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A Americanas (AMER3) entregou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 13, documentos com trocas de e-mails que indicam que a diretoria tinha uma versão falsa do balanço da empresa para ser apresentada ao Conselho de Administração e ao mercado. As mensagens também trazem indícios de participação das empresas de auditoria PriceWaterhouseCoopers (PwC) e KPMG na elaboração de documentos com redações favoráveis à empresa.
Os bancos Itaú (ITUB4) e Santander (SANB11) são apontados como responsáveis por suavizar o texto das cartas de circularização, usadas como parte da auditoria, em relação aos financiamentos para o pagamento de fornecedores conhecidos como “risco sacado”.
O CEO da varejista, Leonardo Coelho, citou à CPI trocas de e-mails entre os auditores da KPMG e a diretoria da Americanas nas quais a intenção era amenizar os termos da carta da auditoria sobre os resultados da companhia. O texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas” foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”. Coelho explicou que a troca foi estratégica: a primeira versão precisaria ser comunicada ao Conselho de Administração; a segunda não necessariamente traria essa exigência.
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Sobre outra troca de e-mails, desta vez entre a PwC e a diretoria da Americanas, Coelho diz que o documento carece de contexto, mas que pode indicar que a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado de forma que as operações não ficassem tão claras. Nas imagens apresentadas, é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa.
O texto inicialmente dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas forfeit, confirming, risco sacado ou securitização de contas a pagar”.
Com a sugestão, a versão ficou: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a companhia opera possuem qualquer anuência da companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da companhia”.
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Outro documento apresentado por Coelho mostra o ex-diretor Timotheo Barros perguntando a um colega de diretoria: “Como estamos com bancos para retirar das cartas a informação das operações com fornecedores, vida/morte para nós?”
As trocas de e-mail também sinalizam mudanças no texto dos bancos em suas cartas de circularização, a pedido da empresa, para suavizar registros das operações de crédito que eram reportadas de forma errada pela companhia em seu balanço. São apresentadas versões de cartas do Itaú e do Santander.
Fraude nos resultados
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Coelho afirmou aos parlamentares que as operações de risco sacado serviram para criar um caixa compatível com os resultados inflados que a companhia gerava.
“A fraude é uma fraude de resultados”, afirmou o executivo. A companhia, diz, forjava um Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) maior do que o real. Segundo e-mail trocado entre o ex-executivo Marcelo Nunes e a ex-diretora Anna Saicali, a companhia apresentou Ebitda negativo de R$ 733 milhões em 2021. No entanto, a versão chamada “visão conselho”, que é igual à apresentada ao mercado, mostrava Ebitda de R$ 2,885 bilhões.
Para gerar o caixa correspondente aos resultados inflados, a companhia usou essas linhas de crédito para pagamentos de fornecedores. Com o crédito, o caixa ficava compatível com os números falsos de resultados, mas ainda faltava esconder a dívida.
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Em uma troca de mensagens, o ex-diretor Timotheo Barros escreveu que a companhia não podia apresentar ao mercado um endividamento superior a 3,3 ou 3,5 vezes seu Ebitda, pois isso seria uma “morte súbita” para a empresa.
Como não poderia mostrar alto endividamento, a solução foi usar documentos falsificados de supostas verbas de publicidade para reduzir essas dívidas e seu balanço, explicou o atual CEO. Em imagens entregues à CPI, Coelho mostrou que esses contratos de verbas publicitárias tinham assinaturas falsificadas.
Quanto ao suposto envolvimento do Conselho de Administração e dos acionistas de referência da companhia (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), Coelho afirma não haver provas. “Documentos a que temos acesso hoje não mostram envolvimento de acionistas”, disse.
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Ele afirmou que os resultados inflados da companhia geraram pagamento de dividendos aos acionistas da companhia, inclusive os de referência, além de bônus à diretoria da companhia e pagamento de tributos à União.
Porém, ele detalha que, ao longo de dez anos, o trio de acionistas recebeu cerca de R$ 750 milhões em dividendos, mas aportou na empresa, só nos últimos anos, R$ 2,3 bilhões. Assim, o saldo de investimentos seria muito superior ao ganho com dividendos gerados pela fraude.
Coelho disse que o documento mais antigo a que se teve acesso relativo à fraude na companhia é de 2016 e que a empresa está revendo os números dos últimos cinco anos de sua operação. Calcula-se que a varejista tenha pago R$ 3,6 bilhões em juros de operações de crédito de risco sacado ao longo dos anos em que as fraudes aconteceram.
Outro lado
Em nota, a KPMG afirmou que “por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma”.
Também em nota, a PwC disse que “não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional”.
O Itaú Unibanco declarou que “as cartas de circularização, que são instrumento de apoio aos trabalhos de auditoria, até 2017, traziam o saldo integral das operações de antecipação contratadas por fornecedores, denominadas “risco sacado”. A partir de 2018, após discussões de mercado, a carta de circularização foi restringida para refletir apenas as operações contratadas diretamente pela Americanas, com a exclusão do saldo das operações de antecipação contratadas por fornecedores.
Por outro lado, como medida de transparência, foi adicionado o parágrafo que alertava para a realização de operações de antecipação de recebíveis emitidos contra a Americanas, permitindo que as empresas de auditoria conhecessem sua existência e questionassem sobre seu saldo, caso necessário.
“O Itaú reforça que a elaboração das demonstrações financeiras é responsabilidade exclusiva da companhia e de seus administradores. É leviano atribuir a terceiros a responsabilidade pela fraude, confessada pela companhia ao mercado no dia de hoje”, diz em nota.
O Santander disse que a própria Americanas ressaltou os “esforços da diretoria anterior para ocultar do mercado a real situação de resultado e patrimonial da companhia”.
“Isso, por si só, comprova taxativamente que a única e exclusiva responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é da Americanas, por intermédio da sua antiga diretoria. O Santander acrescenta que as cartas de circularização são apenas uma entre muitas fontes de auditoria e que sempre informou integralmente todos os saldos das operações da companhia no Sistema Central de Risco, mantido pelo Banco Central, que inclusive poderia ser fonte de auditagem”, afirmou o banco.