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Com cerca de R$ 41 bilhões em dívidas distribuídos entre 16 mil credores, a Americanas (AMER3) vem sendo pressionada por investidores, órgãos fiscalizadores, acionistas, clientes e vendedores parceiros para a quitação do débito, processo que será gerido por meio da recuperação judicial pela qual a companhia obteve autorização.
Entre os pratos que a empresa tenta equilibrar, está o da relação com os seus fornecedores do marketplace, que recentemente começaram a pausar anúncios, reduzir promoções e até aumentar valores dos produtos para diminuir as vendas na plataforma da varejista por receio de não receber os valores acordados previamente.
Na tentativa de mitigar problemas e fortalecer seu relacionamento com os vendedores, a Americanas enviou um comunicado recente assinado pelo CEO João Guerra em que afirma que a expectativa é de que a empresa, apesar do rombo financeiro, vai crescer cerca de 15% em janeiro. No mesmo texto, o executivo diz contar com a “confiança” dos parceiros para superar o momento difícil.
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A varejista compartilhou o comunicado ao InfoMoney. O texto também ressalta que deve acontecer “uma adequação importante na estrutura patrimonial da empresa, por conta de ajustes contábeis não previstos”.
“Embora tenhamos um trabalho considerável daqui para frente no redesenho desta estrutura, que será realizado por um time bem especializado no assunto, seguimos muito firmes na gestão do nosso negócio no dia a dia, melhorando nossas operações, otimizando nossas despesas e, principalmente, aumentando nossa margem e venda, esta que já aponta nas lojas para um crescimento por volta de 15% em janeiro de 2023”, afirma trecho do comunicado.
A companhia diz ainda ter convicção de que, com a relação de colaboração que desenvolveu com parceiros e fornecedores e a construção da rede de distribuição pelo Brasil, continuará a atender as necessidades de todos os mais de 54 milhões de clientes. “Contamos de forma ímpar com a confiança e a parceria de vocês para que possamos superar este nosso momento difícil para continuarmos a nossa longa história conjunta de sucesso, por muitos e muitos anos”, diz o texto.
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Desde a revelação do rombo contábil, a Americanas já passou por:
- renúncia da diretoria;
- chegada de um novo CEO, João Guerra;
- pedido autorizado de recuperação judicial;
- saída de 14 índices da B3;
- e abertura de oito processos na CVM (Comissão de Valores Imobiliários).
Situação do Marketplace
Os vendedores parceiros da Americanos têm utilizado uma estratégia diante da recuperação judicial da empresa, conta Yuri Watzech, dono da Ellym Nutrition, empresa de suplementos alimentares que colabora com a varejista. “Muitos vendedores compartilharam que estavam realmente subindo os preços exatamente para não vender. E se vendessem [as mercadorias] num valor alto seria possível compensar atrasos nos pagamentos”.
O diretor de marketplace da Americanas, Marco Zolet, confirmou que alguns sellers (lojistas virtuais) tiraram itens do ar e pausaram o relacionamento com a empresa, reduzindo promoções. Mas o executivo ponderou que outros vendedores ocuparam o espaço de quem saiu.
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Segundo o relatório Morning Call, divulgado ao mercado no último dia 20, a Levante destacou que os vendedores estão aumentando os preços para não atrair clientes ao marketplace. “Em um dos anúncios, há um notebook da Dell, que custa cerca de R$ 11 mil no site do Magazine Luiza, custando mais de R$ 19 mil no marketplace da Americanas. Em outro anúncio, o preço de alguns notebooks importados, que custam cerca de R$ 20 mil na Amazon, chegam a custar o dobro no aplicativo da Americanas”, diz o relatório da casa de análise.
Em outro comunicado recente, ao qual o InfoMoney teve acesso, a empresa afirmou que seus vendedores são considerados clientes e que, por isso, iriam continuar recebendo todos os repasses acordados. Mas há realmente algum risco de o vendedor parceiro não ser pago pela Americanas?
Segundo Fabio Melo, advogado especializado em recuperação judicial e falência do Goulart Penteado, o artigo 49 da Lei de Recuperação estabelece que todos os valores devidos pela empresa, incluindo os créditos aos vendedores, até a data do pedido de recuperação judicial, estarão sujeitos ao procedimento legal de tentativa de recuperação da companhia. Por outro lado, as operações realizadas após o início da recuperação judicial não entram no processo, e os valores relacionados a elas poderão ser cobrados normalmente.
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Os vendedores parceiros estão enquadrados em duas situações:
- vendas realizadas antes da RJ: entram no processo;
- vendas realizadas após a RJ: ficam de fora do processo e seguem as regras acordadas entre as partes.
No primeiro caso, o vendedor que se sentir lesado deve entrar em contato com o administrador da RJ e indicar se: têm valor a receber e não está na RJ; ou informar se o valor que lhe foi informado está errado.
Segundo Melo, o juiz do caso nomeou a sociedade Preserva-Ação Administração Judicial. Credores e interessados podem procurá-la por e-mail: ajamericanas@psvar.com.br. Já no segundo caso, se o vendedor não receber seus créditos, pode entrar com uma ação judicial para ter seus direitos garantidos.
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“A Americanas afirmou que continuará com os repasses aos parceiros e aos vendedores, mas no caso concreto é necessário analisar de forma minuciosa a relação e o contrato existente entre cada vendedor para entender o enquadramento na recuperação e confirmar se de fato não haverá reflexo da recuperação em seus recebimentos”, afirma o advogado.
Vale lembrar que a recuperação judicial é um instrumento que impede a falência da empresa e pensado para que a companhia reestruture seu fluxo de pagamentos.
Leia também: O que é recuperação judicial? Posso receber indenização da empresa?
Veja o comunicado:
Como funciona a relação entre lojistas e Americanas?
O modelo contratual de cada vendedor com uma varejista varia. Normalmente a relação é amparada por meio de recebíveis.
Os recebíveis são valores que os vendedores do marketplace têm a receber a partir da venda de um produto. A varejista costuma pagar ao vendedor em um prazo futuro que pode variar a depender do contrato, como o recebimento do valor em 30, 60 ou 90 dias após a venda.
Mas, se o vendedor quiser, pode descontar o recebível, espécie de antecipação do valor da venda feita.
“O vendedor faz isso quando tem alguma responsabilidade financeira com máquinas, aluguel, insumos, entre outros custos e precisa receber o valor antes disso. Esse mecanismo é muito comum no varejo. Nele, um banco paga o valor ao fornecedor, já descontando o faturamento da empresa, e a varejista, que já tem o dinheiro da venda feita ao cliente, fica devendo para o banco e paga mais para frente – com juros”, explica Marcelo Godke, PhD em direito empresarial e bancário pela USP (Universidade de São Paulo).
O problema é que muitos vendedores estão com receio de não receberem sua fatia das vendas diante da situação delicada pela qual a Americanas enfrenta.
“Cada empresa segue uma política. O receio do seller é uma eventual restrição nesse recebimento, já que quem arrecada o valor da venda é a Americanas e, depois, a empresa repassa para ele. Tudo está em contrato, mas a insegurança faz o vendedor tomar algumas atitudes para correr menos riscos”, afirma Alexandre Machado, head de varejo da consultoria Bip Brasil.
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