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Ninguém gosta de manter uma relação ruim, desgastada, cansativa. Mas, às vezes isso é necessário, por uma série de razões que envolvem desde dinheiro até a sensação de conforto ou segurança e o todo o contexto social.
Em 2020, por exemplo, o número de divórcios caiu no Brasil para o seu menor patamar desde 2015, segundo dados do IBGE. Faz sentido: era um momento incerto, conturbado e desconhecido. Até os cartórios, essenciais para esse tipo de procedimento, fecharam as portas. Diante da situação, muitos casais decidiram adiar o ponto final.
Nos anos seguintes, com o arrefecimento das medidas de isolamento social e a chegada da vacina, o quadro se inverteu. O Colégio Notarial do Brasil, que reúne mais de nove mil tabeliões, registrou recorde no número de casais que se separaram oficialmente em 2021: 77 mil casais se separaram de maneira consensual – o maior número desde 2007.
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Na relação com o trabalho, aconteceu algo semelhante. Pessoas que estavam insatisfeitas no emprego em 2020 preferiram continuar com a segurança de um holerite mensal a enfrentar o desconhecido. Essa é a conclusão de Alexandre Pellaes, consultor de gestão da HSM e mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela USP.
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E, novamente, passado o que se imagina ser o momento mais crítico do embate com a pandemia, esses profissionais decidiram largar a caneta (ou fechar a tela do Zoom) de vez.
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É nesse panorama que surge o movimento conhecido como Great Resignation (Big Quit ou Great Reshuffle também são usados), que pode ser traduzido como a Grande Debandada ou a Grande Renúncia, em uma tradução livre para o português.
Nos Estados Unidos, o fenômeno está bastante difundido. Somente em setembro e outubro de 2021, por exemplo, mais de 8,5 milhões de americanos pediram demissão sem ter outro trabalho engatilhado, segundo dados do Departamento de Trabalho. Com isso, a porcentagem de trabalhadores que deixaram seus empregos de modo voluntário atingiu sua máxima histórica de 3% nos últimos meses.
Isso levou o banco Goldman Sachs a analisar que a falta de trabalhadores nos Estados Unidos pode ser “um fenômeno de longo prazo” e poderia representar uma ameaça ao crescimento da economia americana, que já está repleta de placas com “Estamos contratando”.
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A onda dos pedidos de demissão começou no fim de 2020, com o relaxamento de algumas restrições vividas durante a pandemia e virou até hashtag popular no TikTok, #quittingmyjob, e fórum no Reddit, uma rede de comunidades digitais.
Segundo a análise do Goldman Sachs, o movimento, embora já tivesse começado timidamente, foi catalisado pela pandemia, que criou uma tempestade perfeita com incentivos financeiros e a paralisação de processos de imigração, além de obrigar as pessoas a buscar novas formas de conseguir renda e trabalhar remotamente.
E claro, há sempre a razão da facilidade de encontrar outro trabalho. Hoje, nos Estados Unidos, a taxa de desemprego fica abaixo de 4%.
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Na China, com uma taxa de desemprego em torno de 5%, o movimento ganhou outro nome, de “tangping”, que pode ser traduzido para “fique deitadão”, e começou com pessoas de até 40 anos que preferem não fazer nada (nem trabalhar, nem estudar, nem mesmo casar). Visto como um protesto ao estilo de trabalho “996” (trabalhar das 9h às 21h, 6 dias por semana), o movimento se espalhou por comunidades digitais e ganhou adeptos.
Cenário brasileiro
Algo muito diferente se passa no Hemisfério Sul. No Brasil, a taxa de desemprego ronda os 11,5%.
Mesmo assim, o Brasil parece estar vivendo uma situação relativamente parecida. Em fevereiro, por exemplo, 560.272 pessoas pediram demissão, segundo levantamento feito pela LCA Consultores. O fenômeno também tem sido reportado na China, Índia, Reino Unido, Alemanha e França.
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As empresas fazem o que podem. Até mesmo o próprio Goldman Sachs, que tinha uma política de demitir cerca de 5% da sua força de trabalho com pior performance no ano, deve rever a política para não ficar sem funcionários.
Em busca da mão de obra, as companhias estão partindo para o leilão: oferecendo benefícios como bônus de contratação, dispensa em feriados, auxílio-faculdade, licença-parental e, claro, salários maiores. Assim, o movimento de Great Resignation pode acabar virando “Great Upgrade”.
Razões para demissão
Para Pellaes, da HSM, são quatro os principais motivos: 1) cultura tóxica das companhias; 2) insegurança dentro da organização; 3) excesso de pressão; e 4) falta de reconhecimento profissional. “A pandemia mudou a forma como nos relacionamos com o trabalho. Para muitos profissionais foi um momento de epifania, de pensar ‘eu estou perdendo tempo da minha vida aqui’”, afirma Pellaes.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa do Pew Research Center corrobora as informações de Pellaes. De acordo com o levantamento publicado em fevereiro de 2022, entre as principais razões para os pedidos de demissão dos americanos estão baixos salários, falta de oportunidade e respeito no ambiente de trabalho, falta de flexibilidade ou benefícios. O único ponto diferente e que diz respeito somente ao funcionário é a demissão causada pela necessidade de mudança do profissional para outra região.
Também é importante destacar que nos Estados Unidos, diferente do Brasil, é comum que profissionais sejam contratados e recebam por horas trabalhadas. Dessa forma, jornadas muito curtas resultam em menos dinheiro no bolso do funcionário.
Ainda de acordo com o consultor, durante a pandemia, o mercado mudou. Mas nem todas as companhias acompanharam as mudanças. “Com isso, existe uma insegurança dos profissionais sobre os rumos da própria companhia. E isso pode ser muito desmotivador”, afirma.
No outro lado dessa moeda, está o excesso de discurso e pressão por inovação. “Nessas situações, algumas companhias começaram a pressionar ainda mais os profissionais a dar resultados, criar, vestir a camisa – sem uma recompensa por isso. E então, o funcionário pode começar a pensar ‘eu não ganho para isso’”, afirma Pellaes.
Segundo um estudo realizado pela Kaspersky com mais de 8 mil profissionais em 18 países, 53% dos brasileiros pretendem trocar de emprego e, entre as principais motivações para a mudança está a manutenção do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Em uma avaliação mais profunda, as empresas não mudaram tanto assim nos últimos meses, o que mudou foi a compreensão das pessoas sobre o que é trabalho, qual é a troca que estão dispostas a fazer e quais são os limites”, afirma Pellaes.
Para a psicóloga e especialista em psicanálise pela USP Ana Volpe, o movimento de demissão voluntária já vinha acontecendo antes da pandemia. “As novas gerações não estão mais interessadas em reconhecimento financeiro apenas, mas na realização pessoal e reconhecimento. O trabalho passou a ser visto como um dos aspectos da vida de alguém, e não como o todo”, diz.
De acordo com Volpe, a solução para as companhias que quiserem manter seus talentos será uma busca pelo sistema híbrido de trabalho, com pontos de contato e conexão entre as pessoas. “As pessoas descobriram uma flexibilidade que não querem largar mais. Algumas das pessoas que entraram no mercado de trabalho agora podem nunca ter que pisar em um escritório e, com isso, também fica mais complicado criar vínculo com o trabalho”, afirma.
Para ela, é essencial fazer as pessoas se sentirem parte do grupo. “Ter ao menos um dia de conexão em que aquele time se encontra, é o melhor cenário. E é importante também que os times se misturem. Quem é do financeiro precisa conhecer quem é do atendimento, por exemplo”, diz. Esse encontro semanal ou mensal acaba virando um momento especial, de interação entre colegas.
Como ficam as empresas
Para Maiti Junqueira, Gerente de Desenvolvimento de Talentos da LHH, as empresas brasileiras ainda estão começando a observar o fenômeno. “No Brasil, a experiência das empresas ainda não tem sido de um debandada. Mas já temos notado saídas de profissionais mais escolarizads e qualificados do que a comparação com os Estados Unidos, e com maior empregabilidade, como profissionais de TI”, diz.
Junqueira concorda que o principal motivo para os pedidos de demissão desses profissionais é cultura da organização. “Mais de 80% das empresas no Brasil são familiares. Muitas delas, com uma cultura que oferece menos flexibilidade, tem índices menores de inclusão e diversidade e funciona na base de comando e controle. Mas a pandemia mostrou outras possibilidades para os funionários”, informa Maiti Junqueira.
Outro aspecto pode colaborar na debandada de talentos: a insegurança. “Os profissionais estão menos dispostos a viver com instabilidade depois de dois anos de pandemia. Então uma empresa que estã passando por um processo de fusão e aquisição, ou que está segurando investimentos ou passando por muitas reestruturações e reorganizações pode sofrer debandadas”, afirma.
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