Falar sobre dinheiro, partilha de bens, tutela dos filhos e outros direitos de herdeiros pode ser algo muito difícil no momento da perda de um ente querido. Por isso, é muito importante pensar desde cedo nessas questões, e o planejamento sucessório é a melhor forma de deixar organizada a vida financeira e pessoal da família e de quaisquer outros beneficiários.

Além de manifestar a vontade de quem partiu, esse processo serve para evitar ou reduzir as chances de possíveis disputas por bens e direitos no futuro. No entanto, é preciso conhecer os diferentes instrumentos de planejamento sucessório e saber como utilizá-los de acordo com cada contexto.

Pensando nisso, o InfoMoney elaborou este guia com os principais aspectos e peculiaridades sobre o tema que você precisa conhecer. Contamos também com a orientação de Viviane Vasques, advogada especializada em direito de família e empresarial e sócia do escritório Xavier Vasques Advogados Associados, em Porto Alegre (RS). Se você já está pensando em organizar o seu patrimônio para o futuro, ou se já o fez e tem dúvidas ou gostaria de rever algumas decisões, continue a leitura a seguir.

O que é planejamento sucessório?

Podemos definir planejamento sucessório como um conjunto de medidas legais que uma pessoa toma para deixar organizadas questões relativas ao seu patrimônio e a outras vontades que deseja ver realizadas depois de sua morte. 

Muitas vezes, a sucessão é lembrada somente quando existem bens a dividir entre herdeiros e beneficiários. No entanto, o planejamento patrimonial é somente um dos aspectos considerados no processo sucessório, conforme veremos no item seguinte.

Para que serve o planejamento sucessório?

Em relação ao patrimônio, o planejamento sucessório é uma forma de reduzir custos que incidem sobre a herança, como tributos ou gastos com inventário. Além disso, ao deixar claro a vontade do falecido, ele pode mitigar possíveis desavenças por disputas de bens entre os familiares.

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Mas há outros aspectos importantes que não dizem respeito diretamente aos bens, como os relacionados à gestão de uma empresa (definição de quem assumirá o negócio), ou mesmo à tutela dos filhos, por exemplo.

“Digamos que um pai ou uma mãe, que cria sozinho os filhos, tem um problema de saúde e sabe que pode vir a faltar em breve. Nesse caso, mesmo que não haja patrimônio a herdar, ele pode fazer um testamento determinando quem terá a tutela dos menores”, explica a advogada.

Outra situação pode envolver a distribuição da parte patrimonial que cabia por direito a quem morreu.

“Desde que cada um receba a sua parte por direito, os pais podem privilegiar algum filho na partilha de bens. Ou seja, podem destinar a ele um valor acima do que a lei lhe garante, sem penalizar os outros herdeiros. Esse é um exemplo de manifestação de vontade no planejamento sucessório, que vai além da simples divisão dos bens”, observa.

Como fazer um planejamento sucessório?

Segundo Viviane, o primeiro passo para um planejamento sucessório é entender quais os efeitos que as decisões tomadas podem ter na vida da pessoa e dos seus dependentes. Como diferentes áreas podem ser impactadas nesse processo, o ideal é contar com profissionais do direito que trabalhem de forma multidisciplinar, para que se possa obter uma orientação mais ampla.

“Quem decide doar um imóvel, precisa saber que existe um imposto que incide sobre doações, e um advogado tributarista pode orientar o processo. Dependendo do patrimônio envolvido, pode ser mais vantajoso constituir uma empresa do que dividir os bens entre pessoas físicas. Nesse caso, além do tributário, já entram questões do direito empresarial. E, nos casos que envolvem tutela, é fundamental a participação de um profissional do direito de família”, exemplifica a advogada.

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Ou seja, o sucesso desse tipo de planejamento dependerá da integração entre todos esses aspectos. Quanto mais suporte especializado, menores serão as chances de impactos negativos que possam ocorrer por conta de decisões erradas.

Dito isso, vejamos agora alguns dos instrumentos mais utilizados no planejamento sucessório e patrimonial.

Testamento

O testamento nada mais é do que um documento no qual a pessoa expressa a sua vontade em relação ao que gostaria que acontecesse após a sua morte. Como vimos, ele pode conter aspectos que vão além de questões patrimoniais, desde que não extrapole disposições legais.

Para Viviane, esse é um dos melhores instrumentos de planejamento sucessório, justamente porque contém uma vontade e porque ele pode ser reversível (veremos a importância disso mais adiante). Embora o documento precise estar dentro dos limites da lei, ele pode versar sobre aspectos que dizem respeito somente ao testador – pessoa que faz o testamento.

“Não são raros os casos em que uma pessoa sem dependentes gostaria de retribuir algo a quem não tem direito a sua herança legalmente. Nessa situação, um testamento pode ser uma boa alternativa para deixar clara essa vontade”, diz a advogada.

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Existem duas formas de elaborar um testamento, que são a pública e a particular. O testamento público é feito na presença de um tabelião e precisa de duas testemunhas; já o particular (ou privado) dispensa o tabelionato e deve ter três testemunhas. Ambos são válidos juridicamente, porém o público é mais seguro, pois fica arquivado em uma central de testamentos, ao passo que o documento particular é guardado com a própria pessoa que o criou. Logo, as chances de extravio ou perda são bem maiores.

Sobre o melhor formato, Viviane explica que ambos podem ser contestados, mas, normalmente, o público cumpre mais corretamente os requisitos legais, justamente porque é feito mediante um tabelião.

“Seja qual for o formato, é sempre importante ter o acompanhamento de um profissional na hora de elaborar um testamento. O tabelião até pode validar os requisitos formais de um documento público, mas, para que não seja invalidado, o texto não pode extrapolar os limites legais, e quem faz essa avaliação é um advogado”, explica.

Quanto aos custos, atualmente a estrutura de um testamento (emolumentos do tabelionato) pode sair de R$ 500 a R$ 2.000, dependendo do que será disposto no texto. Já os honorários do advogado seguem a tabela da OAB, que pode ir de 2% a 8%, de acordo com o patrimônio e da complexidade do caso. 

Doação

Outra maneira de transferir o patrimônio aos beneficiários é por meio de uma doação em vida. Nesse caso, a lei determina que metade dos bens sejam preservados para os herdeiros necessários, como cônjuge e filhos, e os 50% restantes podem ser dispostos de acordo com a vontade do proprietário.

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Lembrando que, na transferência de bens imóveis, há cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), cujas alíquotas variam de acordo com cada estado. De forma geral, os percentuais costumam ficar entre 2% e 4% do valor do imóvel, podendo haver casos de isenções, de acordo com os valores dos bens.

A doação em vida não entra no inventário e, por isso, facilita a sucessão patrimonial. E, quando ela é feita com reserva de usufruto, o doador pode continuar usufruindo do bem até a sua morte ou pelo tempo que determinar.

Previdência privada

Normalmente, a previdência privada costuma ser lembrada somente quando pensamos em garantir um complemento para a aposentadoria do INSS. No entanto, ela pode ser um bom instrumento de planejamento financeiro para outras ocasiões, inclusive na sucessão patrimonial.

Na prática, o funcionamento dos planos de previdência privada se divide em duas fases. Na primeira, chamada de fase de acumulação, o investidor faz aportes regulares no fundo para formar as suas reservas financeiras. Na segunda, ocorre o resgate do valor investido ao longo dos anos (acrescido dos juros), que pode ser de uma vez só ou sob a forma de uma renda mensal.

Teoricamente, a previdência privada não entra no inventário, ao contrário de outros investimentos. Por isso, acaba sendo bastante utilizada para fins de planejamento patrimonial, com o objetivo de custear os gastos que os herdeiros terão com todo o processo de partilha. Porém, isso não se aplica se ela for contratada fora dos limites legais, como explica Viviane:

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“Imagine que o contratante tenha feito um plano de previdência privada para beneficiar alguém que não é herdeiro, ou mesmo um herdeiro além dos limites da lei. Dependendo dos valores envolvidos, isso pode ser entendido como uma intenção de fraudar o inventário e, nessa situação, a previdência pode sim ser incluída na partilha”, alerta a advogada.

Seguro de vida

Assim como os planos de previdência privada, o seguro de vida não tem nenhuma relação com o inventário, e não precisa cobrir somente os dependentes do segurado. De acordo com as coberturas contratadas, os valores também podem ser utilizados ainda em vida em casos de doenças graves ou acidentes, por exemplo.

Outra vantagem do seguro de vida é a rapidez de pagamento a quem recebe a indenização. Segundo profissionais da área, depois do envio da documentação e parecer positivo da seguradora, os recursos são pagos em até 30 dias de forma geral.

Para fins de planejamento patrimonial, também se recomenda que o seguro de vida contemple os gastos estimados do inventário. Nesse sentido, Viviane observa que prever essas despesas é mais importante ainda quando alguns dos bens que entram na partilha possuem ônus ou alguma irregularidade. Para exemplificar, citou o caso de uma família que, entre os muitos imóveis herdados, alguns tinham dívidas tributárias, e outros, inquilinos inadimplentes.

“O patrimônio imobiliário da família era enorme, mas eles não tinham nenhuma liquidez, nem para pagar as custas processuais da partilha. Se houvesse um seguro de vida, tudo poderia ter sido resolvido rapidamente”, orienta a advogada.

Holding patrimonial

Basicamente, a holding patrimonial é uma pessoa jurídica que tem o objetivo de administrar bens – no caso do patrimônio pessoal, ela também é chamada de holding familiar.

Quando esse formato jurídico é criado, todos os bens e direitos que formam o patrimônio de uma família (ativos financeiros, imóveis, participações societárias, entre outros), passam a pertencer à holding. Isso faz com que o processo sucessório fique mais simples e menos custoso, pois em vez de dividir os bens, são atribuídas cotas aos beneficiários correspondentes ao valor que cada um tem direito a receber.

Uma das situações nas quais as holdings são uma boa alternativa é quando a família recebe expressivos valores de aluguéis de imóveis. Se o recebimento ocorre na pessoa física, dependendo do valor, a alíquota do Imposto de Renda pode chegar a 27,5%. Mas se esses imóveis estiverem em nome da holding familiar, o imposto devido fica entre 11% e 13% do aluguel recebido.

Porém, é preciso fazer contas para saber quando uma holding pode proporcionar vantagens financeiras. Como pessoa jurídica, ela precisará cumprir obrigações legais que envolvem custos com contabilidade e administração dos bens, por exemplo. Logo, para quem não tem um grande patrimônio, pode não valer a pena arcar com toda essa estrutura.

Fundos exclusivos

Os fundos exclusivos são bastante utilizados no planejamento sucessório de grandes fortunas, pois para investir neles é preciso ter R$ 10 milhões ou mais de patrimônio.

Assim como outros fundos de investimento, os exclusivos também precisam de uma gestão profissional e de registro junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e à Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Porém, ele permanece sempre com o mesmo titular, pois as suas cotas não são negociadas no mercado secundário. Além disso, os gastos com a sua criação e manutenção ficam totalmente a cargo do investidor. 

Uma grande vantagem dessa estrutura é a isenção do come-cotas – a antecipação do Imposto de Renda que ocorre duas vezes por ano. Como o tributo só incide no resgate, o patrimônio dos fundos exclusivos não sofre a redução semestral dos fundos abertos.

Leia também: O que é come-cotas e como funciona a cobrança?

Estruturas internacionais

Quem tem bens no exterior, pode utilizar estruturas como trusts ou offshores, que permitem a transmissão do patrimônio para os beneficiários no Brasil.

As offshores são mais conhecidas, pois já constam no ordenamento jurídico brasileiro há bastante tempo. Normalmente, elas são abertas em países com algum tipo de tributação favorecida – os chamados “paraísos fiscais”. Embora o nome seja associado a práticas ilegais com certa frequência, o que pode tornar uma offshore ilícita são os recursos que ela movimenta lá fora, e não o formato jurídico em si.

Por sua vez, os trusts não são regulamentados no Brasil, o que acaba gerando certa insegurança quanto à tributação que incide no momento da distribuição do patrimônio para os beneficiários. Outra diferença em relação às offshores é que um trust não é uma empresa, e sim um contrato que visa exclusivamente dispor sobre o patrimônio pessoal, no sentido de proteger os bens e reduzir a carga tributária quando houver a transferência do patrimônio (ou de seus rendimentos) aos beneficiários.

Leia mais: Trust ou offshore: qual estrutura é melhor para investir no exterior

O que é preciso conter no planejamento sucessório?

Como vimos, o planejamento sucessório pode contemplar diversos aspectos, e cada caso terá exigências específicas. Segundo Viviane, tudo dependerá do tipo de planejamento que se deseja fazer, se é pontual ou se vai mexer em toda a estrutura da vida da pessoa e de sua família. Por isso, o principal alerta da advogada é para um item que não pode faltar nesse processo, que é a possibilidade de reversão da decisão

“Em um planejamento sucessório, é fundamental pensar que as condições de vida podem mudar com o passar do tempo. Se isso acontecer, precisa haver alguma flexibilidade para que a pessoa não fique refém de uma decisão tomada no passado e que já não faz mais sentido”, alerta.

Para exemplificar, citou um caso recente que atendeu, de uma senhora sem herdeiros, que tinha um bom patrimônio e desejava deixar tudo para a pessoa que a estava cuidando. A sua ideia era doar parte dos bens ainda em vida, como forma de agradecimento.

“Expliquei para a cliente que, embora louvável, essa decisão teria riscos, pois se a cuidadora viesse a falecer antes dela, quem desfrutaria do patrimônio seriam os seus dependentes. Não que isso seja errado, mas, nesse caso, a doação não estaria atendendo ao desejo da cliente, que era doar para quem a estava cuidando. Então, sugeri um testamento, que pode ser modificado a qualquer momento”.

Outro exemplo de situações passíveis de mudanças com o tempo são as relacionadas a filhos. Pode ser que um casal sem filhos se separe, e que um ou ambos venham a ter filhos posteriormente. Ou ainda, depois que um casal tem filhos biológicos, decide pela adoção. Tudo isso mexe com a estrutura patrimonial da família e, portanto, precisa haver previsão para que um planejamento sucessório possa ser alterado.

Como escolher entre os tipos de planejamento sucessório?

Na verdade, todas as formas que vimos podem ser complementares em um processo de sucessão. Ou seja, alguém pode doar um imóvel em vida e deixar um testamento que trate sobre outros bens ou somente sobre a tutela dos filhos. Assim como quem tem um trust ou uma offshore pode fazer uma previdência privada ou seguro para facilitar a vida dos herdeiros, que terão gastos com inventário. No planejamento sucessório, o principal é procurar contemplar todas as variáveis envolvidas, e isso se torna mais fácil com uma orientação especializada.