Opinião: Responsabilidade social ou irresponsabilidade tributária?

Polêmica gerada a partir da fala do presidente eleito gera necessidade de reflexão sobre questões econômicas e financeiras

Eli Borochovicius

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(Elena Mozhvilo, via Unsplash)
(Elena Mozhvilo, via Unsplash)

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No último dia 10, o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva fez um discurso no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, em encontro com parlamentares aliados, que gerou polêmica. Para ele, não há problema em descumprir com o orçamento se existe uma necessidade do povo, gerando gastos que excedam as receitas.

De acordo com o político: “Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país?”.

A ideia central da responsabilidade social e da irresponsabilidade fiscal foi reiterada na 27ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas, no dia 17: “Não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal, porque a gente tem de começar a pensar em responsabilidade social”, disse o futuro presidente.

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Para responder a questão formulada sobre a necessidade de se discutir com seriedade o teto de gastos é que os economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram uma carta aberta na mesma data.

Os autores explicam que “a responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social”. Para eles, “o desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”.

Quando o governo não se preocupa com a responsabilidade fiscal, é percebido pelos credores como potencial mau pagador. Então, o risco para emprestar dinheiro fica majorado e, por consequência, a taxa básica de juros, que está alta, precisa ser ainda mais elevada.

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Taxa básica de juros alta implica na redução do acesso da população a empréstimos e financiamentos, diminuindo a capacidade de consumo e investimento. É ruim para quem precisa comprar e também para quem precisa vender, desacelerando a economia. Com a queda nas receitas, as empresas buscam reduzir custos e despesas para manterem a lucratividade e, portanto, aumenta a probabilidade de elevação na taxa de desemprego.

Em contraponto, os economistas e pesquisadores José Luis da Costa Oreiro, líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento da Universidade de Brasília, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, vice-líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Kalinka Martins da Silva, professora do Instituto Federal de Goiás, e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, publicaram uma carta no dia seguinte, 18, em defesa da responsabilidade social, mesmo com o estouro do teto de gastos.

Para eles, o teto de gastos não garante disciplina fiscal e as políticas fiscal e monetária interferem pouco no processo inflacionário. Os economistas e pesquisadores entendem que “o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento” e que “deve ser substituído por uma nova regra fiscal”.

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Tendo a concordar que pode ser necessário descumprir o teto de gastos para garantir saúde, educação e segurança à população, mas somente quando esgotadas as possibilidades de redução de gastos não essenciais.

As reformas administrativas, reestruturando gastos e salários dos servidores públicos e tributária, atraindo investimentos por meio de estabilidade jurídica, de regulação eficiente e de redução de sua complexidade, parecem urgentes para a garantia do equilíbrio fiscal, mas pouco ou nada se fala sobre isso.

Parece-me que a discussão central não está no teto de gastos, que tende a surgir em momentos de crise social, mas na preocupação com o aumento da dívida pública. De 2013 a 2021, o governo não apresentou superávit primário anual, que garante os recursos necessários para o pagamento dos juros da dívida pública e do endividamento do governo nos médio e longo prazos.

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Jeremy Hope e Robin Fraser publicaram em 2003 um artigo intitulado “Quem precisa de orçamentos?”. Esses autores são também fundadores do Beyond Budgeting Institute (“Instituto Além do Orçamento”, em tradução livre) que critica o processo orçamentário adotado pelas organizações. Para eles, em vez de orçamento, as empresas deveriam estabelecer objetivos de prazos mais longos e adotarem metas de lucro, custo, satisfação do cliente e qualidade, como exemplos. Contudo, melhores resultados implicariam em recompensas.

A administração pública e a administração empresarial têm as suas diferenças. No entanto, a pergunta que fica é: será que o modelo do orçamento público brasileiro não carece de revisão ou de reforma, que considere a necessidade de uma rubrica voltada ao enfrentamento de crises? Será que a gestão e qualidade dos gastos não deveriam ser repensadas e mais bem discutidas?

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Eli Borochovicius

Eli Borochovicius é docente de finanças na PUC-Campinas. Doutor e Mestre em Educação pela PUC-Campinas, com estágio doutoral na Macquarie University (Austrália). Possui MBA em gestão pela FGV/Babson College (Estados Unidos), Pós-Graduação na USP em Política e Estratégia, graduado em Administração com linha de formação em Comércio Exterior e diplomado pela ADESG. Acumulou mais de 20 anos de experiência na área financeira, tendo ocupado o cargo de CFO no exterior. Possui artigos científicos em Qualis Capes A1 e A2 e é colunista do quadro Descomplicando a Economia da Rádio Brasil Campinas