulso Público; e Tendências Consultoria Integrada – e 4 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); Claudio Couto (EAESP/FGV) e Thomas Traumann.

Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e dos comentários.

Clique aqui para ter acesso à íntegra do levantamento.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.