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SÃO PAULO – A queda de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República, que deverá ser confirmada ainda nesta segunda-feira (18), divide a opinião de analistas políticos sobre eventuais danos colaterais sobre a agenda legislativa do governo Jair Bolsonaro (PSL) em um momento em que começam as articulações em busca de apoio para a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.
O ministro é pivô de uma crise envolvendo suspeitas de candidaturas laranjas patrocinadas pelo partido em ao menos dois estados durante as eleições de 2018. Na semana passada, ele chegou a ser chamado de mentiroso pelo próprio presidente após afirmar que teria conversado sobre o assunto com ele três vezes na última terça-feira. Antes, Carlos Bolsonaro, filho do mandatário, havia usado o mesmo adjetivo contra o ministro e vazado um áudio em que Bolsonaro se recusa a conversar. No lugar de Bebianno deverá assumir o general Floriano Peixoto, atual número dois da pasta.
De um lado, há quem chame atenção para o que seria um desajeitamento do presidente na relação com aliados e os riscos de se ter um importante aliado agora no rol de inimigos políticos. Do outro, argumenta-se que atritos na base durante o início de mandato seriam naturais até algum estágio de acomodação de forças e que o fato isoladamente não deve provocar significativas perdas políticas ao governo.
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Mais riscos
O potencial da crise ainda é alvo de especulação, a ser verificado ao longo dos próximos dias. De qualquer forma, o episódio dividiu o noticiário da última semana com o anúncio mais relevante já feito pelo governo sobre a reforma previdenciária. A revelação de que o texto a ser encaminhado na próxima quarta-feira ao Congresso Nacional terá indicação idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres em um período de transição de 12 anos perdeu espaço no debate para a maior crise instalada no Palácio do Planalto desde a posse de Jair Bolsonaro.
“Não é qualquer crise, é uma crise de alguém que foi presidente do PSL durante a campanha, mas também é alguém muito próximo de Jair Bolsonaro. Lembrando que, antes de Sérgio Moro ser indicado para o Ministério da Justiça, Bebianno era o principal cotado para o cargo, que neste governo não é qualquer pasta. [Bebianno] é alguém da cozinha do presidente. Não é usual que o filho do presidente coloque um áudio no Twitter e o presidente endosse isso”, observa Richard Back, chefe de análise política da XP Investimentos.
“Pode atrapalhar o calendário. Qualquer coisa que venha no sentido de desorganizar mais ainda o governo e trazer mais problemas, mais ruídos políticos, atrapalha o andamento normal e reformas tão duras quanto a da Previdência e tributária, quanto o pacote anticrime, precisam de tranquilidade para o governo trabalhar no Congresso e o Congresso poder trabalhar. Isso é bem ruim”, complementa o especialista.
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Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria Integrada, o episódio de atrito entre o clã Bolsonaro e Bebianno é um novo indicativo da dificuldade do governo em construir projetos conjuntos. Ele acredita que “ainda há uma chance, embora diminuta” de a reforma previdenciária ser aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados ainda no primeiro semestre, mas o mais provável seria haver procrastinação.
“[O caso] Pode ter custo reputacional elevado, de tal modo que podemos ter efeito que parece ser quase automático de diminuir o poder de arbitragem na Previdência”, disse. Ele acredita que o caminho natural é que problemas dessa natureza afetem a ambição da reforma avalizada pelos congressistas.
Outro analista político que não quis ter sua identidade revelada diz que o governo perdeu o controle sobre o noticiário e terá de trabalhar para recuperá-lo nos próximos dias. “Não estamos vendo isso como ‘crise’. De fato, não deve ter impacto negativo na aprovação do presidente, que, na nossa avaliação, é variável chave para governabilidade. Pode até fortalecer o presidente, já que demonstra rigor com a acusação de ‘laranjada'”, disse.
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Por outro lado, ele acredita que houve uma perda de tempo para empenho em comunicação para defender a reforma. O especialista vê no “amadorismo” em controlar o noticiário e na falta de coordenação política do governo os principais motores para uma desidratação do texto a ser encaminhado ao parlamento nesta semana.
Pelo histórico de tramitação de proposições no parlamento, sabe-se do peso do timing sobre a versão final que o governo terá condições de levar adiante. Quanto mais tempo levar para avançar com a reforma, maior o risco de desidratação do texto ao longo do caminho, seja pela exposição a críticas no debate público, seja pela natural perda de capital político do presidente ao longo do mandato e por eventuais crises que apareçam.
Vale lembrar que, antes de cair, Bebianno contou com gestos de apoio de figuras fortes na cena política atual, como o vice-presidente Hamilton Mourão; o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e outras lideranças da ala militar do governo. Ele chegou a ser informado sobre sua manutenção no ministério ao longo da crise, após reuniões de Bolsonaro com aliados. Mais tarde, contudo, o presidente voltou atrás e decidiu exonerá-lo (decisão ainda pendente de confirmação pelo Diário Oficial). O entendimento seria que houve quebra de confiança com o vazamento na imprensa do conteúdo de dois áudios dele.
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Danos limitados
A despeito do calor do noticiário recente, Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, não vê riscos relevantes de o caso inviabilizar a aprovação da reforma previdenciária, mas ressalta a necessidade de melhores condições para Bolsonaro arbitrar conflitos e crises.
“Como a popularidade do governo é alta e há um cenário favorável às reformas, acredito que, neste momento, o fato não contamina a governabilidade e a agenda de reformas. Agora, a condução dessa crise e a própria exposição que Bebianno está tento, também reforçado a ascendência dos filhos sobre o jogo de poder, pode passar um recado ruim para a base e exigir do governo um gerenciamento melhor dessas disputas”, pontua.
Na avaliação da equipe da Arko Advice, a saída de Bebianno não representa perda política relevante e só traria problemas significativos se houvesse munição pesada contra Bolsonaro e disposição para usá-la. A consultoria trabalha com um cenário de 80% de chance de êxito do governo com a reforma da Previdência, mas com uma tendência de desidratação entre 20% e 40% sobre a economia prevista. Se for considerada a cifra de R$ 1 trilhão indicada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) em dez anos, isso representaria uma economia final entre R$ 600 bilhões e R$ 800 bilhões.
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O tom é mais otimista que o adotado pela consultoria de risco político Eurasia Group, que também acredita em aprovação de reforma, mas aposta em uma desidratação para a faixa de R$ 400 bilhões e R$ 600 bilhões ao final da tramitação na Câmara dos Deputados. A economia seria mais tímida do que se estima para a atual versão da PEC 287/2016, de autoria do governo Michel Temer, após alterações promovidas em comissão especial na casa legislativa.
Enquanto ainda se especula sobre os impactos dos episódios, o mercado adota postura cautelosa – sem motivação para assumir maior apetite por riscos, mas também sem pânico. “À primeira vista, vemos a notícia como mais um dos ‘ruídos de curto prazo’ que devem agitar os mercados, por isso mantemos nosso viés bullish (otimista) para o longo prazo. No entanto, acompanharemos bem de perto estes desdobramentos para, se necessário, mudarmos rapidamente de opinião e de posição”, afirmam os analistas Matheus Soares e Thiago Salomão, da Rico Investimentos, em relatório enviado a clientes.
Por outro lado, a saída do ministro, por si só, já demonstraria certa fragilidade no governo Bolsonaro, ressaltam os analistas da Rico, porque o presidente tinha em Bebianno um dos principais articuladores dentro do Congresso. “Qualquer sinal de fragilidade do governo num momento como esse pode atrapalhar o andamento deste tópico tão importante [a reforma da Previdência]. O mercado vai acompanhar bem de perto estes desdobramentos”, afirmam os analistas.
Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), será necessária uma semana para que se consiga separar a espuma da crise política atual. Em seu perfil no Twitter, ele publicou:
Em relacao a crise politica que estamos vivendo vai passar sem criar maiores plroblemas para o governo mas e um sinal preocupante em relacao ao futuro; esero seja entretanto que provoque um freio de arrumacao no governo; FHC passou por uma crise parecida no inicio de seu mandato
— Luiz C. M. De Barros (@lcmbarros) 16 de fevereiro de 2019
Até lá, nas palavras do economista, “dose dupla de Lexotam para o mercado”.
Outra estratégia
Enquanto Bebianno ainda é assunto e ofusca o debate em torno da reforma previdenciária, o governo sinaliza uma mudança de estratégia na relação com o parlamento. Na terça-feira (19), o ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS) participa de um café da manhã com Rodrigo Maia e líderes de bancadas na Câmara. Em paralelo, a presidência começou a convidar os comandantes partidários para outro encontro, na quinta-feira, no Palácio da Alvorada, com Bolsonaro.
“Ainda que não se espere grande avanço concreto apenas a partir disso, o convite por si só é simbólico e visto como sinal de boa vontade do Planalto”, observam os analistas políticos da XP Investimentos.
Para eles, as iniciativas dão ao menos dois sinais sobre a articulação política do governo: 1) Bolsonaro estaria disposto a assumir a liderança do processo em defesa da reforma previdenciária, o que é visto como condição necessária para o avanço da proposta; 2) o governo começa a dialogar com lideranças partidárias, após sinalizações prévias de enfraquecê-los, com o empoderamento de frentes parlamentares e a prioridade ao canal direto com os congressistas.
“É muito salutar que o presidente Bolsonaro tenha abandonado a ideia de negociar via bancadas temáticas e passe a tratar da reforma com os líderes partidários, que é como sempre foi e como a estrutura do parlamento e da política estão montadas para operar. Tática diferente desta poderia fazer com que o ‘alto clero’ ficasse revoltado, e é ele quem tem o controle do plenário e da atuação das bancadas nas Casas. Ponto para a reforma”, concluíram. A avaliação é que agora o governo terá de tirar o atraso na articulação com os legisladores.
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