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SÃO PAULO – É prematuro demais “sepultarmos” a reforma da previdência, mas já é possível concluirmos que, pela diluição gradual e constante daquela proposta inicialmente enviada pelo governo Temer ao Congresso, devemos ter mudanças bem menores do que o outrora vislumbrado. As estimativas atuais de Henrique Meirelles (ministro da Fazenda) dão conta que entre 70% e 80% do projeto inicial de reforma deverá passar, mas há quem diga que essa diluição já chegou em 50% da economia que a previdência traria. O curioso é que esse novo cenário parece não ter chegado ainda no mercado financeiro: de março pra cá, o Ibovespa segue surfando entre 62 mil e 66 mil pontos, enquanto o dólar permanece entre R$ 3,10 e R$ 3,18. Boa notícia? Exatamente o contrário, explica Luiz Parreiras, gestor da Verde Asset.
“A nossa grande preocupação em toda essa história é a apatia como o mercado tem enfrentando essa diluição. (…) Os preços até agora não refletem essa piora. Mas tem um número mágico – que eu não sei qual é – que será o ‘grão de areia’ que fará o mercado dizer ‘nossa… agora ficou difícil!’ É esse o jogo que está começando a ficar perigoso”, disse o gestor em entrevista ao InfoMoney concedida na sede da Verde na última quinta-feira (20). Parreiras explicou como o cenário atual está guiando as alocações do fundo Verde Scena XP FIC FIM, lançado em 19 de abril pela Verde e distribuído com exclusividade aos clientes da XP Investimentos. Desde sua estreia, o fundo já captou impressionantes R$ 400 milhões, segundo dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) da última segunda-feira (saiba mais sobre o fundo clicando aqui).
Ainda sobre a previdência, Parreiras concordou que hoje há um descasamento nos cálculos feitos pelo mercado e por Meirelles sobre o tamanho da reforma que passará e fez uma analogia futebolística bem didática para explicar as dificuldades de avançar nesse processo. Para o cenário “pós-previdência”, o gestor já levanta os temas que tornarão 2018 extremamente complexo: além das eleições presidenciais no Brasil, estaremos diante do menor diferencial de juros da história entre as taxas praticadas aqui e nos EUA, isso sem contar o avanço da “desglobalização”.
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Diante deste cenário, a maior posição do Verde Scena XP está em NTN-Bs de 5 e 10 anos de vencimento, diz Parreiras. Mostrando-se alinhado ao emblemático Fundo Verde – fundo mais conhecido da gestora, que rendeu mais de 14.000% desde sua criação 1997 e é gerido por Luis Stuhlberger -, o Scena também possui posição comprada em dólar, principalmente contra moedas da Ásia e em especial contra a China. Além disso, o novo fundo tem mais exposição no mercado de dívidas das empresas do que de ações, mas carrega uma pequena fatia de Bolsa brasileira na carteira, explica Parreiras.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Luiz Parreiras na sede da Verde Asset, em São Paulo:
Luiz Parreiras, gestor do fundo multimercado Verde Scena XP
Estratégia do fundo Verde Scena XP
A ideia da estratégia do Scena é escolher a melhor alocação entre as classes de ativos em cima da nossa visão de cenário de curto e médio prazo. Temos a ideia de combinar investimentos de renda fixa brasileira – levando em conta que o Brasil é um país de juro alto -, combinando com opções na bolsa brasileira, analisando empresas tanto pelo cenário macro quanto pelo micro, e com diversificação global, com o dólar podendo ser usado como instrumento de hedge nesse universo. Essa é a ideia do Scena: construir um bom portfólio usando essas diferentes peças.
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Queda do juro real: a maior posição da Verde
Achamos já há bastante tempo que o juro real tem que cair bastante. Por algumas razões: primeiro que a inflação já está caindo bastante, fruto de uma recessão. Isso abriu uma oportunidade que o para engrenar a velocidade de cortes na Selic. Contudo, até o momento, os juros só caíram descontando a inflação, ou seja, o juro real ainda não caiu, segue na faixa dos 5% a 5,5% ao ano desde a transição política que passamos em 2016. Então, para que a economia de fato sinta os efeitos dessa queda de juros, o juro real precisa cair. Essa é a grande posição do fundo e a grande posição da Verde como um todo. Hoje temos as NTN-Bs de 5 a 10 anos todas negociando entre 5,1% a 5,3%, acreditamos que essa taxa deve migrar na direção dos 4%. A taxa pode ser até menor do que 4%, dependendo da recuperação do Brasil e se vamos conseguir ter uma economia mais estável. Mas o fato é que nos próximos anos testaremos investimentos a juros reais mais baixos.
Crescimento e fiscal: os dois motivos para o ceticismo da Verde
A tese de queda do juro real está associada a duas questões estruturais que defendemos na Verde: crescimento fraco e problemas fiscais. Sobre crescimento, acreditamos que o Brasil vai ter dificuldade para crescer muito mais que 2% ao ano. As razões são muitas, mas basicamente: Brasil é um País que está envelhecendo, investe pouco e tem dificuldades de aumentar sua produtividade – e no fim do dia, PIB nada mais é que isso: mais pessoas e mais capital sendo usado de uma maneira mais produtiva. A soma desses três fatores nos resulta em uma visão bem cética de crescimento no médio prazo. No curto prazo, estamos entrando num processo de retomada, então teremos uma oportunidade de ver entre o 3º trimestre deste ano e o 2º trimestre de 2018 um PIB acelerando e o próprio sentimento do brasileiro melhorando um pouco. Mas não “compramos” essas teses de que o Brasil crescerá 3% a 4% a partir de 2018, 2019. Esperamos uma retomada e depois uma certa estabilidade em um nível não tão brilhante de crescimento. Isso tende a nos deixar naturalmente mais cético com a Bolsa.
A outra questão, que vemos como o maior risco do Brasil e que ainda está longe de mudar, é a questão fiscal. Por mais que o governo Temer tenha se empenhado em endereçar reformas desde que assumiu, tendo passado o teto dos gastos e estando em vias de conseguir uma reforma (ou o remendo de uma reforma) da previdência, essa questão fiscal ainda representa um enorme risco pela fragilidade ainda evidente: provavelmente não vamos cumprir o teto dos gastos nos anos de 2019, 2020 e 2021, enquanto a situação da dívida dos estados é “trágica”, com alguns estados quebrados ou com muita dificuldade de funcionar, e as soluções mostrando-se muito distantes de se tornarem realidade. Por isso o risco é enorme, pois qualquer chacoalho que tivermos nos levará de volta para uma situação fiscal muito ruim.
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Resumindo: somos razoavelmente céticos em qualquer investimento de longo prazo no Brasil, seja renda fixa muito longa ou ações que dependem de um ciclo econômico muito forte, pois vemos o risco fiscal muito presente e somos descrentes do crescimento potencial do País.
Ações: ceticismo no longo prazo, mas é bom ter um pouco na carteira
Mesmo não muito otimista com Bolsa diante dos preços atuais, temos no fundo Scena entre 7% e 8% de posição comprada em ações. Por que isso? Acredito que, por mais que no médio prazo as coisas não serão brilhantes, no curto prazo teremos uma retomada e isso tende a ser positivo para as empresas. Eu não acho que a bolsa está barata mas também não está estupidamente cara. Tem algum equilíbrio que dá pra navegar, principalmente em um mundo que o juros está caindo.
Provavelmente teremos no Brasil uma experiência de juro em um dígito por muito mais tempo do que vivemos lá em 2012/2013, isso naturalmente ajuda um pouco a bolsa. Além disso, vivemos muitos anos só na expectativa de que os resultados das empresas iriam melhorar; chega uma hora que essa expectativa se torna realidade – e acreditamos que podemos ver isso no 2º trimestre deste ano. Por isso tudo faz sentido ter um pouco de ações no portfólio mesmo não estando otimista com bolsa, isso nos dá uma assimetria positiva caso surja alguma boa notícia, como o avanço da reforma da previdência, por exemplo.
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É importante frisar que o mercado está passando batido pela diluição incremental da reforma da previdência nesse processo de negociação do Temer com o Congresso. Ainda não trabalhamos com a ideia de que nenhuma reforma vai passar, seria um choque potencial de baixa probabilidade mas de efeito muito forte. Mas a diluição sistemática do conteúdo da reforma é preocupante.
Internacional: alta de juros nos EUA e “desglobalização”
Percebemos uma certa sincronia de crescimento global: Estados Unidos seguem crescendo desde a retomada da crise do subprime – quase 10 anos atrás – enquanto Europa e Japão estão melhores e muitos emergentes estão andando de forma mais sólida. Os EUA, que estão no ciclo mais longo desse crescimento, continuam sendo o único mercado capaz de subir juros no curto prazo. É uma visão que temos há algum tempo e que continua valendo de valorização do dólar. Temos posições compradas em dólar contra moedas da Ásia. Além do otimismo com a moeda americana, vemos um grande risco da moeda da China ter que continuar desvalorizando – essa é nossa grande aposta dentro da cesta de moedas. Mas alguns países vizinhos, como Coreia, Taiwan e Cingapura também podem sofrer os efeitos do risco políticos que está emergindo desde as eleições do Trump, que é o processo de reversão da globalização. Após quase três décadas de globalização crescente, temos visto uma freada nesse processo nos últimos 3 anos – a eleição de Trump e o “Brexit” são um pouco disso. Devemos começar a ver maior protecionismo global (o próprio comércio global mostrou queda nos últimos anos) e é nesse contexto que o Trump se insere. Achamos que ele vai buscar mais esse processo de reversão da globalização e isso é um grande risco para essa turma da Ásia, que cresceram apoiada no avanço da globalização nas últimas décadas. Isso é coisa pra ser vista apenas daqui 10 ou 20 anos, mas já pode começar a fazer preço nos ativos de risco conforme esta ideia for evoluindo.
Previdência: qual o “número mágico” que fará o mercado desmoronar?
Esse é o nosso grande foco no Brasil. É curioso que não só o mercado como o governo também tem sido sistematicamente surpreendido com o que tem saído. Além disso, o governo poderia tentar negociar todas as medidas de uma vez para minimizar o processo de diluição, mas o que ele está fazendo aparentemente é negociar medida a medida, o que faz parecer que a soma dos fatores no final fica bem menor do que se ele tentasse resolver tudo de uma vez.
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Até duas semanas atrás, projetávamos 70% a 75% da medida original sendo aprovada. Hoje (19 de abril), nosso time tem na cabeça algo entre 50% e 55%. Essas são as contas feitas por nós da Verde, mas pelo que conversamos com outras pessoas do mercado parece que esta faixa dos 50% a 55% da proposta original está se tornando o consenso geral.
Contudo, nossa grande preocupação em toda essa história é a apatia como o mercado tem enfrentando essa diluição. A proposta original da reforma já diminuiu para 80%, 70%, 60% 50%… e até agora o mercado está “ok”, ou seja, os preços até agora não refletem essa piora. Mas tem um número mágico – que eu não sei qual é – que será o ‘grão de areia’ que fará o mercado dizer ‘nossa… agora ficou difícil!’ É esse o jogo que está começando a ficar perigoso. Então nos próximos dois meses esse deverá ser o grande processo a ser acompanhado no Brasil.
Na perspectiva do Temer, alguma reforma é melhor do que nenhuma reforma, só que pode chegar em um momento que alguma reforma pode ficar irrelevante. Esse é o risco que não está nos preços hoje.
Se não vai mudar a previdência agora, por que mudaria em 2018?
Vai levar muito tempo para o Brasil endereçar uma reforma fiscal de maneira sólida. Só que tivemos agora talvez as melhores condições dos últimos 20, 30 anos para fazer reformas. Se esse governo não conseguir fazer, será que o próximo governo vai querer endereçar capital político nisso? E qual será o próximo governo? A reforma que a gente deixar de fazer agora incrementa o risco político de 2018. O mercado pode começar a encarar 2018 como um “repeteco” do que vimos em 2014, que foi um momento extremamente difícil para precificação de ativos. Como 2018 ainda está longe, o mercado quer ver os próximos 6 meses e não quer pensar nisso agora. Mas o risco político está aumentando…
A discussão sobre o risco político vai entrar no horizonte do mercado no 4º trimestre do ano. As pessoas estão começando a falar do tema mas obviamente a previdência domina as atenções. Passada a previdência e assumindo que teremos alguma reforma, as pessoas em geral ainda têm muita incerteza sobre impacto da Lava Jato, por isso as discussões sobre as eleições tendem a ficar mais para frente até pra ter mais visibilidade de quem serão os candidatos.
Barcelona vs retranca: futebol explica onde erramos na Previdência
Eu acho que o mercado, a própria mídia e em partes algumas pessoas do governo subestimaram a dificuldade de reformar a previdência. Isso é difícil no mundo inteiro. Estamos fazendo reforma sobre questionamentos de legitimidade política, desemprego em níveis historicamente altos, recessão etc. A questão é que o governo conseguiu vitórias importantes como colocar uma dinâmica de queda de juros, montar um time econômico excepcional e aprovar o teto dos gastos, e isso gerou a falsa expectativa de que a previdência não seria tão difícil. O governo caiu nessa armadilha, que é uma armadilha natural do ser humano: a de se empolgar com sucessos recentes ficar otimista demais. Nós mesmos aqui na Verde sempre fomos muito céticos com a aprovação das reformas, mas entre o fim de 2016 e início de 2017 passamos a ficar mais otimistas tendo em vista as conquistas do governo. Fazer uma reforma é muito difícil e estamos vendo isso hoje “ao vivo”, mas acontece que até uns dois meses atrás tínhamos minimizado o quão difícil é esse jogo.
É como um jogo de futebol entre Barcelona e um time pequeno qualquer. Enquanto o primeiro vale bilhões de dólares e tem jogadores com altos salários, o outro time não vale nada. Mas durante o jogo o time pequeno faz uma mega retranca e o Barcelona não consegue fazer gol de jeito nenhum. Daí toda aquela expectativa positiva começa a virar apreensão. A reforma da previdência tem sido mais ou menos isso: tínhamos um ótimo time econômico, uma base aliada gigantesca e um plano muito bom. Mas quando entrou o jogo começou, esse time enfrentou uma baita retranca, que são as corporações do Brasil e um povo insatisfeito com a classe política, e a dificuldade de marcar o gol vai gerando uma angústia conforme o tempo vai passando. Isso sem contar o medo de se atirar na ofensiva, levar um contra ataque e tomar um gol. O que estamos enfrentando hoje é mais ou menos isso.
2018 não será apenas de eleições
Não é só eleição que teremos em 2018. A história da queda dos juros no Brasil já estará praticamente terminada; óbvio que poderemos ter um corte a mais ou a menos, mas passado um ciclo de 500 a 600 pontos de queda, 25 pontos a mais ou a menos acaba não sendo relevante. Teremos uma economia melhorando e assumindo que a taxa de câmbio permaneça onde está hoje, teremos um diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos que pode ser o menor da nossa história. E isso é um contexto super complicado que começaria a valer ainda este ano.
Então não é só eleição: teremos diferencial de juros menor, China voltando a desacelerar, BCs diminuindo seus estímulos quantitativos, tudo isso torna um contexto bem mais complexo para investimento. O lado bom: vai criar mais oportunidades. O lado ruim: o que fez muita gente performar e ganhar dinheiro nos últimos 12 ou 18 meses vai deixar de funcionar. O que vai funcionar é a grande interrogação e isso aumenta as chances de enfrentarmos maior volatilidade ano que vem.