Lemann se diz um “dinossauro apavorado” sobre inovação, mas corre para mudar isso

Durante o painel “Estratégia e liderança na época da ruptura“, na conferência anual do Milken Institute, que aconteceu na última semana, Lemann comentou sobre os desafios de inovação que enfrenta 

Júlia Miozzo

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SÃO PAULO – Aos 87 anos, Jorge Paulo Lemann tem sob seu nome empresas como a AB Inbev, Kraft Heinz e o grupo 3G Capital, controlador do Burger King, entre outros inúmeros negócios. É o homem mais rico do Brasil e um dos empresários mais consagrados do país.

Já foi chamado de “bilionário ousado” e elogiado pela “capacidade de melhorar operações e reduzir custos” por jornais como o The New York Times e Washington Post. Ainda assim, sob todos esses títulos, Lemann se considera um “dinossauro apavorado” frente ao atual rumo do mundo dos negócios.

O “desabafo” foi feito durante o painel “Estratégia e liderança na época da ruptura” na conferência anual do Milken Institute, que aconteceu na última semana.

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Ele confessou que foi “pego de surpresa” pelas inovações mais recentes do mercado e que precisou correr atrás para se ajustar às novidades – como o “boom” das cervejas artesanais, ao qual Lemann afirma que demorou para reagir.

Lemann ainda comentou sobre é a estratégia do Grupo 3G para se reinventar e citou a Zara, Nike e Starbucks como exemplos de inovação e de adaptação ao novo mercado.

Abaixo, confira a transcrição completa do depoimento de Lemann, respondendo às perguntas do mediador do painel, o editor-executivo da revista Fortune Adam Lashinski.

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Adam Lashinski: Jorge, começando por você. Você investiu em indústrias focadas no consumidor, cerveja, alimentação. Nos diga como essas empresas veem a inovação hoje e como você avalia a inovação nas últimas décadas.
Jorge Paulo Lemann: Eu sou um dinossauro apavorado, especialmente depois dessa conferência. Ontem assisti a um painel sobre alimentação ontem e tudo o que eles falavam era sobre novas formas de produzir alimentos e novos produtos. Depois, em outro painel, eles falaram sobre inteligência artificial, análise de dados e coisa assim.

Eu vivi as últimas décadas naquele mundo confortável de marcas antigas e volumes grandes, em que nada mudava muito, e você podia só focar em ser mais eficiente e tudo ficava bem, e, de repente, nós estamos sendo ultrapassados de todas as formas. Se você vai a um supermercado, você vê centenas de novas marcas na prateleira; o cliente não quer mais sair de casa, ele quer tudo entregue na casa dele; e em cerveja, tivemos todos estes novos tipos de cerveja chegando, as cervejas artesanais.

Estamos sendo afetados por tudo, e estamos correndo para nos ajustar. Nossas empresas estavam presas às suas formas de fazer as coisas há muito tempo. Então, na cerveja, montamos um departamento totalmente novo, o Zx, cuja missão é lidar com essas rupturas e nos inovarmos. Contratamos gente nova, gente mais jovem, voltada para dados, para o digital, e queremos que esse seja um modelo que possamos replicar nas outras empresas. Estamos lutando.

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É correto dizer que, na sua carreira, esse é um novo paradigma? Que você fez tudo de uma só maneira até aqui, mas agora existe uma mudança de mercado?
Certamente. Nós compramos marcas e achamos que elas durariam para sempre. Tomamos muito dinheiro barato emprestado, porque o dinheiro era barato. Isso funcionou muito bem. E aí só administrávamos aquilo de forma mais eficiente. Mas agora, temos que nos ajustar às novas demandas dos clientes, clientes que hoje são mais volúveis e querem produtos diferentes todos os dias, que sejam entregues de uma forma nova e mais fácil…. Temos que nos ajustar para tudo isso.

Existem grandes empresas, também tradicionais, que já se adiantaram. Starbucks, Nike e a Zara são algumas. Algumas pessoas estão em negócios como os nossos, que são tradicionais, e se ajustaram, então temos que seguir esse caminho.

Se eu posso discordar, você disse que gerenciou essas empresas “com um pouco mais de eficiência”. Eu diria que a maioria das pessoas concorda que vocês administram “com muito mais eficiência”.
Bom, eu não sei… As pessoas nos criticam por isso também. [risos]

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Nessa sala, acho que isso é uma conquista. Mas, bancando o advogado do diabo: alguém pode dizer que você e seus colegas não são as pessoas para tocar essa mudança porque essa não é uma especialidade sua. O que você diz sobre isso?
Ah… Eu tive muitas carreiras em minha vida. Fui jogador de tênis, trabalhei com finanças, entrei… e tenho me adaptado a todas! Eu tenho 78 anos, mas estou pronto. Estou lutando. Não vou fingir de morto.

Apenas para confirmar se entendi corretamente, as companhias que você mencionou que admira são a Starbucks, Nike e Zara?
Eu digo que elas fizeram um trabalho melhor do que o que estamos fazendo, de entender o que seus clientes querem e o que consumidores querem.

[…]

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As cervejas artesanais se tornaram populares há um tempo. Para cada empresa, a questão não é “deveríamos inovar?”, mas sim “quando? em que momento?”. Como você e suas empresas enxergam isso?
Bom… nós somos empresas globais agora. Então aqui nos Estados Unidos, tudo está mudando muito rápido. Isso é bom para nós pois, de certa forma, podemos ver o que vai acontecer no resto do mundo mas que não está acontecendo tão rápido.

Na África, que tem um bilhão de pessoas e terá dois bilhões de pessoas em 25 anos, uma população jovem e de clima quente, cerveja vai ser algo muito grande, e nós vamos ser capazes de aprender tudo o que estamos aprendendo aqui e eventualmente fazer na África. A China é um grande mercado em crescimento também. Você tem algum tempo para fazer as coisas. Quando as cervejas artesanais nos pegaram de surpresa, tínhamos acabado de entrar nos EUA, havíamos acabado de comprar a Anheuser-Busch. Então elas entraram e aquilo nos pegou de surpresa. Demoramos um pouco para reagir.

O que você quer dizer com “elas nos pegaram de surpresa”? Em que sentido?
De certa forma, nós estávamos presos no nosso jeito de trabalhar. Uma marca sólida, isso era importante… E então do nada novas coisas surgiram, fizemos reuniões de conselho em um restaurante que tinha 200 marcas de cerveja artesanal, nenhuma delas nossa. Coisas desse tipo.

Isso nos surpreendeu, mas nós reagimos. Compramos 20 empresas de cerveja artesanal, contratamos algumas pessoas e estamos aprendendo muito com elas. Nos mercados internacionais, não nos surpreenderemos mais. Mas, se uma cerveja artesanal boa aparecer no brasil ou argentina, vamos comprar na hora.

[…]

Jorge, ainda nessa conversa sobre o treinamento de trabalhadores e o “reskiling”, me perdoe, mas parece muito caro para mim. especialmente em um negócio de margem pequena. o que você pensa sobre isso?

bom, as pessoas são o ativo mais importante que você pode ter em uma empresa. então nós sempre estivemos muito focados em treinar as pessoas, dar oportunidades às pessoas mais jovens, nós dificilmente contratamos estrangeiros – a maioria deles vêm de nossos programas de intercâmbio. então estamos muito focados nas pessoas e rastreamos os que são mais rápidos cuidadosamente, nós seguimos eles, vemos o que eles fazem, e então nós ajustamos as novas necessidades, trazendo novas pessoas. muito mais em análise de dados e coisas desse tipo, que é diferente do que fazíamos antes.

também somos muito conscientes sobre dar os incentivos corretos para eles. então os participantes de nosso conselho sabem que nós somos muito corretos ao dar os incentivos corretos às pessoas que queremos, atrairmos eles para que eles venham até nós. estamos muito focados nas pessoas. gastos com pessoas não é algo que cortaríamos.

Você esta falando agora sobre as empresas operacionais, não a 3g?
Sim, exatamente.

Vocês controlam o mundo com 20 pessoas?
Mais ou menos isso. [risos]

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