Por apoio do PMDB, Dilma usa a mesma estratégia de Lula no Mensalão

A crise inflacionou os preços políticos. Como privar grupos recém-instalados na Esplanada da pasta que lhes foi entregue sem gerar ressentimentos que culminem em maiores dores de cabeça ao governo?

Marcos Mortari

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

SÃO PAULO – Foi uma vitória, mas é bom o governo não se empolgar só com o primeiro tempo. Essa é uma das leituras que se permite fazer com a manutenção de 26 dos 32 vetos da presidente Dilma Rousseff ontem no Congresso. A falta de quórum para a aprovação do ponto principal, que tratava do reajuste dos salários de servidores do Judiciário, mostra que nem mesmo essa batalha contra as principais pautas-bomba foi vencida por completo. Enquanto alguns ressaltam a base de apoio conquistada pelo governo em um momento de crise, outros fazem a ressalva de que a disparada do dólar em uma indicação clara da enfermidade econômica do país foi a grande responsável pelas conquistas que se iniciaram na noite da terça-feira (22) e se arrastaram até as primeiras horas de hoje.

A ordem antes era fazer de tudo para adiar as votações. No entanto, um movimento de senadores mostrou que as chances para êxito na pauta haviam crescido. Assim, também mudou a estratégia do governo, que se esforçou durante a tarde para dialogar até com a oposição. Certamente a postura foi entendida como um sinal de maior vitalidade do governo em meio a diversas cambaleadas e reforçou a indicação do compromisso com o reequilíbrio das contas públicas. No flanco político, o centro da estratégia usada na negociata com rebeldes do PMDB enfim falou a mesma língua do partido: nada como a oferta de ministérios de peso orçamentário e relevância eleitoral não resolva. Como uma criança que faz greve de fome em troca de um brinquedinho novo, tudo que o PMDB parece querer é espaço na Esplanada dos Ministérios compatível com sua envergadura no Legislativo. A legenda, que havia ameaçado não fazer nenhuma nomeação para a reforma, apresentou logo sete opções ao Planalto. Teve até deputado da ala opositora do partido, sem sucesso, se oferecendo como opção para ocupar ministério de peso.

Se no início do ano Dilma fez de tudo para reduzir a importância do partido mais importante para a governabilidade, diversificando o risco com incentivos aos jovens PSD e PROS e a ideia abortada do PL, hoje a estratégia parece ter mudado. O fracasso inicial pode tê-la feito aceitar dar a maior fatia do bolo ao PMDB. Ao que tudo indica, o partido terá cinco pastas, sendo duas de indicação da bancada de cada casa e uma por consenso entre ambas. Com relações mais desgastadas e mais vulnerável ao impeachment por ser onde o processo é aberto, a Câmara parece ser o foco principal. A ideia é recuperar algum apoio e evitar o risco de que a pressão sobre seu mandato ganhe ainda mais força, entregando os ministérios da Saúde e da Infraestrutura (provável resultado da fusão de Portos com Aviação Civil). No caso da primeira pasta, lembrou bem o colunista d’O Globo Ilimar Franco: “a operação política teve no presidente Lula um de seus inspiradores. Para se defender do mensalão, ele entregou a Saúde para um peemedebista”, escreveu em sua coluna publicada na edição desta quarta-feira (23).

Continua depois da publicidade

Não se trata de nenhuma fórmula mágica, mas algo que havia sido diagnosticado por uma série de analistas logo que a presidente anunciou a composição da equipe ministerial do segundo mandato. Apesar de ter sido agraciado por seis ministérios, o PMDB estava insatisfeito. Nenhuma pasta dava o status que o partido almejava. Agora, depois de diversos momentos de desgaste, derrotas e um agravamento da crise política, Dilma tenta corrigir o erro de cálculo passado fazendo o que muitos aconselhavam. Com pouco cacife político, não havia condições de peitar uma bancada tão forte e com uma máquina tão poderosa sem retaliações. Como já lhe é característico, a presidente fez o caminho mais difícil. E corre grandes riscos de não colher os mesmos resultados. A crise política e econômica inflacionou os preços no mercado da coalizão. Pior do que isso: como privar os grupos que acabaram de se instalar na Esplanada do ministério que lhes foi entregue sem gerar ressentimentos que culminem em maiores dores de cabeça no Congresso? Certamente os efeitos não são os mesmos de caso o governo tivesse optado pela nova estratégia logo no início.

Para além do provável descontentamento de outros aliados e do próprio PT, que perde uma pasta a que atribui enorme valor – tanto por sua capacidade orçamentária e eleitoral, como pelo viés ideológico que adquiriu para o partido -, o governo ainda não tem indicações de qual será o saldo dentro do próprio PMDB. Um bom exemplo está no ministério da Infraestrutura: para oferecer o cargo ao PMDB da Câmara, o atual titular da Aviação Civil, Eliseu Padilha, terá de sair. Trata-se de um nome de força e respeitável poder de articulação política – posto que assumiu juntamente com o vice Michel Temer meses atrás. Kátia Abreu fica? – ou melhor: a ala peemedebista no Senado concordará em queimar uma pasta com a manutenção de nome? E Edinho Araújo? Juntamente com Padilha, ele é um dos nomes próximos a Temer no Executivo. Aliás: o vice não vai indicar ninguém? Os Barbalho continuarão com cargos para distribuir em Brasília?

Renovar esperanças com anúncios não parece tarefa árdua neste momento. Desta forma, Dilma conquistou um apoio momentâneo, mas encontra-se em uma sinuca de bico. Na prática, porém, a teoria pode ser outra. É preciso montar uma estrutura que agregue muito mais que isole figuras. Cada descontentamento pode culminar em novas dores de cabeça. A presidente tem menos cargos para alocar e mais interesses para agradar. A conta que não fecha já traz a certeza que será paga em parte por menos espaço do PT e os movimentos sociais no governo – os alicerces de sua reeleição. As esperanças pela reestruturação política do governo passam pela reforma ministerial e a presidente tem cada vez menor margem para erros. O risco é grande de que mais um movimento de euforia no Congresso culmine em novos choques de realidade. O mercado não subiu ontem, é verdade, mas ainda pode cair mais a depender do tamanho do tombo com a frustração do novo fato. O dólar renova o recorde da véspera. Como se costuma dizer por aí, nada que não possa piorar.

Autor avatar
Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.