Cifras trilionárias estão distantes da realidade da maioria dos investidores, mas fazem parte do dia da maior gestora de ativos do mundo: a BlackRock.
A empresa administra cerca de US$ 9,4 trilhões de recursos pertencentes (dados de abril de 2023) a pessoas físicas e a bancos centrais, passando por grandes corporações mundiais. Para se ter uma ideia, toda a indústria de fundos brasileira totalizou R$ 7,75 bilhões (cerca de US$ 1,55 bilhão, com o dólar a R$ 5), segundo dados da Anbima. A gigante dos investimentos também detém participações em big techs como Google, Apple, Meta, Amazon, além de potências farmacêuticas, empresas de commodities e de serviços financeiros ao redor do mundo.
Mas não para por aí: a megagestora também é referência em inteligência artificial, graças ao investimento pesado na área que seu fundador e CEO, Larry Fink, conduziu ao longo dos anos. Parece que não há setor que a BlackRock não alcance com seus tentáculos: ESG e, mais recentemente, os criptoativos, também estão no radar da companhia. Tudo isso reflete a enorme diversificação dos negócios, presentes em mais de 100 países e que, até novembro de 2023, tinha quase 20 mil funcionários.
A seguir, saiba mais sobre a titã do mercado financeiro.
O que é a BlackRock?
A BlackRock é uma gestora de ativos que investe em diversos mercados do mundo, e tem como carro-chefe os ETFs (Exchange Traded Funds) da marca iShares. Seu portfólio também contempla fundos de gestão ativa, gestão patrimonial para grandes fortunas e investimentos alternativos, como private equity e fundos de hedge (proteção).
Desde 2009, ocupa a liderança na gestão de ativos, seguida pela Vanguard e com praticamente o dobro de recursos sob gestão que a Fidelity, terceira colocada do ranking.
Atualmente, a maior parte dos recursos administrados pela BlackRock são de clientes institucionais, como governos, fundos de pensão ou fundos soberanos. Mas também há muitos investidores individuais que possuem seus ETFs, cada vez mais populares no mundo todo, inclusive no Brasil. Por aqui, o BOVA11, SMLL11 e IVVB11 – que replicam, respectivamente, o Ibovespa, o Índice Small Cap e o S&P 500, estão entre os mais conhecidos da gestora.
Como surgiu a BlackRock?
Tudo começou em 1988, quando Larry Fink, na época com 35 anos, precisava recomeçar depois de sérios problemas na carreira. Para entendermos o contexto, precisamos retroceder alguns anos antes da criação da BlackRock.
Larry Fink ganhou reconhecimento no mercado financeiro principalmente por causa de operações com lastro em hipotecas. No início dos anos 80, ele conseguiu trazer para o banco First Boston (adquirido pelo Credit Suisse em 1988) aportes de cerca de US$ 1 bilhão. A boa performance fez o executivo crescer na instituição e assumir, em pouco tempo, o cargo de diretor administrativo – logo logo, seu nome já começava a ser cotado para a presidência.
Porém, em 1986, um erro na avaliação de risco o fez causar um prejuízo de US$ 100 milhões para o banco. Com a reputação abalada no mercado e sem o apoio dos colegas, Fink pediu demissão tempos depois.
Em 1988, conheceu Stephen Schwarzman, que, anos antes, havia fundado a BlackStone ao lado de Peter G. Peterson, ex-CEO do Lehman Brothers. Naquele ano, foi criada a BlackStone Financial Management, uma gestora de investimentos com foco em operações com hipotecas – o mesmo mercado que faria o Lehman sucumbir 20 anos mais tarde.
O objetivo da BlackStone era entregar aos clientes a melhor gestão de riscos possível. Fink, que saiu abalado da experiência no First Boston, decidiu que nunca mais faria uma operação financeira se não entendesse totalmente os riscos envolvidos. O sucesso da parceria foi praticamente imediato: após começar com uma captação de US$ 5 milhões, a empresa alcançou os US$ 20 bilhões de recursos administrados em 1993.
No entanto, depois de algum tempo, desentendimentos por causa da divisão acionária e estratégia do negócio causaram o “divórcio” da dupla. Juntamente com outros sócios, Fink saiu da sociedade e, em 1994, fundou a BlackRock.
Crescimento acelerado
Fink finalmente havia reconquistado a confiança do mercado. A BlackRock despontou com a mesma velocidade de sua parceria anterior e, em pouco tempo, já era uma das maiores empresas de Wall Street. Finalmente, em 1999, veio a abertura de capital, quando levantou US$ 375 milhões no IPO (oferta pública de ações).
Em 2006, a fusão com o banco de investimento Merrill Lynch (que depois viria a ser adquirido pelo Bank of America) adicionou US$ 500 bilhões aos ativos da BlackRock. Mas o episódio que confirmou de vez sua dominância no mercado financeiro foi a crise de 2008, a mais severa desde a Grande Depressão.
A bolha imobiliária que estourou nos EUA e atingiu diversos outros países expostos ao subprime (créditos de alto risco) poderia ter causado estragos maiores se não fosse o socorro da gestora. Fink sempre teve uma boa relação com o governo americano, tendo sido colega de faculdade de alguns membros do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA). Essa proximidade ao longo dos anos fez com que, desde o início, a BlackRock ganhasse a confiança das autoridades monetárias.
Por isso, quando precisou intervir no sistema financeiro para evitar uma quebradeira geral dos bancos, o Fed recorreu à gestora. Primeiramente, pediu que analisasse os contratos lastreados em hipotecas do Bear Stearns e determinasse o valor dos ativos lastreados. De acordo com a Vanity Fair, a BlackRock avaliou o portfólio do banco de investimentos em um dia e bateu o martelo: os ativos valiam US$ 30 bilhões.
Logo depois, quem contratou a BlackRock para o mesmo trabalho foi a AIG, desta vez para avaliar a sua carteira de swaps de crédito, que totaliza quase US$ 80 bilhões. Posteriormente, o Fed viria a assumir essas operações, pois a seguradora também estava em sérias dificuldades.
O “rombo” no sistema financeiro americano já era grande, mas seu tamanho real ainda começava a ficar mais claro. No final de 2008, a gestora recebeu do Fed a carteira de empréstimos do Citigroup, cuja avaliação foi de US$ 300 bilhões.
Durante os primeiros meses que sucederam o início da crise de 2008, essa foi a rotina de Larry Fink à frente da gestora: receber um sem-número de novos créditos podres para avaliação. Na ocasião, a Vanity Fair relatou que Fink mantinha contato frequente com a alta cúpula do governo americano e os auxiliava em diversas decisões.
Em 2009, a BlackRock adquiriu a Barclays Global Investors (BGI) e finalmente ocupou o primeiro lugar no ranking das maiores gestoras de ativos do mundo. A negociação fortaleceu a sua participação no mercado de fundos de índices, impulsionando o crescimento do segmento.
De lá para cá, mesmo que de forma discreta, a BlackRock manteve o mesmo prestígio junto às autoridades monetárias do País. Durante a pandemia, prestou novamente assistência ao Fed e, em abril de 2023, foi contratada pela FDIC – agência responsável pela estabilidade dos bancos americanos – para avaliar e vender a carteira do Silicon Valley e do Signature Bank. Os dois bancos, que quebraram no início do ano, deixaram um rombo de US$ 114 bilhões no sistema financeiro americano.
Foco em tecnologia
O forte investimento em tecnologia para minimizar o risco das operações é outro grande diferencial da BlackRock. Desde o início, Fink aportou grandes valores para a criação do Aladdin, uma rede de cinco mil computadores que a gestora utiliza para monitorar milhões de negociações e analisar as carteiras de seus clientes 24 horas por dia. Tudo isso com o suporte de dezenas de profissionais (matemáticos, engenheiros, estatísticos, analistas e programadores) que monitoram as operações.
Teoricamente, o Aladdin é capaz de elaborar simulações precisas dos movimentos do mercado e identificar como os ativos se comportam em cada um dos cenários projetados. A assertividade do sistema fez com que ele se tornasse a base da BlackRock Solution em 2000, quando a gestora passou também a fornecer tecnologia.
Aposta na Inteligência Artificial
Durante o TAG Summit 2023, evento que reúne investidores na cidade de São Paulo, o diretor de investimentos em tecnologia da BlackRock, Jeff Spiegel, disse que o mercado de Inteligência Artificial deve passar dos atuais US$ 40 milhões para R$ 1,3 trilhão em dez anos. Segundo ele, a velocidade com a qual essa tecnologia avança mostra como ela já é um mercado sólido, e não uma moda passageira.
“A Inteligência Artificial já está acontecendo, sendo desenvolvida todos os dias. Nós vemos profissionais de mercado usarem a IA em linguagem de marketing, advogados usando IA em contratos e também profissionais de investimentos utilizando a tecnologia”, reforçou.
A Inteligência Artificial está entre as cinco megatendências que a gestora mapeou para os seus investidores acompanharem. As outras quatro são: mudanças demográficas e sociais, rápida urbanização, mudanças climáticas e escassez de recursos e riqueza emergente.
A vez do Bitcoin
Em junho de 2023, a BlackRock surpreendeu o mercado ao submeter à SEC (CVM dos Estados Unidos) um pedido para criar um ETF que investe diretamente no Bitcoin. Poucos dias depois, Fink foi a público manifestar o desejo de tornar o BTC mais acessível. Chegou a se referir à criptomoeda como um “ativo global”, e que acreditava que havia potencial para que se tornasse um “ouro digital”.
Em agosto do mesmo ano, a própria gestora declarou possuir participações societárias em quatro das cinco maiores mineradoras mundiais de BTC. Segundo relatório divulgado pela BlackRock, do total de US$ 411,5 milhões investidos nesse segmento, US$ 199 milhões estão na Riot Platforms (a maior mineradora do mundo), US$ 190 milhões na Marathon Digital, US$ 14,2 milhões na Terawulf e US$ 8,3 milhões na Cipher Mining.
ESG: empolgação e recuo
Todos os anos, Larry Fink divulga uma carta aos investidores, sendo que, em 2020, o texto foi bastante enfático na defesa aos princípios ESG (sigla em inglês para “ambiental, social e governança”).
“Uma empresa não consegue obter lucros de longo prazo sem adotar um propósito”, disse Fink na carta, anunciando que o portfólio da gestora teria versões sustentáveis, e que passaria a adotar os critérios ESG no momento de decidir em quais empresas investir. Na ocasião, o assunto estava em alta, e nomes de peso como JP Morgan e Fidelity apoiavam o discurso da BlackRock.
Apesar do sentimento de que a revolução verde havia começado, a euforia não durou muito. Aos poucos, a BlackRock começou a sofrer ataques por parte de políticos republicanos nos EUA, e levantamento realizado pelo HSBC mostrou que os fundos de investimentos do país estão menos engajados no tema. No primeiro semestre de 2023, o banco entrevistou funcionários de 292 gestoras em várias partes do mundo. O resultado da pesquisa mostrou que menos de 25% dos entrevistados nos EUA disseram que a sustentabilidade era prioridade em seus investimentos. No mesmo período do ano anterior, 37% se preocupavam com esses valores.
Estima-se que essa mudança de postura por parte dos investidores tenha reduzido os ativos administrados pela BlackRock em cerca de US$ 4 bilhões. Apesar de ser pouco perto do montante total gerido pela empresa, Fink optou por deixar de invocar valores ESG em seu discurso, pois o tema, segundo ele, se tornou “altamente politizado”.
Mas ele deixa claro que, embora não faça mais referências diretas a essas práticas, a BlackRock não mudou sua filosofia em relação à sustentabilidade. Diz também que temas como descarbonização e questões sociais e de governança continuarão sendo vistos de perto nas empresas em que possui participação.
Polêmicas
Uma das principais controvérsias em torno da BlackRock é a ausência de uma regulamentação específica para a sua atividade.
A crise de 2008 causou enormes prejuízos às bolsas de valores não só dos EUA, mas de todo o mundo. Para fortalecer o mercado de capitais e proteger a economia de novos colapsos, os EUA promoveram uma reforma financeira em 2010, com a criação da Lei Dodd-Frank.
Entre outros pontos importantes, a lei regulamentou operações com derivativos e fortaleceu controles de risco, mas deixou de fora as gestoras de ativos. Atualmente, bancos que atuam no segmento com mais de US$ 50 bilhões administrados são regulados pelo Tesouro Nacional, e o mesmo não acontece com empresas como a BlackRock. Embora exista pressão no Senado americano por uma lei semelhante que alcance as gestoras, nada foi feito até hoje.
Outro aspecto que desperta atenção é a dúvida sobre o quadro societário da empresa. Em 2020, o PNC Financial Services, banco americano que detinha 22,5% de participação na gestora, deixou o negócio. Na ocasião, a BlackRock anunciou que recompraria parte das ações, e o restante seria objeto de uma oferta pública. Desde então, não ficou claro como a participação foi distribuída.