A caixa de ferramentas

A recente intervenção no mercado de câmbio por meio de vendas de reservas é apenas uma adição bem-vinda aos instrumentos hoje disponíveis, que não deve ter impacto na tendência do dólar

Alexandre Schwartsman

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Dólar (Shutterstock)
Dólar (Shutterstock)

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Tenho recebido muitas consultas acerca do anúncio da “nova” modalidade de intervenção cambial do Banco Central, que consiste na oferta de US$ 3,8 bilhões das reservas, a serem compensados pela colocação de “swaps reversos” (que, ao contrário dos swaps normais, equivalentes à venda de dólares no mercado futuro, representam compra de dólares no mercado futuro).

O principal ponto é que esta modalidade deve ter – por desenho – impacto muito modesto, se algum, na cotação do dólar. Representa, a bem da verdade, apenas mais um instrumento na caixa de ferramentas do BC no que diz respeito ao mercado de câmbio.

Adiantada a conclusão, resta entender o porquê.

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O BC detém hoje US$ 388 bilhões em reservas prontamente disponíveis. Foram adquiridas por meio de emissão de moeda, depois “enxugada” (o termo técnico é “esterilizada”) pela colocação de títulos públicos, tipicamente sob a forma de operações compromissadas.

Assim, o custo dessas reservas corresponde, numa primeira aproximação, à taxa Selic (que seria o custo da dívida pública emitida para esterilizar a compra de reservas), menos a taxa de juros dos títulos que correspondem às aplicações do BC no exterior), menos a desvalorização do real face ao dólar (quando o real aprecia, o BC perde dinheiro).

Ao mesmo tempo, o BC vendeu cerca de US$ 68 bilhões de swaps. Estes swaps representam uma troca: o BC recebe a taxa Selic sobre seu valor (em reais) e paga uma taxa de juros em dólar (o cupom cambial) mais a depreciação cambial.

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Assim, a desvalorização da moeda representa uma perda para o BC, enquanto a valorização do real representa um ganho. Posto de outra forma, do ponto de vista do custo, os swaps são a versão espelhada das reservas.

Custo das reservas = Selic (-) Juro externo (-) Desvalorização

Custo dos swaps = Juro externo (+) Desvalorização (-) Selic

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Do ponto de vista do custo total, portanto, o que interessa é a posição de reservas internacionais líquidas dos swaps, ou seja, US$ 388 bilhões menos US$ 68 bilhões, o equivalente a US$ 320 bilhões (existem outras modalidades que ignoramos para manter a explicação simples e cujo efeito nos números é bastante pequeno). Isto dito, há diferenças entre reservas e swaps que trataremos mais à frente.

A proposta atual do Banco Central consiste em ofertar US$ 3,8 bilhões de dólares à vista, retirados das reservas internacionais, compensando a venda, contudo, com a colocação de swaps reversos.

No caso do swap reverso, o BC recebe a variação cambial e a taxa de juros externa, e paga a taxa Selic. Em outras palavras, o efeito líquido sobre o custo é, de novo aproximadamente, nulo: o que o BC vende com uma mão, recompra com a outra. Por este motivo, não se espera nenhum impacto significativo sobre a taxa de câmbio.

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Do ponto de vista estritamente contábil, pode haver algum efeito sobre as estatísticas de dívida bruta, porém. A venda de reservas permitiria ao BC reduzir o volume de operações compromissadas, que são contabilizadas na dívida bruta, enquanto o swap reverso não sensibilizaria este indicador.

De qualquer forma, o impacto seria pequeno: em torno R$ 15 bilhões a preços de hoje, enquanto a dívida bruta anda na casa de R$ 5,5 trilhões, isto é, falamos de um efeito da ordem de 0,3% da dívida bruta.

Porém, se é verdade que não se espera nenhum grande impacto da intervenção sob estes moldes, por que motivo estaria o BC adicionando este instrumento à sua caixinha de ferramentas?

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Porque a intervenção do BC, se feita de acordo com os princípios inerentes ao regime de metas, tem como principal objetivo prover liquidez nos mercados de câmbio em caso de eventos que afastem vendedores.

Tipicamente isto se verifica nos mercados futuros, que são muito maiores que o mercado cambial à vista no Brasil. Daí a preferência histórica pela intervenção por meio de swaps, em vez de dólares à vista (ou “pronto”, no jargão do mercado).

É, todavia, possível que, sob outras circunstâncias, a liquidez se reduza no mercado à vista, requerendo que o BC oferte o dólar “pronto”. Se for este o caso, o novo instrumento seria a resposta mais adequada do que a venda de swaps, ou seja, trata-se de uma questão técnica de mercado.

A opção por um instrumento ou outro dependerá do diagnóstico acerca da localização de uma eventual falta de liquidez: se no mercado futuro, opta-se pela colocação de swaps; se no mercado à vista, pela venda de “pronto”, compensada pela colocação de swaps reversos.

A boa gestão pode ajudar a evitar “picos” de desvalorização em caso de falta de liquidez (ou seja, o impacto modesto a que nos referimos no primeiro parágrafo), mas sem afetar a tendência da taxa de câmbio.

Isto dito, é bom lembrar que reservas não são idênticas a swaps, apesar de serem, do ponto de vista dos custos, a versão espelhada um do outro (ou o mesmo custo no caso do swap reverso).

Swaps são contratos locais, liquidados em reais, enquanto reservas são dólares mesmo: os primeiros não podem ser usados para quitar compromissos no exterior, enquanto o papel das reservas é exatamente este.

Nas circunstâncias atuais, em que a venda de dólar pronto representa fração reduzida das reservas, isso não faz grande diferença, pois ainda teríamos reservas em volume provavelmente maior que o necessário para fazer frente a eventuais compromissos externos (amortização de dívida, pagamento de juros etc.).

Em suma, o anúncio da nova modalidade de intervenção é uma medida técnica, que não deve interferir com a tendência da taxa de câmbio e cuja aplicação depende do diagnóstico de onde se verifica uma possível falta de liquidez.

Nota-se apenas que o BC segue atento aos desenvolvimentos do mercado de câmbio, mantendo a tradição que já mereceu estudos com conclusões bastante favoráveis por parte de organismos financeiros internacionais.

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Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.