Como fazer para que o Euforia FC não se torne no Frustração S/A

É hora de o futebol brasileiro fazer contas, estudar alternativas, buscar o caminho mais sólido, seja como SAF, seja como Associação. O mais importante é ter clareza do cenário

Cesar Grafietti

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O empresário americano John Textor comprará 90% da SAF do Botafogo (Vitor Silva/Botafogo)
O empresário americano John Textor comprará 90% da SAF do Botafogo (Vitor Silva/Botafogo)

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Voltamos a falar sobre o momento do futebol brasileiro. Para quem está em contato com a indústria – ou o que o negócio que se pretende transformar em indústria num futuro próximo – a palavra da vez é “euforia”. Vamos tentar destrinchar o momento e ver o quanto disso é efetivo e o quanto pode se tornar uma grande decepção.

Neste artigo, iniciamos algumas avaliações sore o momento, de forma que exploraremos vários itens ao logo das próximas semanas, de forma a qualificar nosso mercado.

Cruzeiro e Botafogo lideraram o processo de criação das Sociedades Anônimas do Futebol, as SAFs. Com realidades bastante difíceis sob o ponto de vista econômico-financeiro, era natural que se aproveitassem da estrutura benevolente de reestruturação de dívidas que a Lei da SAF os ofereceu.

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Após os primeiros passos, ainda que pareça estarem em momentos diferentes, ambos têm enormes desafios para destravar seus projetos.

Se Ronaldo e equipe lidam com uma situação crítica e que, por muitas vezes, parece fora de controle, demandando ações duras e muitas vezes impopulares para resgatar o Cruzeiro pendurado num abismo, John Textor trouxe um ar de esperança natural do início de processos assim.

Muitos não leram as entrelinhas de suas palavras, outros acreditam nas ideias pouco factíveis de vendedores de ilusões. Se a ideia de multi-club ownership, com clubes vencedores lhe parece nova, então lhes apresento o projeto Red Bull. E, respeitosamente, Crystal Palace, Botafogo e RWD Molenbeek não são exatamente um trio de potências mundiais.

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Ainda que o Botafogo esteja muitos passos à frente do Cruzeiro em termos de reorganização, os desafios de implantação e a realidade do dia a dia tendem a criar momentos de atrito e tensão. “Paciência” segue sendo a palavra de ordem aqui.

A partir deles começaram a surgir muitas outras SAFs. Vimos uma tratativa com o Juventus de São Paulo, outros clubes começaram a falar sobre o tema, muitas vezes empurrados pelo clamor da torcida. Neste momento, o risco é acreditar que todo mundo pode se transformar no Manchester City, no Bayern de Munique. Sinto muito, mas a grande maioria não poderá.

Entramos no mundo da viabilidade de projeto. Já tratei sobre este tema em outro artigo, mas volto à carga porque ainda há muita confusão sobre este tema. Precisamos separar as diversas realidades de localização, e do lugar do clube na estrutura do futebol, de forma a entender de onde saem e para onde os novos donos querem chegar. Considerando sempre que dinheiro é um bem escasso, finito e caro.

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Precisamos lembrar que os espaços são limitados. Temos 60 clubes nas três divisões principais nacionais. Formar e negociar atletas de maneira eficiente requer metodologia, minutagem e competitividade. Ser um clube de referência competitiva e de exposição demanda necessariamente estar na Série A, assim como a valorização da revelação também se dá nessa divisão. Daquelas 60 vagas, restaram apenas 20 na elite. É um funil.

Ao considerarmos que na elite do futebol brasileiro há cerca de metade das vagas ocupadas por “quase” vitalícios (e hoje isso não tem mais relação com história e passado, mas sim com capacidade financeira e de gestão), sobra pouco espaço para grandes histórias de crescimento e superação.

Ou seja, para algo em torno de 10 vagas, a permanência na elite será definida por detalhes, que cada vez mais estão associados à capacidade financeira, de gestão, de eficiência, de entendimento do jogo, da cultura esportiva.

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E daí é uma questão de conta e de estratégia, que se somam à expectativa realista de todos, especialmente de torcedores. É natural que as partes mais altas das tabelas de competições como o Brasileirão sejam ocupadas por quem fatura acima de R$ 300 milhões e tenha gestão qualificada.

Ainda mais natural é que quem fature acima de R$ 500 milhões – ou gaste como quem fatura isso, com todos os riscos da estratégia – ocupe o topo da pirâmide.

Portanto, abaixo disso, a condição de competitividade fica limitada e dependente da eficiência dentro de campo. Na captação bem-feita, na formação correta, no elenco formado por funções e não por quantidade e nomes, e na busca por maximizar as receitas através de trabalhos com início, meio e reinício, novo meio, pois nunca terá fim. Continuidade e planejamento permitem isso.

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Se vier acompanhado de profissionais qualificados e aporte de dinheiro para garantir investimentos em modernizações, como melhorar a estrutura física, investir na melhoria e ampliação das áreas de scouting e saúde e, essencialmente, entender que marketing é investimento e não custo, muito melhor.

Por isso, o planejamento não é apenas no dia a dia, mas na formatação do melhor plano para receber tudo isso.

Agora, serve para todos? Possivelmente não.

Por exemplo, para sair da “5ª Divisão Nacional”, também conhecida como os “Estaduais que não acessam a Série D”, e chegar à Série B, será preciso um investimento que em muitos casos não tem retorno, inclusive porque sair da Série D para a Série C é complicadíssimo.

Por isso, é fundamental que todos tenham as expectativas corretas. É preciso estar claro que, por mais investimento que se faça nessa base da pirâmide, as chances de se alcançar o Olimpo são relativamente baixas.

Casos como Cuiabá e Juventude, por exemplo, ocorrem com alguma raridade. Eles se aproveitaram de um momento em que Grêmio, Bahia, Cruzeiro e Vasco estão na Série B. Claro que eles podem se tornar realidades, como vêm sendo Fortaleza e Red Bull Bragantino. Mas é difícil chegar e, mais ainda, se manter no topo.

O momento foi perfeito. Esses clubes se aproveitaram do enfraquecimento de outros tradicionais e das suas próprias competências. Mas, essencialmente, se beneficiaram de um mundo pré-SAF. Exceto o Red Bull Bragantino, que é precursor desse modelo enquanto sucesso.

Nessa Euforia FC que vivemos, o papel de um consultor ético é vender a verdade, tratar a expectativa de forma justa, de um jeito que a realidade seja aquela possível. O que vivemos agora tem a chance de trazer evoluções, mas corremos alguns riscos, como o de concluir que muitos clubes são inviáveis, pelo menos do tamanho que acreditam ser, e dos sonhos que alimentam.

Enquanto isso, é hora de fazer contas, estudar alternativas, buscar o caminho mais sólido, seja como SAF, seja como Associação. O mais importante é ter clareza do cenário, para traçar seu caminho de onde quer chegar e como, para que a euforia não vire Frustração S/A, nem Esquecimento FC.

Seguiremos explorando vários dos temas trazidos nesta coluna. Até mais!

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti