Uma sociedade sem inflação? Com bitcoin seria possível

Bitcoin é a uma das primeiras implementações do conceito chamado criptomoeda descentralizada, apresentado pela primeira vez em 1998

Terraço Econômico

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*Por Pedro Lula Mota, editor do Terraço Econômico, e Renata K. Velloso, colaboradora colaboradora do Terraço Econômico.

Faça um teste, faça uma pergunta a uma pessoa aleatória: o que é inflação? Caso ela seja minimamente informada, te responderá prontamente: “alta generalizada dos preços”. Pronto, você terá a confirmação da tese de que 90% das pessoas que compreendem o conceito de inflação acreditam que a consequência da inflação é o que a define, ou seja, atacam a causa não o efeito.

Alta generalizada de preços ou do nível de preços empurra o problema para os agentes econômicos, quando na verdade a resposta para a pergunta deveria ser: aumento na base monetária sem lastro de riqueza real, ou seja, quando se expande o montante de dinheiro na economia sem que isso tenha como contrapartida o aumento da produtividade, tratando-se de uma atitude inflacionista patrocinada pelo Estado.

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Mas então por que os preços sobem? De forma simplificada, se existe um excesso de moeda, isto corrói o poder de compra e os produtos ficam mais caros. Logo, quanto mais moeda sem lastro em bens reais, menos poder de compra para a população. Se existe mais base monetária, um comerciante, por exemplo, precisará de mais capital para se sustentar, logo terá de aumentar o preço de seus produtos.

Então quem é o responsável pelo estopim do processo inflacionário? O Estado, ou as impressoras estatais. No caso brasileiro, o Banco Central autorizando a Casa da Moeda a emitir, objetivando financiar seus gastos e, no limite, tributar a população via imposto inflacionário. Chegamos então na questão nevrálgica: se uma das prerrogativas do Estado é ser detentor único e intransferível da emissão de moeda (tanto o é que se você decidir criar a sua própria moeda e utilizá-la como meio de pagamentos, as chances de no longo prazo você responder um processo criminal são altas) e por tal detém esse imenso poder de socializar os prejuízos junto a sociedade, o que aconteceria se esse monopólio fosse quebrado? Se a emissão de moeda fosse descentralizada e impelida ao mercado, de forma que as moedas mais eficientes se ajustassem a demanda existente, pois bem, com Bitcoins isso seria possível.

Bitcoins, emergindo da deep web para o mainsteam
Bitcoin é a uma das primeiras implementações do conceito chamado criptomoeda descentralizada, apresentado pela primeira vez em 1998 por Wei Dai em um grupo chamado Cypherpubk, porém foi apenas em 2008 que Satori Nakamoto (pseudônimo de um grupo de pessoas) ao publicar o artigo cientifico The Cryptography Mailing List apresentando assim o protocolo original da moeda, e logo em seguida, que em 2009 a rede Bitcoin começou a funcionar com seu primeiro cliente e emissão das primeiras divisas.

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“Coin” vem do inglês e significa moeda, “bit” faz referência ao mundo digital, que faz parte de um código aberto e pode ser usado da forma peer-to-peer (jargão para uma rede de computadores na qual os usuários são clientes e servidores ao mesmo tempo) e a sua grande diferença é que essa moeda não depende da confiança de nenhum emissor ou banco central, e então com ela é possível fazer pagamento eletrônicos e sem nenhum tipo de intermediário como banco, corretor ou casa de câmbio, de qualquer lugar do mundo para qualquer pessoa inserida na rede, podendo ainda ser convertida para as moedas tradicionais. No Bitcoin, não há ninguém poderoso demais, com uma caneta na mão, controlando a taxa de inflação da moeda digital. Tudo está no protocolo, escrito em forma de código. No final das contas é como se o Bitcoin transformasse o sistema bancário em um aplicativo para celular em que cada usuário não tem uma conta, e sim um banco inteiro a sua disposição.

O Bitcoin tem todas as propriedades de qualquer moeda: durabilidade, portabilidade, fungibilidade (uma unidade pode ser substituída por outra de mesmo valor), escassez, divisibilidade e reconhecimento. Ela possui, porém, algumas vantagens em relação às moedas tradicionais já que existe muito mais liberdade nas transações (que podem ser feitas entre quaisquer indivíduos a qualquer momento): taxas muito mais baixas, segurança (é praticamente impossível forjar cobranças indesejadas ou criar Bitcoins falsos) e transparência.

A transparência decorre do sistema de block-chain que roda nos “bastidores” do Bitcoin. Trata-se de um sistema que mantém todas as operações registradas e confirma a validade de cada transação, movimento ao qual são criados novos “blocos”. Isso é feito através de um sistema de assinaturas digitais correspondentes aos endereços de Bitcoins de cada usuário.

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Legenda: A cadeia principal (em preto) consiste da maior série de blocos desde o primeiro bloco minerado, o bloco gênese (em verde), até o último bloco minerado, o bloco atual. Blocos órfãos (em roxo) são aqueles que existem fora da cadeia principal. A cada 10 minutos, um bloco contendo diversas transações é adicionado por um minerador à cadeia principal.

Os Bitcoins são gerados em um processo denominado de “mineração” – sim, faz referência ao processo de mineração de ouro – qual basicamente os usuários deixam seus PCs ligados 24hras “rodando” um programa de criação de moedas, criando um sistema competitivo e descentralizado no qual os usuários são recompensados financeiramente por seus serviços na liquidação das operações. Esses novos Bitcoins são criados em proporção fixa e a taxa decrescente e previsível, sendo que o número vai sendo reduzido à metade a cada ano até que se tenham emitido um total de 21 milhões de Bitcoins. Porém, aproximadamente 60% dos bitcoins são produzidos por 5 entidades –  F2Pool, AntPool, BW.COM, BTCC Pool e ViaBTC – que agem em conjunto e conseguem vencer mais desafios e distribuir os ganhos oriundos das recompensas através da rede.

Esse limite de 21 milhões de unidades torna o sistema Bitcoin deflacionário por natureza, já que atingido esse limite o próprio software se encarrega de impedir novas emissões, isto porque, segundo as regras, não é possível “reemitir” uma moeda perdida ou destruída. Até julho 25, Bitcoins eram criados a cada 10 minutos, atualmente essa taxa caiu pela metade e a cada quatro anos ela é reduzida.

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Recentemente, o Bank of England elaborou um estudo que teve grande repercussão: modelou uma economia em que a moeda digital seria equivalente a 30% do PIB, os resultados indicaram um aumento de 3% no PIB anual, explicados pela queda substancial dos custos de transações, nas taxas de juros e ganhos de eficiência.

No Brasil, o valor transacionado por Bitcoins já superou o do ouro, segundo dados da BitValor – até junho de 2016 o volume comercializado foi de R$ 164 milhões, superando em R$ 10 milhões as transações.

Muitas pessoas questionam qual o país será o primeiro a adotar o Bitcoin como moeda oficial, mas na verdade isso dificilmente irá acontecer. Segundo o especialista na moeda digital, Andreas Antopoulos, (autor do livro Mastering Bitcoin) o país que vai adotar em primeiro lugar a Bitcoin é a internet e o mais provável é que ela coexista com as outras moedas assim como o cartão de crédito coexiste com o papel moeda. Existe também, do ponto de vista de política econômica, a dúvida sobre qual seria a capacidade para se fazer politíca monetária com uma moeda não controlada, basicamente todos os instrumentos conhecidos atualmente não funcionariam, por tanto, é esperado que as instituições financeiras e Bancos Centrias passem a ultilizar primeiro a tecnologia de Blockchain (e todas as suas capacidades) do que de fato adotarem o Bitcoin. No fundo, bancos adoram a tecnologia Blockchain e tentam ignorar os bitcoins.

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Para o Brasil o Bitcoin é uma grande oportunidade. Por ser o país enorme e com importante parcela da população fora do sistema bancário o Bitcoin pode ser uma forma de incluir essa população no futuro. Além disso, o sistema bancário brasileiro é um dos mais modernos e tecnológicos do mundo. Muito provavelmente a maior empresa financeira daqui 20 anos não será um banco e sim uma empresa de tecnologia (como o Uber é hoje no setor de transportes, o Airbnb é no hoteleiro e o Facebook é na produção de conteúdo). Mas os bancos podem ocupar esse lugar se forem ágeis e não resistirem às mudanças.

É evidente que não existem apenas pontos positivos, pois qualquer tecnologia nova apresenta riscos e falhas. A moeda já sofreu diversos ataques especulativos em suas cotações, cyber-ataques, alta volatilidade, tecnologias concorrentes e mais marcadamente existe um extenso debate sobre a regulamentação e governança das transações. Porém, se comparado à realidade de sua criação, em meados de 2008, atualmente o Bitcoin já é consolidado como um meio de pagamento aceito e amplamente difundido.

Para além de todos esses benefícios, como já citamos, a sua maior benesse seria destituir o Estado de seu poder de carestia via inflação – e por isso mesmo que os BCs e instituições financeiras há tempos acompanham este mercado de perto –  possibilitando assim ganhos sociais, econômicos e políticos enormes, empoderando cada vez mais o cidadão e sua livre iniciativa de transacionar recursos.

Em um país como o nosso, com longo histórico de agressões e desrespeito à moeda, seria como refundar todo um sistema. Que venham os bits!

Veja, de graça, a melhor aula sobre bitcoin já disponibilizada na internet brasileira

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O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.