Guerra, inflação e investimentos

Qual a melhor carteira de investimento para os próximos anos?

Gustavo Cunha

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(ugurhan/Getty Images)
(ugurhan/Getty Images)

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A esta altura, já deve estar claro para todos que o mundo que enfrentaremos daqui em diante, no que tange a conflitos políticos e inflação, será muito diferente do mundo em que vivemos nos últimos 15 anos. Desde 2008, tivemos um mundo focado em questões econômicas e em como reativar as economias, gerar inflação. Questões políticas e conflitos, ou seja, guerras, para ser direto, ficaram limitados a economias menos impactantes no mundo como um todo. Bem, isso claramente mudou.

Hoje, no final de 2023, temos dois grandes conflitos em andamento, um envolvendo uma das maiores economias do mundo, a Rússia, e outro, mais recente, que envolve uma região do planeta que historicamente sempre foi palco de muitos conflitos, mas que experimentou vários anos de relativa estabilidade.

Adicionando a esse cenário, temos um mundo com mais inflação de forma geral. Essa inflação é resultado da grande emissão monetária dos últimos anos devido à crise de 2008, ou feita para lidar com a pandemia, e também da menor globalização no futuro. Isso ocorre porque o cenário de guerras e conflitos descrito acima torna o ambiente internacional menos atrativo para a diversificação de linhas de produção em várias partes do mundo.

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Esses dois fatores, guerra e alta inflação, não estiveram presentes no mercado e, para ser sincero, com exceção de algumas pessoas, nem nas discussões nas últimas décadas. São mudanças significativas que devem ser consideradas nas decisões de investimento nos próximos anos.

O primeiro aspecto que gostaria de abordar é a tecnologia. Como o blockchain e a inteligência artificial (IA) entram nesse cenário e como isso pode afetar as empresas e nossos investimentos?

O cenário que se apresenta claramente é um cenário de maior aversão ao risco. Isso deve reduzir o apetite das pessoas para investir em ativos muito arriscados. Uma das consequências desse cenário é um padrão mundial de juros mais altos, já que todos os países tentarão controlar seus processos inflacionários. Isso, por si só, já freia o interesse em investimentos mais arriscados. Investir em tecnologia, para mim, se enquadra nessa categoria. Quando investimos em uma startup ou uma empresa direciona investimentos para pesquisa e desenvolvimento, o resultado disso é muito incerto. Dará certo? Conseguiremos desenvolver um produto com bom encaixe no mercado? Ele terá sucesso? São apenas algumas das perguntas.

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Por outro lado, temos uma onda que se formou nos últimos anos e está ganhando força. Os ganhos de eficiência que pessoas e empresas conseguem obter com o uso de IA são incríveis. Esse aumento de produtividade pode conter o efeito inflacionário e reverter esse aspecto econômico desse cenário? Ou a desglobalização, conflitos e emissão monetária passada serão mais poderosos nesse processo? Há também uma questão importante de timing nisso, pois, como todos nós brasileiros sabemos, a inflação tem um fator inercial importante, e no caso da economia brasileira, é ainda mais preocupante, uma vez que os mecanismos de correção da inflação ainda estão presentes e podem ser acionados a cada aumento da inflação.

Em termos de investimentos, a tecnologia também tem um fator “o vencedor leva tudo”, o que significa que os vencedores se tornam grandes vencedores e os perdedores ficam pelo caminho. A criação nos últimos anos das “Big 5” (Microsoft, Amazon, Netflix, Google e Meta) ilustra isso. Empresas que não existiam há muito pouco tempo hoje dominam a vida de qualquer pessoa ou empresa. Já imaginou passar um dia sem interagir com pelo menos uma delas? É impossível.

Isso me leva a concluir que há espaço para alocar investimentos nesse setor, sem dúvida alguma. Mas onde investir? Em uma delas ou em alguma que está se destacando?

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No que se refere a conflitos e guerras, estou longe de ser um especialista, mas dado que os conflitos entre Rússia e Ucrânia já duram mais de um ano, e esse mais recente entre Israel e Hamas envolve discussões e disputas que têm décadas, se não séculos, não vejo a situação se acalmando tão cedo. E sempre paira a espada sobre a discussão de Taiwan. Estaremos entrando em um período semelhante à Guerra Fria da década de 1980? Esse cenário elevará o preço do petróleo de forma estrutural e, consequentemente, a inflação em todo o mundo?

Um ponto importante nesse cenário é que os seres humanos, devido aos nossos vieses, tendem a ter uma memória curta em relação aos acontecimentos políticos e econômicos. É importante lembrar que durante a gestão de Paul Volker (1979-1987), as taxas de juros nos EUA atingiram 20% ao ano, com uma taxa mínima de 6% durante esse período. Estou dizendo que estamos caminhando para esse cenário? Claro que não considero isso como o cenário principal atualmente, mas uma coisa é clara para mim: a probabilidade disso acontecer hoje é maior do que era há dois ou três anos, e não deve ser descartada.

Dentro de uma estratégia de anti-fragilidade, fazendo referência a conceitos como “cisne negro” (embora, neste caso, não o considere como tal, uma vez que já ocorreu no passado), o que devemos fazer é ter investimentos que estejam de acordo com o que prevemos, mas que também não nos leve à ruína se estivermos errados. O que estou trazendo aqui é que nossos investimentos hoje devem considerar cenários como o descrito acima.

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Uma das formas de fazer isso é através da diversificação. Diversificar em termos de setores, países, tipos de ativos e assim por diante. Ter imóveis em locais mais seguros, em economias mais estáveis, em moedas menos impactadas, possuir títulos de dívida (preferencialmente vinculados à inflação) de países com histórico sólido de pagamentos, ter algum investimento em commodities (ouro, prata e por que não, Bitcoin), e também uma parcela em ações de empresas que são essenciais para nossas vidas (empresas de água, energia e, claro, tecnologia, como as Big 5) são apenas exemplos de como fazer isso.

Também é importante manter o controle sobre a liquidez, para não ser forçado a vender ativos em momentos ruins de curto prazo. Isso pode acontecer e até mesmo mudar as premissas do cenário que descrevi acima. Estamos falando de um processo dinâmico com inúmeras variáveis, o que torna o processo de investimento, a preservação do poder de compra a longo prazo, ou simplesmente economizar dinheiro para o futuro, algo fascinante, mas não totalmente previsível ou algoritmizável.

Espero que este texto tenha ajudado a refletir sobre esses assuntos. Mais do que oferecer uma receita pronta, que certamente seria falha, pois esse processo deve ser personalizado, meu objetivo aqui é apresentar o cenário que estou observando, minha forma de pensar e promover discussões e debates internos e com outras pessoas sobre como devemos agir para investir melhor.

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)