A aguda crise econômica atual trouxe a questão tributária nacional para o centro das discussões políticas, seja no âmbito das instituições representativas e demais foros da sociedade organizada, seja nas manifestações pessoais feitas informalmente nos locais de trabalho ou no ambiente doméstico. Pelo menos, para a parcela dos brasileiros que se enxergam como contribuintes e que têm uma percepção mais clara de como ocorre o financiamento das atividades de governo. O descontrole das contas públicas e o crescente déficit fiscal que caracterizam a crise atual têm feito com que o Estado manipule alíquotas, objetos de incidência, faixas de progressão e outros mecanismos que independem de autorização legislativa e que podem produzir algum alívio fugaz diante da incapacidade momentânea de proposições reformistas e estruturantes de longo termo ou da falta de vontade política para ajustar as despesas ao tamanho das efetivas disponibilidades financeiras. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT estima que o brasileiro médio já compromete, atualmente, cerca de 40% dos seus salários e ganhos com o pagamento de impostos, taxas e contribuições diversas, fora o descontrolado aumento da enorme dívida pública feita em seu nome e que ele terá que pagar no futuro. Esse quadro produz angústia e ansiedade naqueles que conseguem percebê-lo em toda a sua perversa amplitude. Mas, quantos são estes?
Infelizmente, não são tantos quantos deveriam ser. Grande parte dos brasileiros desconhece, mesmo rudimentarmente, os mecanismos que garantem o financiamento do Estado e possibilitam o custeio da respectiva máquina pública e, por isso mesmo, são pegos desprevenidos pelos efeitos das crises e pelos perversos processos que lhes subtraem a renda, lhes tiram os empregos, lhes exigem maior sacrifício como contribuintes ou os transformam em inadimplentes. Muitos, ingenuamente, acreditam que não pagam impostos e, por isso mesmo, não se importam com a sua exagerada elevação. Outros, ainda em maior número, acreditam que o Estado fabrica dinheiro e que, se bem governado, poderá distribuir os recursos fabricados para atender a justa necessidade de todos, sem se darem conta de que cada qual, sempre, terá que contribuir com mais do que recebe de volta, já que o processo tem as suas próprias e inevitáveis perdas de carga (algumas localizadas, como a corrupção, outras difusas, como o custo operacional da máquina). Algumas poucas tentativas cientificamente organizadas ou conduzidas de modo sistemático possibilitaram identificar a natureza e a amplitude da percepção dos brasileiros no que diz respeito à relação destes com os impostos. Entre essas, merece especial destaque a “Pesquisa de Percepção da Política Fiscal Brasileira” publicada em Junho de 2010 pela ESAF – Escola de Administração Fazendária, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, principalmente pela sua abrangência espacial e amostral (2016 entrevistas em 336 municípios adequadamente selecionados). Apesar da pequena desatualização que apresenta, especialmente diante da evolução acelerada da nossa dinâmica política e econômica atual, vale a pena examinar alguns pontos identificados no mencionado Estudo.
De início, há que se observar que apenas 69% dos brasileiros entrevistados sabiam que pagavam impostos. 30% desse mesmo universo afirmaram que não pagavam qualquer tipo de imposto, desconhecendo aqueles tributos indiretos que já estão embutidos nos preços dos bens ou serviços adquiridos. Mesmo entre os que reconheciam a existência da tributação, grande parte somente conseguia se lembrar de tributos com aplicação direta: IPTU (47,8%); IPVA (25,4%); e IR (25,3%). No entanto, e essa foi uma descoberta notável mesmo no nível elevado de desinformação do universo estudado, mais da metade dos entrevistados (53,7%) não estaria disposta a pagar mais imposto em troca de melhores serviços públicos, o que mostra, intuitivamente, o alcance do nível de saturação da carga tributária. Em termos bem simples, pode-se observar que a sociedade não quer aumento na tributação, mesmo que esse seja condição necessária para melhorar a qualidade e a abrangência dos serviços públicos colocados à disposição da população. Qualquer política governamental em desacordo com essa manifestação pública preponderante estaria sendo formulada, portanto, em bases pouco democráticas ou teria, no mínimo, viés paternalista. Esse aspecto merece ser examinado em concurso com outra conclusão importante do mesmo Estudo: 72% dos entrevistados entendem que a quantidade de recursos transferidos pela sociedade para o Estado é suficiente para o bom cumprimento das funções esperadas do governo.
Não seria absurdo imaginar que, após a intensa exposição recente dos episódios de corrupção identificados na Operação Lava-Jato, as conclusões finais indicadas no parágrafo precedente seriam ainda mais pronunciadas se a pesquisa tivesse sido feita na época atual. Da mesma forma, também não seria absurdo imaginar que, com os sacrifícios impostos atualmente à sociedade – que trata de administrar avaramente os 60% da renda que ainda ficam em seu poder – ficaria também mais nítida a percepção de que o governo deveria melhor cuidar dos 40% da renda que lhe é compulsoriamente transferida.