O que os profissionais da mobilidade por aplicativo no país reivindicam dos candidatos à Presidência?

Priorizar as pessoas e ampliar a proteção social à categoria integram pedidos de carta-compromisso endereçada aos postulantes ao Palácio do Planalto

Equipe InfoMoney

(Shutterstock)
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A informalidade e a fragilidade enfrentadas por entregadores e motoristas de app ficaram ainda mais evidentes na pandemia de Covid, o que gerou uma onda de propostas no Congresso na tentativa de oferecer alguma proteção social à categoria. Agora, o setor se mobiliza para garantir que suas demandas sejam recebidas pelos candidatos à Presidência, pelos que disputam o comando dos governos estaduais e aos que pleiteiam uma vaga nas casas legislativas federal e dos estados.

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), entidade que reúne os maiores aplicativos de mobilidade em operação no Brasil, enviou uma carta-compromisso aos candidatos com as suas principais reivindicações. Entre as associadas da Amobitec estão iFood, Uber, 99, Lalamove, Amazon, Buser e FlixBus.

A entidade busca dos candidatos o compromisso de promover e estimular políticas públicas que transformem a qualidade dos deslocamentos urbanos, interurbanos, intermunicipais e interestaduais, e a vida das pessoas nas cidades e no país.

“A Amobitec defende a reflexão sobre a Nova Mobilidade de forma a englobar o urbano, o interurbano, o intermunicipal e o interestadual, em um desenho de política pública ampla que coloque o cidadão no centro do planejamento viário e atenda às suas necessidades diárias e eventuais, possibilitando a concretização do direito constitucional ao transporte em todas as suas vertentes e alcances, e propondo a complementaridade e a subsidiariedade dos serviços prestados de modo multimodal. Para tanto, o uso da tecnologia e a economia compartilhada são o caminho e a ferramenta necessários ao desenvolvimento de uma realidade mais inclusiva e sustentável”, diz o documento.

Confira, abaixo, as principais reivindicações da categoria:

1. Priorizar as pessoas no planejamento da mobilidade:

● Espaços urbanos devem ser projetados para as pessoas e para o interesse público, reduzindo sua ociosidade e ampliando   modos ativos de transporte coletivo (ciclovias, calçadas e faixas exclusivas para ônibus).

● De igual modo, deslocamentos intermunicipais e interestaduais devem ser planejados de modo que o foco seja o cidadão, o coletivo, com a ampliação da oferta dos serviços por meio da complementaridade do público com o privado, com a redução dos preços, a qualidade dos serviços e a maior segurança do usuário. Para atingir tais melhorias, a categoria defende a abertura do mercado e o aumento da capilaridade de pontos de embarque e desembarque.

● O desenvolvimento urbano, bem como o planejamento e regulamentos de construção e zoneamento e outras políticas de uso do solo, devem incentivar cidades compactas, sustentáveis e acessíveis à população.

● O desenvolvimento regional deve incentivar e facilitar a conexão entre cidades e pessoas, planejado de modo conjunto com políticas de turismo e de desenvolvimento econômico.

● Recursos devem ser priorizados para soluções que impactem o maior número de pessoas.

● Melhoria da qualidade de vida aos cidadãos, por meio de uma mobilidade limpa, eficiente e segura.

● Incentivar a multimodalidade aumentando a eficiência dos deslocamentos urbanos, intermunicipais e interestaduais e reduzindo a dependência do automóvel próprio e a excessiva demanda por espaços privados e ociosos nas vias.

2. Ampliar a proteção social dos trabalhadores em plataformas de mobilidade urbana:

● Uma nova regulação sobre o tema, para ser efetiva, precisa responder às dinâmicas deste mercado, no qual é recorrente o uso dos aplicativos de mobilidade urbana como complementação de renda, de forma regular ou esporádica, assim como o exercício da atividade em diversas plataformas simultaneamente.

● A ampliação da proteção social não deve acontecer com base em regras antigas que não se adequam à realidade do trabalho em plataformas de mobilidade urbana. Tal solução significaria a redução das oportunidades de geração de renda e afetaria o que motoristas de transporte individual urbano e entregadores mais valorizam nos aplicativos: a flexibilidade e autonomia para trabalharem quanto e quando quiserem, nas plataformas que escolherem.

● É preciso endereçar o tema da segurança jurídica desse ambiente de negócios, sedimentando a jurisprudência consolidada sobre a atividade de intermediação realizada pelas plataformas e sua natureza cível.

Mão segurando um celular com o logo da Uber centralizado na foto. Um carro passa no fundo da imagem
Logotipo do aplicativo da Uber em celular (Shutterstock)

3. Garantir a inovação no setor da mobilidade:

● Políticas que incentivem a inovação pública e privada devem ser adotadas para o surgimento de novas soluções de mobilidade.

● O governo e o Legislativo devem promover um ambiente que estimule a diversidade de serviços de mobilidade com a adoção de novas tecnologias e o estímulo à inovação e ao empreendedorismo.

● Serviços de mobilidade compartilhada e sob demanda devem ser vistos como soluções essenciais para a mobilidade atual.

● Basear-se nas mais recentes evidências científicas e dados para a construção e formulação de políticas públicas voltadas para a mobilidade urbana, intermunicipal e interestadual.

● O uso de tecnologias na mobilidade, pensada em seu sentido amplo (urbano, interurbano, intermunicipal e interestadual), deve ser abraçado e promovido pelos agentes públicos, de modo que a inovação não seja refreada ou criminalizada de modo arbitrário, mas sim compatibilizada com a regulamentação vigente.

3. Trabalhar em parceria com o setor privado e organizações não governamentais:

● Discussões sobre regulamentações que se referem a novos meios de deslocamento devem incluir os diversos atores envolvidos e impactados pelas medidas, com ampla promoção da participação no desenho e na implementação das políticas públicas.

● Políticas que incentivem a colaboração entre setor público e privado devem ser adotadas.

● Diferentes serviços de transporte devem ser entendidos como complementares, com o incentivo à integração modal no cerne das políticas públicas planejadas. Os serviços públicos ou serviços privados de interesse público são harmônicos e coexistem com os serviços privados.

● Priorizar a lógica da mobilidade como solução para deslocamentos mais multimodais e eficientes, reduzindo a centralidade do automóvel próprio no ambiente urbano e rodoviário.

4. Promover a melhoria dos sistemas de transporte públicos e privados:

● O sistema de transporte público deve se tornar mais dinâmico e integrado com outros tipos de transporte, através da incorporação das novas tecnologias do setor e da complementaridade entre público e privado.

● Para melhorar a gestão do sistema, a frota do sistema de transporte público urbano deve ser monitorada em tempo real. Sistemas de bilhetagem abertos e integrados devem ser implementados, para facilitar o acesso aos serviços de transporte urbano.

● Todos os serviços de transporte devem ser integrados e planejados entre regiões e modos complementares, para que isso ocorra, a integração deve ser facilitada através de conexões físicas, pagamentos integrados e informações combinadas.

● As políticas públicas de mobilidade devem buscar a intersetorialidade, a partir da harmonização com outras políticas, como a de turismo e de desenvolvimento econômico.

● O uso da tecnologia contribui com maior segurança aos usuários e reduz custos de transação para agências reguladoras do transporte intermunicipal e interestadual quanto ao monitoramento das viagens rodoviárias regulares e eventuais.

5. Comprometer-se com a abertura do mercado de mobilidade:

● O processo de abertura dos mercados de mobilidade urbana, intermunicipal e  interestadual, que vem ocorrendo há muitos anos, garante aos cidadãos o aumento da oferta de serviços, a sua liberdade de escolha, a redução dos preços estimulada pela concorrência saudável, e a busca pela melhora na qualidade dos serviços prestados e na maior segurança aos usuários.

● O foco das regulações deve ser a qualidade do serviço prestado e a segurança do usuário, acabando com barreiras de mercado criadas artificialmente para proteger um grupo econômico bastante restrito.

● O aumento da oferta dos serviços de mobilidade, estimulado por meio da complementaridade entre serviços públicos e privados e da integração intermodal, beneficia os cidadãos e liga cidades e regiões não conectadas ou com pouca oferta.

● A redução dos preços das passagens ou rateios de transporte é fundamental para promover a inclusão de cidadãos de baixa renda e a democratização do acesso ao transporte.

● O estímulo ao empreendedorismo promove a geração de renda para a população brasileira.

● Oportunizar ao pequeno empresário condições reais de empreender e competir em mercados concentrados.

● A regra infralegal do “circuito fechado”, aplicável ao transporte rodoviário de passageiros realizado por fretamento, deve ser extinta, por significar uma barreira de mercado criada artificialmente e sem qualquer função regulatória apenas para privilegiar um pequeno grupo do setor.

6. Comprometer-se com a abertura de dados do transporte público:

● Os governos locais devem possuir autonomia sobre os dados de transporte público.

● Dados públicos devem ser disponibilizados de acordo com padrões definidos internacionalmente.

● Os dados do transporte público urbano e rodoviário devem ser abertos para que possam surgir soluções que melhorem a experiência das pessoas na mobilidade.

● Empresas devem compartilhar informações com cidades, estados e com a União, respeitando as diretrizes da LGPD, e contribuindo com políticas públicas baseadas em evidências.

O que dizem os candidatos

Os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais se manifestaram sobre o setor de mobilidade por aplicativos no país. Em seu programa de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, diz que a “estratégia de inclusão e combate à informalidade deverá contemplar alternativas contratuais inteligentes, (…) incluindo trabalhadores por aplicativo”.

Em abril, o Ministério do Trabalho e Previdência anunciou que o governo pretendia regulamentar esse tipo de trabalho ainda neste ano, numa modalidade própria, distinta da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas com recolhimento de contribuição previdenciária.

“Eu queria, até o final de 2022, deixar isso desenhado, mas a gente não pode ter pressa. Tem de ter tranquilidade para desenhar uma política que faça essa entrega para a sociedade”, diz o ministro José Carlos Oliveira.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz em seu programa que vai propor uma nova legislação trabalhista, com “especial atenção” a trabalhadores “mediados por aplicativos e plataformas”. Procurada, a campanha não detalhou a proposta para essa categoria.

A campanha de Ciro Gomes (PDT) propõe uma legislação que contemple tanto os trabalhadores que enxergam a atividade como um complemento salarial como os que gostariam de estabelecer vínculo formal. “Precisamos prever as duas possibilidades para que o trabalhador opte, individualmente, pela que preferir: vínculo normal de trabalho, com carteira assinada nos moldes atuais, ou uma forma de registro que viabilize uma atuação flexível”, afirma Nelson Marconi, coordenador do plano de governo.

Simone Tebet (MDB) afirma que os trabalhadores do setor também serão contemplados no programa Poupança Seguro Família. “O governo irá reservar 15% da renda declarada desses trabalhadores para constituir uma poupança, na qual eles poderão sacar recursos até duas vezes por ano em momentos de queda de renda”, diz a campanha da candidata.

Como setor é tratado em outros países?

Regulamentar as relações de trabalho por aplicativos é um desafio mundial. Na tentativa de garantir tanto proteção social aos trabalhadores como segurança jurídica às empresas, alguns países vêm criando categorias jurídicas intermediárias entre empregados e autônomos — que, no entanto, estão longe de encerrar os embates em torno da questão.

Estudo realizado pela FGV Direito-SP avaliou modelos adotados no Reino Unido e na Espanha, além do estado americano da Califórnia.

Na Califórnia, uma lei aprovada em 2021 designou motoristas e entregadores de aplicativo como independent contractors, que seriam autônomos com alguns benefícios, como seguro contra acidentes e valor mínimo proporcional ao tempo trabalhado. Depois, a lei foi declarada inconstitucional e até hoje é alvo de apelações e debates na Justiça.

Já no Reino Unido, no mesmo ano, uma ação movida contra a Uber foi parar na Suprema Corte. A decisão classificou os motoristas como workers, também uma categoria intermediária, o que permitiu aos trabalhadores usufruir de benefícios como salário mínimo por hora, férias e intervalos para descanso. A Suprema Corte concluiu que havia elementos que indicavam a subordinação dos motoristas à Uber suficientes para caracterizar relação de trabalho, afastando a hipótese de uma relação apenas civil ou comercial.

Na Espanha, foi aprovada a lei Rider, restrita a entregadores. Ela estabelece a presunção de vínculo empregatício e impõe a obrigação de a empresa fornecer informações sobre algoritmos que operem no gerenciamento do trabalho. Mesmo tendo nascido de um processo de diálogo entre trabalhadores e plataformas, posteriormente a representatividade das entidades que participaram passou a ser muito questionada.

Jurisprudência

“Na literatura internacional, temos tentativas e modelos, mas ainda com muito vaivém: tentam uma coisa e depois voltam atrás. Ninguém conseguiu resolver esse problema a contento”, avalia o economista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP. “Tanto que, no mundo inteiro, uma grande parte da regulação está sendo feita através de jurisprudência, das sentenças dos juízes”, acrescenta (leia mais ao lado).

Responsável pelo estudo e pesquisadora da FGV,  Olívia Pasqualeto, avalia que ainda é preciso avançar na questão previdenciária. “Nos casos analisados, fica mais evidente a preocupação em decidir qual é a natureza jurídica da relação entre trabalhador e plataforma do que a questão da seguridade social, como a Previdência, que é algo importante”, diz.

Ainda na tentativa de tirar lições da experiência internacional, ela destaca a necessidade de olhar para além dos motoristas e entregadores. “Há muitas outras atividades intermediadas por plataformas: serviços domésticos, de beleza, entretenimento”, diz. “Se a gente quer regular de forma mais duradoura esse tema, é preciso olhar também para esses outros trabalhadores.”

(Com informações do jornal O Estado de S. Paulo)

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