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SÃO PAULO – Um dos fenômenos sociais mais instigantes das últimas semanas, os “rolezinhos” – encontros em shoppings centers promovidos por membros de camadas mais carentes da população através das redes sociais – têm garantido muita divergência de opiniões quando se tornam assunto central das discussões. Enquanto uns se mostram completamente favoráveis ao que chamam de movimento inofensivo de jovens que buscam maior inclusão e respeito, outros os chamam de vândalos, que marcam encontros para promover a desordem, que incluiria até furtos e arrastões.
Os “rolezinhos” têm causado grande preocupação para os donos de shoppings e estabelecimentos comerciais, que temem por uma diminuição da segurança e superlotação dos locais, além de uma consequente redução nos lucros de suas lojas. Nos últimos dois finais de semana, os donos do JK Iguatemi, em São Paulo, e outros grandes shoppings da capital paulista e do Rio de Janeiro mostraram comportamento atônito, sem saber como lidar com a situação.
O momento de turbulência para as empresas administradoras de shoppings centers não é visto apenas em seus estabelecimentos – ele vem de mais tempo do que apenas duas semanas. Na Bovespa, as ações das principais companhias de capital aberto do setor mostram um movimento de significativas quedas desde o último trimestre de de 2013, devolvendo o “ano dourado” que esse modelo de negócio teve em 2012. Dos preços de outubro para cá, BR Malls (BRML3), Aliansce (ALSC3), Multiplan (MULT3) e Iguatemi (IGTA3) viram suas ações acumularem respectivas quedas de 26%, 22, 17% e 16%.
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O cenário mais adverso para economia brasileira, com indicadores dando sinais cada vez mais claros de um ano mais duro para o setor de varejo, limita o espaço para crescimento das empresas administradoras de shoppings. A queda na confiança do consumidor sobre a economia e a alta acelerada da inflação, fator que acarreta na elevação cada vez maior na taxa básica de juros – a Selic, que hoje está fixada em 10,50% ao ano -, são adversidades com as quais todas essas empresas inevitavelmente terão que lidar e é bom se preparar desde já.
“O setor passou 2013 por um período de ajuste com a inauguração de muitos shoppings. O ápice de lançamentos de projetos ocorreu num período em que o crescimento da economia brasileira chegou a 7%, e agora temos uma economia crescendo a taxas baixas, com o consumo como um todo sofrendo e crescendo pouco. Para os próximos anos, o setor espera uma queda na abertura de shoppings, uma desaceleração necessária”, explica a equipe de análise da XP Investimentos em relatório.
Quedas na bolsa não são iminentes
Apesar do quadro desafiador, analistas mostram que maiores quedas das ações na bolsa não são tão previsíveis quanto parecem. Se pegarmos os dados da BR Malls, a maior empresa do setor, como parâmetro de estudo, indicativos de vendas no quesito “mesmas lojas” acima da média de outras varejistas que não estão no segmento de administração de shoppings mostram que essas companhias podem conseguir se adaptar ao momento de resultados menos expressivos e dar sequência às altas anteriormente vistas.
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O presidente da BR Malls, Carlos Medeiros, anteviu a mudança de cenário no fim do ano passado e, em entrevista à agência de notícias Reuters, disse que “o pico do setor chegou ao fim”. Mais do que isso, o CEO (Chief executive officer) da companhia afirmou esperar por um aumento de concorrência em 2014, além de menos espaço para inaugurações e mais estudos de oportunidades para fusões e aquisições a fim de ocupar mais espaços no xadrez do mercado.
Empresas não aprenderam a lição das manifestações de junho
Em meio a tantas incertezas, uma ironia começa a pairar no ar quando pensamos nos atuais “rolezinhos”. A camada social que alavancou as vendas das varejistas recentemente, a classe C, é o mesmo grupo que começa a se tornar o “vilão” dos shoppings a cada novo evento marcado nas redes sociais. A imagem anterior da classe C vista como válvula de escape para tamanha oferta de produtos pode ser completamente invertida à ótica dos grandes empresários do setor, temerosos por mudanças mais profundas que possam impactar em seus negócios.
Os grandes players do setor de shoppings no Brasil parecem não ter aprendido uma das lições que as manifestações populares de junho tentaram ensinar: para quem é contrário a qualquer tipo de movimento organizado por um grande contingente de pessoas, deveria ter ficado o aprendizado de que realizar esforços no sentido de impedir que eles ocorram pode ser o pior dos mecanismos para vencer a batalha.
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Em 2013, quando usou-se a truculência contra os manifestantes, os movimentos tornaram-se visivelmente mais fortes e difíceis de se desmantelarem. Inibir por meio de violência não parece ser uma solução sensata para quem não quer que a onda tome vulto. Os cassetetes, as balas de borracha e as bombas de gás da PM, em vez de intimidarem e dispersarem as multidões, tornaram-se combustíveis altamente inflamáveis para a revolta de um povo que pode voltar a ter mais familiaridade com as ruas.
Depois da polêmica decisão, aprovada por liminar na Justiça, de proibir a entrada de membros menores de idade que pudessem ter a ver com o “Rolezaum no Shoppim” no JK Iguatemi, o último fim de semana marcou a escolha deste e outros dois shoppings de luxo cariocas – o Shopping Leblon e o Rio Design Center – de fecharem suas portas para impedir manifestações em apoio ao movimento. Também vale lembrar que mais confusão foi vista também no sábado retrasado (11) no Shopping Metrô Itaquera, zona leste de São Paulo, onde a Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de barrocha para dispersar cerca de 3 mil jovens, enquanto lojistas fechavam as portas sem nenhuma ocorrência de furto registrada.
Pensando assim, quem garante que os rolezinhos podem não ter o mesmo desfecho que aquele filme que se projetou na memória coletiva há sete meses?