O mercado está no segundo anterior a uma grande transformação?

Entramos em uma fase de mudanças aceleradas, onde a sensação de perda de controle pode aumentar e os desafios de adaptação se tornam ainda maiores

Gustavo Cunha

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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Os últimos anos, não há como negar, têm testemunhado uma imensa velocidade na incorporação de tecnologias pelo mercado financeiro. Desde algoritmos de trade que utilizam machine learning até chats automatizados para atendimento ao cliente, que utilizam sistemas de inteligência artificial para treinamento, a automação está presente em praticamente todas as áreas do mercado financeiro atualmente. No entanto, a pergunta que sempre persiste é: quando essa mudança realmente ocorrerá? Quando chegaremos ao momento em que tudo mudará? Será que conseguiremos identificar esse momento?

Nos últimos meses, alguns temas relacionados a novas tecnologias têm se destacado e podem potencialmente transformar o mercado financeiro, começando pela tokenização, que tem alcançado novos patamares a cada dia. Esse tema envolve não apenas a tokenização de ativos reais, ou seja, sua representação no mundo das tecnologias blockchain ou DLT (Distributed Ledger Technology), mas também a tokenização de moedas. Inúmeras discussões e iniciativas sobre CBDC (Central Bank Digital Currency), e no caso do Brasil, sobre o Real Digital, têm se intensificado ao redor do mundo.

Outra tecnologia que vem avançando em paralelo é a inteligência artificial, que antes era limitada a alguns círculos especializados, mas que agora está presente em todos os lugares. Até mesmo a Bloomberg lançou recentemente o “BloombergGPT”, um sistema de inteligência artificial especialmente desenvolvido para o mercado financeiro.

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Com alguns cabelos brancos já na cabeça, consigo observar essas mudanças com a perspectiva do tempo, o que as torna ainda mais impressionantes. Há apenas 30 anos, uma transferência entre uma cidade do interior de Goiás, onde eu morava, e São Paulo poderia levar de dois a cinco dias para que o dinheiro enviado de uma agência do mesmo banco pudesse ser sacado na capital paulista. Hoje, realizamos a mesma transferência (até mesmo entre bancos diferentes) em questão de segundos por meio do PIX e, além disso, é possível fazer essa mesma transferência entre o Brasil e a China em segundos por meio de criptomoedas.

Os últimos 30 anos, para usar o mesmo período mencionado anteriormente, testemunharam uma enorme transformação em todos os aspectos do mercado financeiro. O uso de ternos em praticamente todos os bancos está em queda. As agências bancárias, as poucas que restaram, tornaram-se balcões de negócios e muitas vezes são gerenciadas por algoritmos que entram em contato com os clientes via WhatsApp. A quantidade de transações físicas, como dinheiro em papel, notas de crédito em papel, títulos em papel, processos de empréstimos com assinaturas físicas, entre muitos outros, está em declínio acentuado. A eficiência por funcionário (número de funcionários dividido pelo número de produtos, canais de distribuição ou qualquer outro indicador que se queira utilizar) está atingindo números nunca antes vistos.

Um dos principais motores dessa aceleração foi um mindset muito específico que foi implementado na indústria financeira por meio das fintechs. Elas vieram com o conceito de MVP (minimum viable product – produto mínimo viável), onde lançavam um produto ou serviço que não estava 100% testado e, por meio de um mecanismo de trocas entre os usuários iniciais (feedback loop), verificava os problemas e oportunidades e ia se ajustando com o passar do tempo. Esse tipo de pensamento só foi possível dada a quantidade de inovação e serviços de SaaS (software as a service – software pago pelo uso) que o Google e companhia disponibilizaram. De todos esses serviços, a capacidade de armazenamento e processamento em nuvem talvez tenha sido o mais disruptivo de todos.

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Esse mindset fez com que a inovação no mercado financeiro fosse mais aberta e que todos os “bancões” tivessem que se adaptar para manter o ritmo e não ficarem para trás.

Acredito que essa tenha sido a primeira fase de inovação no mercado financeiro. Hoje esse mindset já está instalado em todo lugar. Para dar um exemplo, podemos ver isso nos discursos do próprio Banco Central do Brasil (BCB) que vem a público discutir os detalhes do piloto do Real Digital. Essa construção com a sociedade, em grupo, traz um produto final muito melhor para todos e ajustes são feitos durante o caminho. Não preciso dizer que cada MVP tem aspectos que têm que ser muito testados antes de vir a público, mas não 100% de todos os aspectos e cenários têm que estar cobertos no momento zero.

A fase que estamos entrando agora, ou que já entramos, é uma fase em que tudo vai (está) mudando em uma velocidade muito maior do que conseguimos acompanhar. A sensação de perda de controle, que já existe, só se intensificará e temos, como humanos, que saber lidar com isso.

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Figurativamente é como se a primeira fase fosse a fase de trocar a câmera fotográfica da Kodak, que utilizava filmes de rolo, por uma câmera digital, e a segunda fase é a não necessidade de se ter mais uma câmera para tirar fotos, pois o celular já faz isso. Ou, tentando pegar um exemplo mais recente, como se saíssemos de um sistema baseado em pagamentos em papel moeda para um sistema com pagamentos via cartão de crédito (fase 1), para um sistema onde você paga tudo por reconhecimento facial.

Uma coisa importante nessas mudanças é o fato de que o usuário não precisa necessariamente conhecer as novas tecnologias que está usando, como IP, inteligência artificial, blockchain, etc. Tirando alguns entusiastas e pessoas intimamente ligadas ao seu desenvolvimento, isso pouco importa. O que as pessoas comuns querem é facilidade. Algo que as ajude no seu empréstimo bancário, ou em seus investimentos. O que está por trás pouco importa. O importante mesmo é o que chamamos de UX (experiência do usuário). E esse aspecto está cada vez mais fácil e acessível para todos.

Vejo toda a discussão sobre Blockchain e Inteligência Artificial acelerando e tomando de assalto o mercado financeiro. Em breve, tudo usará essas tecnologias e isso facilitará imensamente nossas vidas, criará novos modelos de negócios, tornará o mundo mais plano, e por aí vai.

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Voltando à pergunta que fiz no início deste texto, minha visão é de que estamos prestes a passar por uma grande transformação. Aqueles que já testaram ou utilizaram o ChatGPT para algo, viram o Midjourney transformar suas palavras em uma imagem incrível, estão a par das discussões sobre Blockchain, como Account Abstraction ou Zero Knowledge. Me digam se não concordam comigo.

As dúvidas que tenho, e que acredito que só poderemos responder ex-post, são muitas. Mas assim como no exemplo do MVP, colocá-las agora é fundamental para podermos influenciar de alguma forma. Entre essas dúvidas, consigo destacar: o acesso a soluções financeiras será mais global e inclusivo? O mundo será melhor para todos ou apenas para uma minoria? Teremos mais tempo ou seremos “forçados” a ser mais produtivos para sobreviver? Seremos mais felizes?

Deixo todos com essas dúvidas na esperança de que essa reflexão sirva para discutirmos e colocarmos em prática um mercado financeiro, e por que não dizer um mundo, muito melhor para todos.

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)