Finanças e Crianças: tudo a ver

Muitas crianças passaram a se interessar pelo universo financeiro - mas será que estamos caminhando com a educação da forma mais adequada?

Eli Borochovicius

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

As crianças recordarão do ano de 2020 pelas mais variadas mudanças que obrigatoriamente experimentaram. Em função da quarentena provocada pela pandemia do COVID-19, precisaram se adaptar às aulas virtuais.

Com essa nova realidade imposta, foi inevitável mantê-las conectadas à rede mundial de computadores. Assim, a exposição às telas, que já era considerada um problema para os pais, foi ampliada.

Se, por um lado, a internet facilitou a socialização da informação, por outro lado, abriu espaço para a disseminação de opiniões não fundamentadas, teorias não testadas e proliferação de notícias não verdadeiras, que acabam por influenciar as decisões de muitos desavisados.

Continua depois da publicidade

Além disso, o neurocientista francês Michel Desmurget, que pesquisa o impacto dos dispositivos digitais no desenvolvimento neural de crianças e jovens, concluiu que a superestimulação da atenção causa subestimulação intelectual. Muitas horas de diversão no celular, no tablet, no computador, na televisão e no videogame, causam redução na capacidade de aprender.

Pais têm incentivado os seus filhos a gravarem e publicarem vídeos, gerando uma necessidade de exposição que deve ser questionada, assim como deve ser ponderado o expertise da criança com os conteúdos conceituais que propagam.

O mundo financeiro não passou despercebido e já é possível encontrar crianças que comentam sobre receitas, despesas, crédito, juros e investimentos. Em um dos vídeos, um menino investidor demonstra se orgulhar de ter ganhado dinheiro empreendendo com a venda dos salgados mais consumidos pelos colegas da escola, a preços mais baixos que os ofertados pela cantina.

Continua depois da publicidade

Aqui vão duas considerações que julgo importantes: 1. Escola é ambiente de ensino e de aprendizagem, não de livre comércio; 2. Empreender é diferente de fazer concorrência desleal com uma empresa que paga aluguel, impostos, salários, é submetida a rigorosas regras sanitárias e que assume responsabilidades.

Para aqueles que ainda pensam de forma arcaica, entendendo que o dinheiro está acima de qualquer coisa, vai um aviso: a sociedade evoluiu e as organizações estão focadas em entregar mais valor ao cliente, manter um relacionamento ético com os fornecedores, investir nos colaboradores, apoiar a sociedade e arcar com os aspectos legais. Então, fora de cogitação imaginar que a pseudoesperteza está consonante com a sociedade moderna.

Uma forma positiva de remunerar os filhos, já que não devem comercializar produtos na escola, é oferecendo compensação financeira em caso de redução nas contas de água e energia da casa, os incentivando a tratarem os recursos naturais com responsabilidade. Apagar a luz do quarto ao deixar o ambiente, banhos mais rápidos e redução no tempo de uso do videogame são alguns exemplos do cotidiano que podem funcionar.

Continua depois da publicidade

Falar de finanças é importante, mas é preciso tratar do assunto com seriedade. A Base Nacional Comum Curricular entende que se faz necessário incorporar ao currículo temas contemporâneos que afetam a vida humana e então, o letramento financeiro deve chegar às salas de aula nos próximos anos, permitindo que as crianças aprendam sobre o assunto com profissionais experientes.

Os vídeos publicados na internet são uma excelente opção para complementar o conhecimento adquirido na escola, mas ainda não podem ser usados para substituir o ensino formal.

Autor avatar
Eli Borochovicius

Eli Borochovicius é docente de finanças na PUC-Campinas. Doutor e Mestre em Educação pela PUC-Campinas, com estágio doutoral na Macquarie University (Austrália). Possui MBA em gestão pela FGV/Babson College (Estados Unidos), Pós-Graduação na USP em Política e Estratégia, graduado em Administração com linha de formação em Comércio Exterior e diplomado pela ADESG. Acumulou mais de 20 anos de experiência na área financeira, tendo ocupado o cargo de CFO no exterior. Possui artigos científicos em Qualis Capes A1 e A2 e é colunista do quadro Descomplicando a Economia da Rádio Brasil Campinas