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SÃO PAULO – Em artigo ao site Project Syndicate, o ex-ministro do Planejamento da Venezuela e atual diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional e professor de economia na Universidade de Harvard Ricardo Hausmann fez alguns comentários sobre as afirmações feitas pelo Papa Francisco a respeito de discussões econômicas em sua recente viagem pela América Latina.
A grande questão que fica, segundo ele, é se o capitalismo causa pobreza. Segundo Hausmann, hoje em dia se culpa o capitalismo por muitas coisas: a pobreza, a desigualdade, o desemprego e até o aquecimento global. Ele cita a fala do líder religioso na Bolívia: “este sistema já não se aguenta, não o aguentam os camponeses, não o aguentam os trabalhadores, não o aguentam as comunidades, não o aguentam os povos e a terra também não”.
Porém, o professor questiona: “são esses problemas que tanto preocupam o Papa consequência do chamado ‘capitalismo desenfreado’? Ou, ao contrário: são consequências de que o capitalismo não tenha sido implantado como se esperava? Deveria uma agenda para promover a justiça social estar baseada em frear o capitalismo ou em eliminar as barreiras que impedem a sua expansão?”
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Para Hausmann, a resposta na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia é claramente a segunda opção. E recorre ao teórico Karl Marx, e o que ele imaginava para o futuro.
Hausmann destaca que, para Marx, o capitalismo reorganizaria a produção: a agricultura familiar desapareceria, assim como as oficinas de artesãos e a “nação de lojistas”. Assim, as atividades pequeno-burguesas seriam destruídas pelo equivalente à Zara, WalMart, Toyota, entre outras. Como resultado, os proprietários dos meios de produção não seriam mais aqueles que fazem o trabalho, ou seja, camponeses ou artesãos, para se tornar o “capital”. Todos os trabalhadores seriam forçados a trocar seu próprio trabalho por um salário miserável. No entanto, eles teriam mais sorte do que o “exército de reserva de desempregados” – um conjunto de trabalhadores ociosos grande o suficiente para fazer os outros temerem perder seus empregos, mas pequeno o suficiente para não desperdiçar a mais valia que poderia ser extraída por fazerem seu trabalho.
E assim, com todas as classes sociais anteriores transformados em classe trabalhadora, e todos os meios de produção nas mãos de um grupo de proprietários, uma revolução proletária iria levar a humanidade a um mundo de justiça perfeita.
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Hausmann destaca a fala do poeta e filósofo Paul Valéry, de que “o futuro, como todo o resto, não é mais o que era”. Porém, destacou que não se deve tirar sarro do famoso erro de previsão de Marx. “Afinal, como incisivamente apontou o físico Niels Bohr, ‘a previsão é difícil, especialmente sobre o futuro'”.
O professor ressalta que, após o Manifesto Comunista, os salários na Europa e nos EUA começaram uma tendência de 160 anos de alta, fazendo com que os trabalhadores passassem a fazer parte da classe média. E os políticos prometem criar empregos hoje – ou seja, mais oportunidades para os trabalhadores.
Assim, o capitalismo consegue alcançar esta transformação devido à reorganização da produção, que levou a um aumento da produtividade sem precedentes. A divisão do trabalho dentro e entre as empresas tornou possível a divisão do conhecimento entre os indivíduos que permitiram formar redes de intercâmbio e cooperação cada tempo maior.
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“Uma empresa moderna tem especialistas em produção, design, marketing, vendas, finanças, contabilidade, gestão de recursos humanos, logística, impostos e contratos. A produção moderna não é simplesmente uma coleção de edifícios e equipamentos de propriedade pelo “Capital” e operados pelos trabalhadores dispensáveis. Pelo contrário, é uma rede coordenada de pessoas que têm diferentes tipos de ‘Capital Humano’. No mundo desenvolvido, o capitalismo realmente transformou quase todos os indivíduos em trabalhadores assalariados e tornou-se mais próspero do que Marx poderia ter imaginado”, afirmou. Além disso, o professor destaca que, mesmo dentro de cada país, medidas de bem-estar estão fortemente relacionadas com a proporção da força de trabalho que trabalha na produção capitalista.
Hausmann volta à citação do papa Francisco em que, na Bolívia empobrecida, criticou “a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar sobre a exclusão social ou a destruição da natureza”, junto com “uma confiança ingênua e bruta na bondade daqueles que detêm o poder econômico e na função sagrada do sistema econômico vigente “. Segundo o professor, esta explicação sobre o fracasso do capitalismo é muito imprudente: “as empresas mais rentáveis ??do mundo não estão explorando a Bolívia; elas simplesmente não estão lá porque acreditam que o país não é rentável”, afirma o venezuelano.
Ele lembrou uma demonstração de Rafael Di Tella e MacCulloch Robert de que os países mais pobres do mundo não são caracterizados por uma ingênua confiança no capitalismo, mas por uma completa falta de confiança, levando a forte demanda por intervenção e regulação do comércio pelo governo. “Sob essas condições, capitalismo não prospeta e as economias continuam pobres”.
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“O Papa Francisco está certo ao chamar a atenção para a situação dos mais pobres do mundo. No entanto, o sofrimento destes últimos não são resultado do capitalismo desenfreado, mas do capitalismo tem sido freado de maneira errada”, conclui Hausmann.