DeFi e a busca pela moeda perfeita

As moedas que utilizaremos no futuro já estão aí para testarmos

Gustavo Cunha

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Qualquer sistema financeiro necessita de uma moeda através da qual ele se desenvolve. Tem sido assim há séculos e, de modo geral, essas moedas cumprem os três papéis aos quais elas foram designadas: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta.

Em cripto é inegável que o boom de DeFi está associado às stablecoins e principalmente às stablecoins que guardam paridade com o dólar. O fato de se ter o dólar representado no mundo cripto tira da discussão, pelo menos a princípio, qual a moeda que estamos utilizando, nos dá referência de valor, para podermos saber se está caro ou barato, de juros, para sabermos se esse compensa os riscos envolvidos, e muito mais.

Além disso, essas stablecoins de dólar, tornam o dólar uma moeda programável dentro do ambiente cripto. E daí a criatividade e novos modelos de negócio crescem exponencialmente.

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Coisas como deixar aplicações programadas, pagamentos condicionais, stops automáticos, execução de lastro etc., que são coisas para poucos no mercado financeiro tradicional, dada a dificuldade de se colocar um layer de programação acima dos sistemas atuais, são casos nativos e já imensamente utilizados em cripto. Isso sem contar os casos de Money streaming que são praticamente impossíveis de serem feitos com a tecnologia do mercado financeiro tradicional.

Dado que é imprescindível termos essa representação do dólar em cripto, a questão é como. Qual o melhor modelo para se fazer isso? E é aí que as experiências com as stablecoins começam.

Para quem já se perdeu, aconselho ler antes esse artigo que escrevi há 3 anos (como o tempo passa!) que explica melhor o que é uma stablecoin.

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Continuando, vejo hoje 3 modelos principais para se criar stablecoins que tenha paridade com o dólar. O modelo mais clássico, se é que posso chamar assim, é o de se colocar x milhões de dólares em uma conta de um banco e emitir os mesmos x milhões em um token, e construir formas de se trocar o token pelo dólar na paridade. USDT, USDC, BUSD e algumas outras funcionam dessa forma.

Um outro modelo é o de se ter um colateral que valha mais em dólares do que os tokens emitidos e construir um mecanismo de emissão e queima de tokens à medida que o valor em dólares desse colateral varie. O objetivo aqui é sempre ter mais do que USD 1,00 em colateral para cada token emitido. DAI é o grande exemplo.

Um terceiro modelo envolve as stablecoins algorítmicas. Aqui o 1:1 com o dólar é dado por vários mecanismos diferentes que vão de emissão de dívida, criação de um segundo token para amortecer a volatilidade, até modelos mais focados em simples emissão e queima de tokens à medida que o valor do token divirja da paridade.

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Atualmente tenho me deparado com quase um projeto novo de criação de stablecoin por semana. Alguns com pequenas alterações em relação às já existentes, outros são mudanças de rumos de projetos interessantes que não decolaram. Os experimentos estão crescendo e cada vez mais teremos novos projetos. E aí a pergunta fica. Qual a melhor? Qual será a dominante nesse mercado?

Apesar de acreditar que haverá mais de uma stablecoin reinando, não acredito que teremos dezenas. Pela própria lógica de existência delas. A ideia é que tenhamos um dólar representado em cripto, e não um problema de várias stablecoins diferentes e que tenhamos que entender todas para ver qual a melhor forma representação dele.

De largada, as stablecoins 100% lastreadas como o USDT e o USDC têm uma vantagem grande pois já estão aí há um tempo. Apesar de se ter várias discussões sobre o real lastro do USDT, ele, quando escrevo, é a principal representação do dólar em cripto.

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Mas essas duas stablecoins tem uma ligação muito próxima com o mercado financeiro tradicional, ou seja, ambas são lastreadas por ativos que ficam no mercado financeiro tradicional (dólar depositado em conta corrente de bancos ou dívidas em dólar de curto prazo) e ambos esses ativos são passíveis de serem bloqueados dentro das legislações onde estão. Não entenda aqui que eu acho que serão, mas que essa possibilidade existe, não há dúvida.

Isso é um dos motores do desenvolvimento das stablecoins que usam lastro cripto ou das algorítmicas. Tirar essa possível ingerência do regulador do mercado tradicional. A ideia por trás de todas é criar um mecanismo global, em que qualquer pessoa possa ter acesso independentemente de onde ela more.

E isso levou a modelos que envolvem não somente as stablecoins em si, mas blockchain únicas para servir de meio de pagamento e construção de um ecossistema aberto, acessível e que provenha soluções para tudo e todos no campo financeiro. Esse é um pouco a proposta da TERRA e sua stablecoin UST, a primeira a conseguir uma boa tração nesse sentido. Celo também tem trilhado esse caminho.

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Acho que o sucesso da Terra vem de uma decisão acertada de que não só é necessário ter um mecanismo que assegure o 1:1 com o dólar, mas também ter uma stablecoin que tenha uso.

De nada vale ter a moeda mais segura do ponto de vista de modelo e tecnologia para garantir o 1:1 se ninguém a usar. Essa para mim é uma falha de muitos projetos, que focam muito nos mecanismos para manutenção do peg a acham que a utilização da moeda deles vai cair do céu. Isso não acontece nem com as moedas fiduciárias, que tem que ser impostas via lei para todos usarem.

Insisto aqui que moeda é uma construção social e não técnica. Ter um ecossistema que a utilize e acredite nela é essencial para seu desenvolvimento. Importar parte disso da credibilidade e utilização do dólar corta alguns caminhos, mas não o da construção de um ecossistema que use aquela determinada stablecoin.

Uma outra questão que se coloca no futuro, e aqui a discussão fica mais interessante ainda, é que se a paridade é mantida por uma forma que não é exatamente ter dólares, isso abre um caminho para que ela seja abandonada em um futuro, não? E aí é o famoso “run Central Banks, run…”. Quanto antes eles tornarem suas moedas programáveis menor o risco de isso acontecer.

A quantidade de testes e casos de uso envolvendo a criação de novas formas de pagamento, reserva de valor ou unidade de conta e que não obrigatoriamente precisam estar juntas no conceito que hoje conhecemos como moeda é imensa.

Um novo mundo financeiro distribuído, acessível a todos e global está emergindo dessas iniciativas e é fascinante estar participando disso.

E você se ainda não entrou nisso, vale o mesmo comentário que para os Bancos Centrais… Run!

Depois me conta suas reflexões em relação a isso.

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Links usados nesse artigo e para quem quiser ir além:

Playlist Fintrender Youtube stablecoins
O dólar digital: o que são e como funcionam as stablecoins
Como a evolução do DeFi pode possibilitar o streaming de dinheiro
Algorithmic Stablecoins: Future or Failure?
Algorithmic Stablecoins: A Beginner’s Guide
Algorithmic Stablecoins: Future or Failure?
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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)