CLT faz 80 anos hoje: como estão os direitos dos trabalhadores?

Decreto que instituiu o conjunto de leis que regulamenta as relações de trabalho no país foi assinado no dia 1º de maio de 1943

Dhiego Maia

Homem segura carteira de trabalho (Shutterstock)
Homem segura carteira de trabalho (Shutterstock)

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O conjunto de leis que regulamenta as relações de trabalho completa 80 anos nesta segunda-feira (1º). O decreto-lei que criou a Consolidação das Leis do Trabalho (mais conhecida como CLT) foi assinado em 1º de maio de 1943.

Diferentemente do que informam diversos textos, o anúncio da CLT não foi feito em São Januário, campo do Vasco da Gama, na época o maior estádio de futebol do Rio de Janeiro, que costumava ser palco das festas do Dia do Trabalhador.

Foi da sacada do palácio do Ministério do Trabalho, no centro da antiga capital, que o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) anunciou a novidade, num discurso dirigido à multidão que participava das comemorações organizadas pelo governo.

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Como era o tempo do Estado Novo (1937-1945), a norma que instituiu a CLT não foi discutida pelo Senado nem pela Câmara, que permaneceram fechados durante toda a ditadura varguista. O decreto-lei partiu do próprio Poder Executivo.

A posterior adição de direitos à legislação trabalhista, ao contrário, passaria sempre pelo Parlamento. O 13º salário, por exemplo, veio em 1962. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em 1967.

A CLT insere na legislação brasileira uma série de direitos trabalhistas, como:

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Mas o texto que começou a valer naquele ano de 1943 não é mais o mesmo. O maior sinal de que não é datada ou ultrapassada foi emitido em 1988, quando diversas das proteções trabalhistas inscritas na CLT passaram a fazer parte da Constituição, ganhando o status de direitos sociais.

A bonança dos trabalhadores no campo das leis, porém, logo mudou. Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que, hoje, a octogenária CLT vive o pior momento de sua história, com vários retrocessos.

O novo cenário se deve não só aos fenômenos da “uberização” (o trabalho por meio de aplicativos) e da “pejotização” (em que o trabalhador atua não como pessoa física, com carteira de trabalho assinada, mas como pessoa jurídica) e ao crescente número de brasileiros que sobrevivem fazendo “bicos”, mas também à ampla reforma trabalhista levada a cabo em 2017, pelo governo Michel Temer (MDB).

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“Nos últimos 80 anos, os brasileiros nunca estiveram tão vulneráveis à exploração no trabalho quanto agora. Nas discussões da reforma trabalhista, falou-se muito que o Brasil estava desconectado do restante do mundo e que era necessário modernizar as leis do trabalho. Foi um argumento falacioso. O que se fez, na verdade, foi precarizar a situação do trabalhador para aumentar o lucro do empregador”, afirma o doutor em direito trabalhista Renato Bignami, um dos diretores do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

A reforma trabalhista (Lei 13.467) estabeleceu que os acordos coletivos agora têm liberdade para prever condições de serviço que antes eram inaceitáveis por lei em relação a pontos como jornada de trabalho, banco de horas, intervalo de alimentação e até grau de insalubridade do ambiente.

Outra mudança foi a criação da figura do trabalho intermitente. Isso significa que o trabalhador pode ficar permanentemente à disposição do patrão para serviços que só aparecerão ocasionalmente. Especialistas consideram precário esse tipo de trabalho porque o empregado não recebe salário nos períodos em que não trabalha, à espera de ser chamado.

A reforma trabalhista ainda determinou que a reparação por dano extrapatrimonial (dano moral) agora seja proporcional à remuneração do trabalhador. Quanto mais baixo for o salário, menor será a indenização a ser desembolsada pelo patrão condenado. Para os estudiosos do direito trabalhista, trata-se de uma regra que fere a isonomia, por estabelecer um valor variável para a dignidade a depender da posição socioeconômica do ofendido.

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A contribuição sindical obrigatória foi extinta. Hoje está na mão de cada trabalhador decidir se pagará ou não o tributo. Isso afetou as finanças dos sindicatos, dificultando seu funcionamento e sua capacidade de defender os interesses das respectivas categorias profissionais.

Bignami, do Sinait, lembra que, ao lado da necessidade de modernizar a legislação, outro argumento utilizado para sustentar a reforma trabalhista de 2017 foi a urgência de se criarem postos de trabalho, dado o contexto de crise e desemprego. Afirmou-se que a CLT previa direitos demais, o que encareceria a contratação de mão de obra e desencorajaria a atuação dos empresários.

“Esse foi mais um dos argumentos descaradamente falaciosos. A função das leis trabalhistas não é criar postos de trabalho”, refuta o especialista. “Emprego é criado quando o governo cuida adequadamente da economia do país e estimula atividade produtiva. A função das leis trabalhistas é, na realidade, proteger o ser humano da exploração no trabalho, garantindo que ele tenha bem-estar e qualidade de vida e que a sociedade como um todo progrida.

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O juiz trabalhista Luiz Antonio Colussi, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), concorda. Ele diz que a reforma trabalhista, ao contrário da promessa, não diminuiu o desemprego do Brasil. E acrescenta que a CLT não tem impacto significativo no Custo Brasil, já que inúmeras empresas do país seguem à risca a legislação sem que por isso deixem de contabilizar lucros.

“Essa história de que as empresas não suportariam o custo dos direitos trabalhistas é velha. Na época em que se propôs o 13º salário, nos anos 1960, os empresários se opuseram duramente à medida alegando que era dinheiro demais a ser pago e que acabariam indo à falência. Obviamente, a previsão catastrofista não ser confirmou. Pelo contrário, os empresários passaram a lucrar mais, já que o salário extra na mão do trabalhador no fim do ano estimulou o consumo, o comércio e a indústria”, diz Colussi.

Para a advogada Gabriela Neves Delgado, professora da Universidade de Brasília (UnB) e autora do livro Direito Fundamental ao Trabalho Digno (LTr Editora), as mudanças de 2017 não representam uma derrota definitiva para quem depende do trabalho assalariado para viver.

De acordo com ela, as leis, quaisquer que sejam, precisam sempre ser interpretadas à luz da Constituição. Como a Carta de 1988 garante proteção explícita aos direitos trabalhistas, os retrocessos recentes podem ser revertidos por meio da doutrina elaborada pelos juristas e da jurisprudência fixada pelos tribunais.

“O direito é, por natureza, um espaço de luta constante. No direito do trabalho, essa luta é especialmente acirrada. Quando uma lei é aprovada, isso não significa que nada mais possa ser feito. Pelo contrário, existe muito espaço para que nós, os intérpretes da lei, atuemos. A nossa missão é não permitir que a CLT deixe de ser um instrumento bem-sucedido de proteção do trabalhador, de inclusão econômica e social e de cidadania”, afirma.

1º de Maio

O Dia do Trabalhador, em 1º de maio, recorda a luta de trabalhadores por garantia de condições de trabalho. É feriado no Brasil e em cerca de 80 países. Neste dia, em 1886, trabalhadores de Chicago, nos Estados Unidos, foram às ruas para reivindicar redução da jornada de trabalho de 13 para oito horas por dia. As manifestações se arrastaram pelos dias seguintes, e resultaram em mortes.

(Com informações da Agência Brasil e da Agência Senado)

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Dhiego Maia

Subeditor de Finanças do InfoMoney. Escreve e edita matérias sobre carreira, economia, empreendedorismo, inovação, investimentos, negócios, startups e tecnologia.