STF decide a favor da demissão sem justa causa em julgamento

Com o desfecho sobre o processo, que durou 25 anos, STF decide que nada muda e demissão sem justa causa segue válida

Equipe InfoMoney

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O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela validade de um decreto presidencial de 1996 que, na prática, permite aos empregadores demitirem seus funcionários sem apresentar justificativa ou justa causa.

O voto decisivo foi do ministro Kassio Nunes Marques, incluído no plenário virtual da Corte na última sexta-feira (26). O placar ficou 6 a 5 pela constitucionalidade do decreto, editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A medida afastava os efeitos no país da convenção 158, da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

O STF julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 39 (“ADC 39”) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1625 (“ADI 1625”), liberadas pelo ministro Gilmar Mendes no último dia 4 de maio, após pedido de vista (mecanismo usado no Judiciário para travar o julgamento de um caso para melhor análise do tema). O artigo previa que o empregador teria que apresentar uma justificativa para demitir um funcionário, o que poderia suscitar discussões na Justiça sobre a motivação das empresas em fazer desligamentos.

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Flavia Oliveira, advogada trabalhista do Andrade Foz advogados, explica que nada mudou em relação à lei atual, ou seja: os empregadores continuam podendo rescindir os contratos de trabalho sem dar justificativa.

“A decisão final não muda a vida do trabalhador. As relações permanecerão idênticas. Quem cometer faltas disciplinares poderá ser dispensado por justa causa, nos moldes do artigo 482 da CLT. Por outro lado, quando o empregador quer demitir um funcionário sem justa causa, ou seja, por questões de custo, performance e redução de quadro de pessoal poderá fazer sem necessidade de falar o motivo”, explica a advogada. 

Na visão de Felipe Arendit, advogado trabalhista do escritório Barbosa Prado, a decisão, embora não apresente impactos práticos no ordenamento nacional, é relevante para pôr um ponto final no tema após 25 anos de julgamento.

“Com a decisão passa a estar validado juridicamente a prática do desligamento sem justa causa e firma o posicionamento definitivo quanto à necessidade de manifestação do Congresso Nacional para denúncias de tratados e convenções internacionais, pacificando o tema em outras áreas além da trabalhista.”

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Do que se trata?

O processo, que tramitava na Corte há mais de 25 anos, discutia a validade do decreto (nº 2.100/96) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que cancelou a adesão do Brasil à Convenção n° 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Embora inclua a demissão sem justa causa, o que estava em julgamento, na verdade, era se o presidente da República pode revogar uma adesão a uma convenção internacional, neste caso da OIT, sem prévia autorização do Congresso Nacional.

Isso porque FHC assinou em 1996 um decreto que suspendia a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT, que trata de situações de “Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador” e delimita os casos de demissões sem justa causa.

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Assim, se o STF entendesse que houve irregularidade na forma como o ex-presidente tomou a decisão de sair do acordo, o Brasil voltaria a fazer parte da convenção. O que não aconteceu.

A relação com a demissão sem justa causa no processo se dá porque essa convenção tem recomendações para que se evite esse tipo de situação. Os países signatários não podem permitir que os empregadores demitam seus empregados sem uma justificativa comprovada. A ideia é regulamentar a rescisão de contrato para evitar demissões por discriminação ou perseguição, por exemplo.

O tema gerou muita confusão, mas a convenção não acabaria com a demissão sem justa causa de qualquer maneira. A OIT recomenda que, para as hipóteses em que não haja um motivo para a demissão, o país-membro garanta alguma forma de preservação do emprego ou indenização compensatória, além de aviso prévio e seguro-desemprego.

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No Brasil, a legislação já prevê isso para os casos disciplinares, mas não para as motivações de âmbito econômico, tecnológico e estrutural. Nesse sentido, se o Brasil voltar a aderir à Convenção 158, seriam necessárias mais indenizações e instrumentos de proteção ao emprego. Como o STF entendeu que não houve irregularidades, nada muda.

Sobre a decisão do julgamento

Na decisão de sexta (26), Nunes Marques optou pelo caminho do meio, fixado pelo então ministro do STF Teori Zavascki, em 2016. Ele declarou que a revogação de tratados internacionais por um ato isolado do presidente depende de autorização do Congresso. Porém, propôs que o entendimento só deve valer para casos futuros, não alcançando a decisão de FHC, nem outras revogações ditadas por decreto presidencial.

Além de Nunes Marques, Gilmar Mendes e André Mendonça aderiram à tese do meio-termo. O placar dando validade ao decreto de FHC sobre a justa causa se completou com os votos de Nelson Jobim e Dias Toffoli, que julgaram procedente a permissão para que o presidente da República revogue a adesão a tratados internacionais.

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Foram vencidos o relator, o ministro aposentado Mauricio Corrêa, além de Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, porém com gradações e diferentes interpretações da questão.

Vale lembrar que dos 11 votos dados sobre esse julgamento cinco deles são de ex-ministros: Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Nelson Jobim, Maurício Côrrea (Relator) e Teori Zavascki — inclusive os dois últimos faleceram em 2012 e 2017, respectivamente.

Em sua decisão, Nunes Marques observou que a convenção da OIT que motivou a ação não foi aceita pela maioria dos países-membros, como Alemanha, Inglaterra, Japão, Estados Unidos, Paraguai e Cuba. E que a sua adesão poderia representar riscos para os empregadores.

“É importante destacar que, conquanto louvável o zelo do art. 158, OIT, seus efeitos podem ser adversos e nocivos à sociedade. Isso provavelmente explica a razão da denúncia feita por decreto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso à época, cioso quanto ao fortalecimento do número de empregos, bem como à necessidade, para isso, de investimento nacional e internacional, com vistas à evolução e geração de desenvolvimento da própria sociedade brasileira. Daí a necessidade de se conferir ao julgado efeitos prospectivos”, escreveu o magistrado.

Sem anúncio do resultado

Por causa do entendimento diverso sobre o tema, o STF ainda não proclamou o resultado, o que não tem prazo para ocorrer. A proclamação é que dará o entendimento fechado da Corte sobre as atribuições do presidente e do Congresso na revogação de tratados e a adesão a convenções internacionais.

Apesar de não ter tido uma anúncio oficial do resultado, Flavia Oliveira, do Andrade Foz, afirma que não há possibilidade do entendimento sobre a lidalidade da demissão sem justa causa mudar.

“O STF ainda pode discutir o que o presidente da República pode ou não fazer em casos como esse. Se ele pode aprovar decretos sem aprovação do Congresso ou não”, afirma a advogada.

*Com informações do Estadão Conteúdo.