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Há muito ceticismo entre os economistas de bancos e do mercado financeiro sobre a possibilidade de o governo conseguir zerar o déficit primário em 2024 e a projeção de arrecadação adicional de R$ 168 bilhões contida no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é uma prova disso. Os especialistas argumentam que há muita incerteza se os valores estimados pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento são factíveis, especialmente porque eles dependem de negociações políticas no Congresso, além de os próprios cálculos prévios estarem sendo questionados.
Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, afirma que o próprio valor de R$ 168 bilhões em novas receitas já é uma prova de quão longe a trajetória natural da receita está da trajetória de despesa dentro do arcabouço.
“Considerando que é muito improvável um ajuste significativo do lado da despesa, há uma série de dúvidas sobre a viabilidade deste pacote de medidas. Estas dúvidas decorrem, entre outras coisas, do prazo para aprovação no Congresso, viabilidade política, e da magnitude daquelas que não precisam de Congresso”, afirma.
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Ele cita como exemplo a estimativa de R$ 96,7 bilhões em de receitas vindas de acordos de renegociação de dívidas e contenciosos, como Carf, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da própria Receita Federal.
Bittencourt compara com o caso do programa de recuperação fiscal (Refis). Ele lembra que, se forem somados 2013 e 2014, os dois maiores anos de arrecadação de Refis, que eram processos muito mais simples de renegociação de dívida, trazendo a valores de hoje, a conta chegaria a uma receita de pouco mais de R$ 60 bilhões. “Ou seja, é uma receita de renegociação 50% maior do que a soma dos dois maiores anos de arrecadação”, compara. “E mais, em grande medida, receitas ‘one-off’, que não estarão lá em 2025, quando o governo promete um superávit de 0,5% do PIB.”
Por isso, ele acredita que, nesse quadro, é bem possível que se rediscuta a meta de déficit zero na tramitação da LDO, que é o instrumento oficial de definição da meta e ainda tem um longo processo até ser aprovada no Congresso.
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“Agora, como quase 2/3 do pacote de medidas não precisam passar pelo congresso, tornou-se mais viável aprovar LDO e LOA este ano com a meta zero e voltar a rediscutir o tema da meta em 2024”, pondera o economista da ASA Investments.
Claudia Moreno, economista do C6 Bank, também vê uma grande incerteza grande em relação às arrecadações extras projetadas. “Primeiro, porque algumas delas ainda não foram aprovadas, precisam passar no Congresso para valerem para o ano que vem. Além disso, tem algumas medidas que é difícil saber o quanto vai se conseguir arrecadar”, comenta. Daí vêm as grandes diferenças entre a estimativa do governo e de várias casas de investimentos, afirma.
Ele considera que o caminho apontando pelo governo, de tentar zerar o déficit primário e 2024 é bom, mas bastante desafiador. A projeção do C6 Bank é de um déficit primário perto de 1% em 2023 e uma redução em 2024.
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Meta em risco
A XP Investimentos divulgou um relatório nesta quinta-feira detalhando as diferenças entre a receita esperada pelo governo e o que parece ser mais provável. “Vemos uma arrecadação potencial em torno de R$ 85 bilhões. Destacamos, por exemplo, a alta incerteza relacionada à receita da mudança do voto de qualidade do Carf, já que a proposta final aprovada pelo Congresso prevê uma série de descontos de multas e juros, além da possibilidade de pagamento parcelado em 12 vezes, por meio de compensação de prejuízo fiscal de CSLL sem limite ou com precatórios”, diz o texto.
Outras medidas tendem a passar por alguma desidratação no Congresso Nacional. “A tributação de fundos exclusivos, por sua vez, deve ter a alíquota aplicada ao estoque reduzida de 10% para 6%, enquanto a extinção da JCP deve sofrer forte resistência política”, afirma a XP.
Além disso, algumas medidas propostas requerem maiores esclarecimentos, afirma o relatório. Segundo informações disponibilizadas pela imprensa, o pacote deve incluir medidas como “transações em teses de alta controvérsia”, que já estariam contempladas no PL do Carf, e a extensão da “transação tributária para a RFB”, que poderia ser feita por norma infralegal.
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“Essas medidas arrecadariam, em conjunto, algo em torno de R$ 42 bilhões. Contudo, ressaltamos o alto grau de incerteza de ambas, dada a ausência de maiores informações. Assim, fica inviável considerá-las nesse momento”, alerta a XP.
Com isso, são apontados três riscos para o atingimento da meta zero no próximo ano. O primeiro é já citada resistência política contra medidas de aumento de arrecadação, como no caso da MP do Carf e dos fundos offshores, que acabaram caducando e tiveram de ser reencaminhadas como projetos de lei com alterações que reduziram a arrecadação potencial.
O segundo risco é de consegui uma receita efetiva abaixo das estimativas, como no caso da exclusão do ICMS na base de PIS/Cofins, a qual se esperava uma elevação de R$ 4,5 bilhões por mês na arrecadação desses tributos que, até o momento, não apareceu nos dados da Receita Federal. Por fim, a XP cita a possibilidade de uma deterioração do cenário macroeconômico, que pode levar a perdas de arrecadação significativas em outras fontes, mais que compensando o ganho a ser obtido pelas medidas.
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Para a XP, a entrega do Orçamento nesta quinta-feira não encerra a discussão se o governo vai ou não alterar a meta de resultado primário para o próximo ano. “A LDO ainda não foi formalmente aprovada no Congresso. No limite, pode haver um acordo para o Congresso não aprovar a LDO nos próximos meses enquanto as medidas que aumentam a arrecadação tramitam”, diz o relatório.
No caso de essas medidas não serem aprovadas, a XP lembra que o governo teria opção mandar uma mensagem modificativa, um processo relativamente simples, alterando a meta e o orçamento.
“Caso a LDO seja aprovada antes, será necessário encaminhar um novo projeto de lei (PLN), algo mais complexo e custoso, mas ainda assim factível. É possível inclusive altera a meta durante a execução do orçamento, no próximo ano, mas o impacto adverso dessa opção é mais elevado.”
“Estimativas rasas”
Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, é outro economista colocar em dúvida as projeções extra de receitas da PLOA. “Há muito ceticismo com esse número, dado que hoje temos ‘certo’ apenas R$ 52 bilhões. O saldo precisa de aprovações complicadas e ainda com estimativas rasas, como por exemplo JCP, ICMS e Carf. Hoje acho pouco factível”, define.
O grande desafio que se coloca, segundo Jorge, é que um corte de gastos não está no cronograma do atual governo, portanto será na receita que o tema precisará resolvido. “A questão é qual será o custo para a sociedade e empresas”, indaga.
No limite, destaca o sócio da Quantzed, uma deterioração fiscal poderia até fazer com que o ciclo de cortes de juros iniciado pelo Banco Central termine antes do previsto. Ou até que o BC seja obrigado a subir os juros no ano que vem. “Este cenário ainda é distante, mas não é descartável.”
Danilo Igliori, economista chefe da Nomad, por sua vez, lembra que os R$ 168 bilhões extras em receitas tributárias superar até os R$ 130 bilhões que estavam no radar há poucas semanas.
Ele também diz ter dúvidas sobre a possibilidade de a arrecadação prevista ocorrer, especialmente em medidas como o voto de qualidade do Carf, a regulamentação da subvenção do ICMS e nova tributação de fundos (exclusivos e offshores). “Além da necessidade de aprovação no Legislativo, a dependência quase exclusiva do desempenho das receitas torna a proposta arriscada. A economia tem que funcionar como o esperado em muitas frentes”, defende.
Igliori considera que a PLOA apresentada pelo governo é muito dependente do crescimento expressivo de receitas. Com isso, o risco de não atingir os resultados pretendidos é considerável, uma vez que, mesmo com todas as iniciativas sendo aprovadas no Legislativo, existem muitas variáveis que fogem ao controle do governo por trás da dinâmica tributária.
“Neste sentido, vale lembrar, por exemplo, o alerta feito pelo presidente do BC sobre a possibilidade de corrosão da base tributária. Além disso, deixamos de aproveitar a oportunidade de usar o capital político de um novo governo para discutir de forma mais aprofundada a estrutura de despesas públicas”, critica.
“Independentemente da visão que se tenha sobre o papel do Estado, é muito difícil discordar de que temos muito a fazer com relação à qualidade do gasto público no Brasil”, pondera.