A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou recurso da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. contra decisão que reconheceu o vínculo de emprego de uma motorista do Rio de Janeiro (RJ).
Segundo o relator do processo, ministro Agra Belmonte, a relação da motorista com a empresa é de subordinação clássica, pois ela não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da prestação do trabalho. “Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa, que pode baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor da corrida”, ressaltou.
A questão do vínculo de emprego entre motoristas e plataformas de aplicativos como a Uber (U1BE34) ainda é objeto de divergência entre diferentes colegiados do TST: a Quarta, a Quinta e a própria Oitava Turma já se posicionaram contra o reconhecimento, mas há precedente da Terceira Turma de que existem elementos caracterizadores da relação de emprego.
Também há decisões divergentes em instâncias inferiores. No TST, o assunto está sendo examinado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas.
Dois processos com decisões divergentes começaram a ser julgados em outubro. A ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora de um dos casos, votou por não reconhecer o vínculo trabalhista, mas o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, atual vice-presidente do TST, sugeriu que os processos fossem enviados ao Tribunal Pleno, para que sejam julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos (com a fixação de uma tese vinculante sobre o tema, para ser seguida por todas as instâncias).
Em seguida, o julgamento foi suspenso devido a um pedido de vista do outro magistrado, o ministro Cláudio Brandão.
O processo do Rio de Janeiro
A motorista diz ter trabalhado para a Uber entre 2018 e 2019. Segundo ela, sua remuneração mensal era de cerca de R$ 2.300, e seus gastos com combustível e manutenção do automóvel eram de R$ 500. Além do vínculo, ela pediu, na reclamação trabalhista, horas extras, ressarcimento desses valores e indenização por danos extrapatrimoniais.
O pedido foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau. Após a sentença, foi apresentada uma proposta de acordo pelo qual a motorista receberia R$ 9 mil a título de indenização e desistiria do seu recurso ordinário. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região não homologou o acordo, por entender que seus termos eram inadequados, e reconheceu o vínculo de emprego.
A decisão levou em conta que a lei, acompanhando a evolução tecnológica, expandiu o conceito de subordinação clássica, a fim de alcançar os meios informatizados de comando, controle e supervisão. “O que a Uber faz é codificar o comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, e essa programação fica armazenada em seu código-fonte”, concluiu.
Ao analisar o agravo pelo qual se pretendia rediscutir a não homologação do acordo, o ministro Agra Belmonte ressaltou que, segundo o TRT, a empresa vem se utilizando de um expediente conhecido como “litigância manipulativa” — o uso estratégico do processo para evitar a formação de jurisprudência sobre um tema (no caso, o vínculo de emprego). Um dos aspectos da prática é a celebração de acordo apenas nos casos em que houver a expectativa de que o órgão julgador vá decidir em sentido contrário ao seu interesse.
Na conclusão do ministro, a finalidade do acordo proposto pela Uber não foi a conciliação em si, como meio alternativo de solução de conflitos, “mas um agir deliberado, para impedir a existência, a formação e a consolidação da jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos seus motoristas”. Essa conduta, a seu ver, configura abuso processual de direito.
O que diz a Uber?
Por meio de nota, a Uber esclareceu que vai recorrer da decisão anunciada pela 8ª Turma do TST. “Além de não ser unânime, a decisão representa entendimento isolado e contrário ao de sete processos já julgados pelo próprio tribunal”, disse a companhia.
Uberização
Em relação ao vínculo de emprego, o relator observou que a nova modalidade de prestação de serviços de transporte individual, mediante uma “economia compartilhada”, embora tenha inserido uma massa considerável de trabalhadores no mercado, também é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho, com jornadas extenuantes, remuneração incerta e submissão direta do próprio motorista aos riscos do trânsito. “Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algoritmo”, exemplificou.
Na avaliação do relator, os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência “não podem se traduzir em salvo-conduto nem em autorização para a sonegação deliberada de direitos trabalhistas”.
Controle do meio produtivo
Para Agra Belmonte, a expressão “subordinação algorítmica” apontada pelo TRT é uma “licença poética”. “O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais, e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos”, assinala.
E, nesse sentido, a CLT (artigo 6º, parágrafo único) estabelece que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos.
“A Uber não fabrica tecnologia, e aplicativo não é atividade. É uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros”, afirmou o relator. “Basta ela deslogar o motorista do sistema para que ele fique excluído do mercado de trabalho. Basta isso para demonstrar quem tem o controle do meio produtivo”, concluiu.
A decisão foi por maioria, vencido o ministro Alexandre Ramos, que compunha o quórum da Oitava Turma.
496 processos no TST
Quase 500 processos começaram a tramitar no TST envolvendo empresas de mobilidade que oferecem prestação de serviços por meio de aplicativos (como 99, Cabify, iFood, Loggi, Rappi e Uber) desde 2019, segundo dados do próprio TST. Dessas 496 ações trabalhistas, 342 pedem o reconhecimento de relação de emprego. São ao todo 177 processos contra a Uber, dos quais 113 são relacionados à existência de vínculo empregatício.
Ao propor que é necessário firmar uma tese vinculante sobre a questão no Pleno do TST, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga apontou em outubro a complexidade do tema e a existência de vários recursos.
(Com informações do TST)
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