Entre a publi e a ‘ciência da recomendação’: o que faz o influenciador de investimentos?

CVM quer que profissionais informem quando estão fazendo propaganda 'disfarçada de informação isenta'

Martha Alves

A influência digital vem chacoalhando todos os aspectos da vida. Quem rompe a própria bolha e alcança os ditos milhões de seguidores nas redes sociais ganha palco, voz e vira uma espécie de figura chancelada para recomendar o que quiser — que vai da casa onde morar ao look perfeito a até indicações mais complexas, como ganhar dinheiro em ações e outros investimentos.

Mas os influenciadores digitais do mercado financeiro estão na mira de órgãos reguladores. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estuda regulamentar a relação comercial entre eles e os participantes do mercado de capitais.

Quem não se lembra do recente caso Silicon Valley Bank? A falência do banco dos Estados Unidos, a segunda maior da história daquele país, ganhou outros contornos com mensagens alarmistas espalhadas por influenciadores de finanças.  “Corra no banco! Tire seu dinheiro. Os bancos estão em apuros”, escreveu na ocasião o influenciador digital Kim Dotcom, em uma postagem alarmista vista por cerca de 2,4 milhões de usuários do Twitter.

A propagação desse tipo de informação respingou até no Brasil com Bradesco (BBDC4), Nubank (NUBR33) e Inter (BIDI4) sendo apontados como as próximas instituições a seguirem o mesmo caminho por uma suposta exposição ao SVB. Os bancos foram forçados a se manifestar na ocasição para desfazer o equívoco.

Esse tipo de situação exemplifica o perigo que é alardear uma informação sem responsabilidade pelos impactos que ela pode causar. Até porque a maioria dos seguidores veem os influenciadores de finanças como autoridades e isentos de qualquer suspeita.

Pesquisa recente da B3 mostra a força dos produtores de conteúdo financeiro: 75% das pessoas entrevistadas disseram ter começado a investir a partir de informações colhidas em canais de YouTube tocados por influenciadores de finanças.

E quantos são esses profissionais no Brasil? A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) já mapeou ao menos 515 influenciadores com atuação no mercado financeiro.

Poder de ação da CVM

Especialistas consultados pelo InfoMoney sinalizam que a medida estruturada pela CVM dificilmente será aplicada porque não tem força de lei.

Antonio Carlos Marques Fernandes, advogado especialista em direito digital, diz que a CVM pode criar uma regulamentação interna para sugerir o que seria adequado à categoria, mas não obrigá-la a cumprir a norma.

“A recomendação da CVM, no cenário prático, não tem força de lei”, explica Fernandes.

O advogado afirma que o ideal seria a CVM trabalhar em parceria com o Congresso apresentando um estudo para a criação de um projeto de lei específico que faça as regras entrarem em vigor com algum tipo de sanção. “O ideal é que tenha uma lei que diga ao influenciador que quando ele sugerir um produto do mercado financeiro é obrigado a dizer que ele está sendo pago por isso”, afirma.

Fernandes conta que ao menos dois deputados já tentaram estruturar projetos de lei sobre essa questão, mas a iniciativa ficou no meio do caminho porque para os legisladores ainda “é difícil tratar sobre uma área que não conhecem”, salienta.

Daniel Blanck, advogado especializado em direito civil, adverte para o perigo de muitas pessoas estarem investindo em algo que nem sabem o que é por confiança irrestrita em determinados influenciadores, que estão sendo remunerados para dar uma opinião muitas vezes carregada de interesses particulares.

“Sobre a responsabilidade do que é falado [pelos influenciadores] tem que ser por meio de um projeto de lei no Congresso porque seria possível até responsabilizar quem recomendou um produto que não alcançou o resultado prometido”, afirma Blanck.

A CVM foi procurada pela reportagem do InfoMoney para comentar os questionamentos levantados pelos especialistas. A autarquia encaminhou um posicionamento dois dias depois da publicação desta reportagem.

A CVM diz, por nota, que a expansão das redes sociais e o aumento do interesse dos investidores pelo mercado de capitais brasileiro requer atenção e respeito da atuação dos influenciadores digitais no âmbito do mercado regulado pela autarquia.

A instituição informou ainda que não tem a intenção de limitar a liberdade de expressão, mas destacou que análises de investimentos e recomendações feitas por influenciadores podem promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais. “A CVM não tem a intenção de tolher o exercício de liberdade de expressão de ninguém, desde que não sejam invadidos os perímetros de atuação de agentes regulados do mercado autorizado pela autarquia.”

A recomendação principal do estudo, diz a CVM, é a possibilidade de estabelecer regras para os influenciadores e participantes do mercado de capitais divulguem o vínculo contratual quando oferecerem conteúdo patrocinado a respeito de valores mobiliários.

“Ressaltamos a importância de o investidor, antes da tomada de decisão de investimento, verificar a veracidade de todas as informações recebidas. Além disso, apenas instituições ou pessoas autorizadas podem oferecer operações de forma profissional no mercado de valores mobiliários”, diz a nota, acrescentando que o investidor pode consultar no site da autarquia se a instituição possui autorização para atuar no mercado financeiro.

Canais do Youtube

Mepoupe
Nathalia Arcuri, criadora do canal Me Poupe!

Nathalia Arcuri, criadora do canal Me Poupe!, integra o grupo de influenciadores financeiros mais conhecidos do Brasil, com 7 milhões de inscritos no Youtube. Ela se orgulha de produzir conteúdo sobre finanças pessoais e, ao lado de outros influenciadores, ter popularizado o mercado financeiro para a massa.

Para Arcuri, os influenciadores foram os responsáveis por mudar o comportamento das pessoas em relação aos investimentos. “Eles são os veículos de comunicação que essas pessoas têm [na hora de controlar as finanças e investir]”, diz.

Nathalia afirma que a proposta da CVM de regulamentar a relação dos produtores de conteúdo e patrocinadores foi motivada pelos maus profissionais que não deixam claro para os seguidores que estão dando uma recomendação paga. “A CVM só determina que a publicidade seja transparente e não fala nada sobre as responsabilidades [sobre o conteúdo]”, diz.

Ela ressalta que os produtores de conteúdo precisam ter responsabilidade no seu papel de ensinar ferramentas disponíveis no mercado financeiro. Segundo ela, o papel de indicar investimentos é de um analista de investimento certificado com CNPI. “Quando começaram a pedir indicações de renda variável [no canal], eu trouxe um CNPI para dentro da minha empresa.”

Regulação da CVM é necessária

Nath Finanças

Nathalia Rodrigues, criadora do canal Nath Finanças com 331 mil inscritos no YouTube e a mais nova conselheira de Desenvolvimento Econômico e Social do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirma que a regulamentação da CVM é acertada e necessária porque falar sobre finanças e investimentos mexe diretamente com a vida financeira das pessoas.

“Tem pessoas que investem, colocam o patrimônio inteiro delas naquele investimento que o influenciador falou que é seguro e que vai dar um retorno rápido que não existe”, diz a influenciadora com graduação em administração de empresas e que estuda para tirar a certificação CFP (Certified Financial Planner).

Nath cita exemplos de influenciadores no Twitter que falam de finanças e investimentos que estão rendendo e, embora digam que não estão indicando um produto, estão fazendo publicidade. Ela diz que precisa ter um órgão que regulamente e cobre os influenciadores para deixarem claro que eles não podem indicar investimentos nas redes sociais sem saber o perfil do investidor — ainda que tenham certificação.

A influenciadora também defende que o produtor de conteúdo que fala sobre finanças não pode indicar publicidade de investimentos porque entra em conflito de interesse. “É um ponto sensível que eu vejo que a CVM precisa estar presente para as pessoas não caírem em furadas.”

Nath ressalta que a CVM deveria estar mais firme nas redes sociais porque essas pessoas precisam ser responsabilizadas pelas fakes news e por ganharem dinheiro, enquanto outras perdem.

Nath conta que pensa muito antes de aceitar fazer publicidade porque sabe da responsabilidade e do impacto do que fala para seus seguidores. “Para a gente construir uma imagem na internet demora anos, mas para perder é só um tuíte.”

Minha imagem, Minha vida

Murilo Duarte, do Favelado Investidor
Murilo Duarte, do Favelado Investidor

Com 359 mil seguidores no canal Favelado Investidor, no YouTube, Murilo Duarte ensina desde 2019 sobre educação financeira e mostra que investimentos não são apenas para ricos. Ele demorou três meses para juntar cerca de R$ 100 e fazer seu primeiro investimento em 2015 no Tesouro Direto.

De lá para cá, muita coisa mudou na vida de Duarte que se formou em Contabilidade, saiu de uma comunidade periférica e planeja dar a primeira casa própria à mãe no fim deste ano. Mas uma coisa não mudou: ele continua ensinando outros brasileiros a investir. “Eu pegava meu 13º ou férias e, ao invés de sair gastando ou pagando conta, eu investia.”

Duarte diz que foi com o trabalho como influenciador e o empreendedorismo – ele também ministra cursos – que acelerou todo o processo para mudar sua vida financeira. Começou investindo todo dinheiro que podia, mesmo sabendo das oscilações do mercado, e hoje acumula um patrimônio de mais de R$ 1 milhão.

Como influenciador, Duarte diz que sempre se preocupou com a publicidade que está fazendo e em ser transparente com os seus seguidores. Por isso, defende uma fiscalização da CVM para que os produtores de conteúdo sejam transparentes com relação àquilo que divulgam. “O dinheiro é importante sim, mas aqui, dentro do favelado investidor, a gente prioriza o serviço prestado que é o de levar educação financeira às pessoas”, salienta.

Duarte diz ainda que como influenciador não se arrisca a colocar sua imagem em qualquer produto, mas sabe que muitos profissionais do setor não se preocupam com isso. Ele afirmou que já recusou propostas de publicidade que fariam seu público perder dinheiro. “Eu conheço a realidade do brasileiro e sempre busquei fechar parceria em publicidade que, em primeiro lugar, fosse positiva e benéfica para quem me segue”, diz.

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Martha Alves

Jornalista e Mestre em Comunicação. Foi repórter nos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo e acumula experiência em comunicação corporativa